Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Heathcliff e Catherine, Sue Ellen e J. R. – os amantes condenados que nós todos conhecemos têm um grande débito para com a tradição da tragédia grega que os precedeu.
Píramo e Tisbe
Quando ouvimos o nome “Babilônia”, pensamos em uma civilização do Oriente Médio famosa por libertinagem e excessos. Seus Jardins Suspensos foram uma das Sete Maravilhas do Mundo e, durante um tempo, a Babilônia era a maior cidade do mundo. O Império Babilônico abrangeu grande parte da Ásia Menor. Na verdade, alguns acreditam que esta história realmente aconteceu na Cilícia, o reino que Cílix fundou antes de se unir a Cadmo e aos outros filhos de Agenor em sua busca por Europa. Ovídio, no entanto, em sua versão da história, tem o prazer de localizar a ação bem no centro da Babilônia, de modo que é aí que eu também a coloco.
Na Babilônia, então, moravam duas famílias que brigavam entre si, ninguém nem mais se lembrava por quê, há gerações. Seus grandes palácios ficavam ao lado um do outro na rua principal da cidade, mas as crianças de cada família foram criadas como inimigas, proibidas até de se falar, escrever ou fazer sinais umas para as outras.
Uma das famílias tinha um filho chamado PÍRAMO e a outra, uma filha chamada TISBE. De algum modo, os dois se apaixonaram, apesar dos obstáculos em seu caminho. Tinham descoberto um buraquinho no muro que separava as duas casas. Através dessa abertura, cochichavam trocando visões sobre a vida, poesia e música, até que se descobriram profundamente apaixonados. O buraco no muro era pequeno demais para permitir que se tocassem, mas o calor de sua paixão jovem e ardente podia ser respirado de uma boca para outra através da fenda benevolente, intensificado pela natureza proibida de seus sentimentos e pela emocionante proximidade intransponível.
Essa troca de hálito quente, juvenil, inflamava-os de tal modo que uma noite, enlouquecidos além do que conseguiam suportar, combinaram fugir de seus respectivos palácios e se encontrar à noite nos terrenos da tumba do ancestral de Píramo, o rei assírio NINO, fundador da grande cidade de Nínive.
E assim, na noite seguinte, a ágil e sagaz Tisbe escapuliu dos guardiães de seu quarto e das sentinelas de plantão do lado de fora do palácio de seu pai e logo estava fora dos muros da cidade, construído havia muitos anos pela sua ancestral, a rainha SEMÍRAMIS. Chegando ao local do encontro, Tisbe encontrou não seu amante Píramo, mas um leão selvagem, com a boca escorrendo de sangue de sua presa recente, um boi. Amedrontada com seus rugidos, Tisbe correu do cemitério. Na pressa e no pânico de sua fuga, deixou cair o véu. O leão se aproximou do véu, farejou, tomou-o nas presas e o sacodiu de um lado para outro, manchando-o com o sangue do boi que trazia no focinho, antes de deixá-lo cair no chão, dando um último rugido e se afastando na noite.
Um pouco depois, Píramo chegou à cena e se instalou para esperar sua amada embaixo de uma alta amoreira carregada com sua pesada carga veranil de frutas brancas como a neve. Um facho de luz da lua passou entre os galhos da árvore e iluminou o véu de Tisbe jogado no chão, todo manchado e salpicado de sangue coagulado. Píramo o apanhou. Horrorizado, ele conseguiu perceber o emblema da família de Tisbe bordado no linho manchado, e, mais do que isso, reconhecer o perfume da garota com quem tinha trocado tantas vezes a febre ardente do hálito do amor. Impressões de patas no solo davam testemunho da presença de um leão.
Sangue, impressão de patas, o emblema da família, o inequívoco perfume da própria Tisbe: o significado claro e trágico de tudo isso explodiu em Píramo. Com um grito de desespero, ele puxou a espada e se golpeou profundamente no estômago, rasgando a ferida de lado a lado na pressa de se unir à sua amada morta. O sangue espirrou dele como de uma fonte, tingindo de púrpura as amoras brancas.
— Vocês me tiraram minha amada Tisbe antes que pudéssemos nos unir pelo curto período de nossas vidas — gritou Píramo aos céus —, então nos deixem sermos um na infinita noite da morte eterna! — Com essas nobres palavras ele expirou no chão.
Entra Tisbe. Nas mãos mortas de Píramo, viu seu próprio véu, manchado e salpicado com sangue. Viu as impressões das patas do leão e leu muito claramente a história escrita ali.
— Ó, deuses, será que ficaram com tanto ciúme do nosso amor que não podiam nos conceder sequer um momento de felicidade? — exclama ela.
Ela viu a espada de Píramo, ainda quente e úmida com o sangue dele. Atirou-se sobre ela, mergulhando-a fundo na barriga com um grito de triunfo e êxtase em um dos suicídios mais freudianos que já existiram.
Quando as duas famílias foram levadas ao local da tragédia, eles caem, chorando, ao pescoço uns dos outros, implorando perdão. A briga está terminada. Os corpos dos amantes são queimados e suas cinzas, misturadas numa única urna.
Quanto aos espíritos – bem, Píramo foi transformado num rio que teve o nome dele durante milênios, e Tisbe, numa fonte cujas águas correm para esse rio. O fluxo do Píramo (agora chamado Ceyhan) foi represado para uma usina hidroelétrica, de modo que a força dos dois amantes agora serve para iluminar lares turcos.
Além do mais, em honra ao amor e sacrifício do casal, os deuses decretaram que a fruta da amoreira, daquele momento em diante, seria sempre roxo profundo: a cor da paixão e do sangue deles.
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