A história de Eos e Titono pode ser considerada um tipo de tragédia doméstica. A mitologia grega nos oferece muito mais histórias de amor entre deuses e mortais que com muita frequência se enquadram no gênero de “romance condenado”, introduzindo algumas vezes elementos de comédia romântica, farsa ou horror. Os deuses parecem sempre contar esses casos de amor com flores. A palavra grega para “flor” é anthos – de modo que o que se segue é, muito literalmente, uma antologia romântica.
Jacinto
Jacinto, um belo príncipe espartano, teve a infelicidade de ser amado por duas divindades, Zéfiro, o Vento do Oeste, e o dourado Apolo. O próprio Jacinto preferia o lindo Apolo e repetidamente repeliu os avanços do vento, brincalhões, mas cada vez mais agressivos.
Certa tarde, Apolo e Jacinto estavam competindo em eventos atléticos e Zéfiro, num ataque de ciúme, desviou com um sopro o disco de Apolo, que deslizou em alta velocidade na direção de Jacinto. Atingiu-o em cheio na testa, matando-o instantaneamente.
Imerso na dor, Apolo recusou a Hermes o direito de transportar a alma do jovem para o Hades, misturando, em vez disso, o sangue mortal que fluía da testa adorada com suas próprias divinas lágrimas aromáticas. Esse suco inebriante caiu no solo e dali floresceu a maravilhosa e perfumada flor que tem o nome de jacinto até hoje.
Croco e Esmílace
Croco era um jovem mortal que sofria de amores, sem sucesso, pela ninfa ESMÍLACE. Por piedade, os deuses (na verdade, não sabemos qual) o transformaram na flor do açafrão a que chamamos de croco, enquanto que ela se tornou uma trepadeira espinhosa, muitas espécies da qual ainda florescem sob o nome de esmílace.
De acordo com outra versão desse mito, Croco era amante e companheiro do deus Hermes, que acidentalmente o matou com um disco e, em sua dor, o transformou na flor do croco. É tão semelhante à história de Apolo e Jacinto que a gente fica pensando se algum bardo em algum lugar ficou bêbado ou confuso.
Afrodite e Adônis
Havia, no início, um rei de Chipre chamado TEIA, renomado por sua notável beleza. Ele e sua mulher, CENCHREIS, tiveram uma filha, ESMIRNA, também conhecida como MIRRA, que cresceu abrigando um amor incestuoso por seu belo pai.
Bem, Chipre era sagrada para Afrodite, tendo sido a ilha na qual ela primeiro pôs os pés ao nascer da espuma do mar, e foi uma Afrodite despeitada que soprou em Esmirna esse desejo pouco natural pelo próprio pai. Parece que a deusa andava chateada pela inadequação das rezas e sacrifícios oferecidos a ela pelo rei Teia.
Teia tivera a temeridade de abrir um novo santuário dedicado a Dioniso, um culto que estava ficando popular entre os ilhéus. Afrodite considerava a negligência com seus próprios templos o pior crime possível, muito pior do que o incesto. Na cabeça dos mortais, no entanto, mesmo aqueles da notoriamente liberal e decadente Chipre, o incesto era um tabu dos mais graves. Esmirna, angustiada, tentou abafar seus sentimentos culposos. Mas Afrodite, que realmente estava determinada a semear o mal, enfeitiçou a empregada de Esmirna, HIPÓLITA, e levou a história toda a uma crise perturbadora.
Uma noite, quando Teia já tinha se embebedado bastante, como gostava de fazer desde que descobrira as virtudes vinosas do deus Dioniso, Hipólita, enfeitiçada por Afrodite, levou Esmirna ao quarto e à cama dele. O rei fez amor sofregamente com a filha, embriagado demais para questionar sua boa sorte. Na escuridão da noite e nas brumas do vinho, ele não reconheceu o fruto de seu próprio sangue; só sabia que uma garota jovem, desejável e apaixonadamente disposta aparecera para dar prazer a ele, como algum tipo de súcubo divino.
Depois de uma semana dessas intensas e alegres visitas, Teia acordou uma manhã determinado a saber mais a respeito dela. Fez correr a notícia de que recompensaria com uma montanha de ouro quem descobrisse a identidade dessa estranha misteriosa que vinha tornando suas noites tão loucamente prazerosas.
Esmirna andava agindo por paixão, num tipo de sonho maluco de lascívia, mas, quando ouviu dizer que Chipre inteira estava tentando descobrir o segredo de suas visitas noturna a Teia, fugiu do palácio para se esconder na floresta. Ela queria morrer, mas não podia abandonar a criança que já sentia crescendo dentro de si. Imprecando contra as leis dos homens que faziam dela uma criminosa do amor, implorou aos céus que se apiedassem dela.
Em resposta às suas súplicas, os deuses transformaram Esmirna na árvore chorona da mirra.
Depois de dez meses, a árvore se abriu e liberou um menino mortal. As náiades ungiram a criança com as lágrimas suaves que saíam da mirra – um bálsamo que permanece até hoje a fonte do mais importante óleo de nascimento e coroação – e ele recebeu o nome de Adônis.
O bebê de Esmirna cresceu e se tornou um jovem de deslumbramento físico sem paralelos. Oh, céus, já escrevi isso vezes demais para que acreditem em mim de novo. Mas é verdade que todos aqueles que olhavam para ele se apaixonavam para sempre, e verdade também que o nome dele continua vivo como descrição do modelo de beleza masculina. No mínimo, é necessário que saibamos que Adônis era adorável o suficiente para atrair, como nenhum outro mortal ainda tinha atraído, a única que tinha feito tanto para que ele nascesse: a própria deusa do amor e da beleza, Afrodite.
Eles se tornaram amantes. O caminho para essa união tinha sido muito louco e tortuoso: a deusa, num espírito de vingança maliciosa, tinha feito com que o pai cometesse um ato proibido com sua filha, que produziu um filho a quem Afrodite amava, talvez mais completamente do que qualquer outro ser. Uma vida inteira de terapia certamente não conseguiria consertar uma confusão psíquica como essa.
Adônis e Afrodite faziam tudo juntos. Ela sabia que os outros deuses detestavam o garoto – Deméter e Ártemis não suportavam ver tantas meninas doentes de amor por ele, Hera desaprovava rigidamente a questão de uma afronta tão vergonhosa e flagrantemente indecente às sagradas instituições do casamento e da família, enquanto Ares tinha um ciúme tempestuoso da intensa obsessão de sua amante. Afrodite sentiu isso tudo e ficou determinada a manter Adônis em segurança contra os danos que sua família ressentida pudesse causar a ele.
Seu precioso amante mortal, como a maior parte dos garotos e homens gregos, mostrava uma grande paixão pela caça. Então, a protetora Afrodite disse-lhe que, embora ele fosse livre para caçar presas de tamanho administrável e ferocidade limitada – lebres, coelhos e pombas, por exemplo –, estava terminantemente proibido de perseguir leões, ursos, javalis e veados maiores. Mas meninos não têm jeito e, quando as meninas estão longe, não conseguem resistir a voltar ao que são e a seus caprichos. E, então, aconteceu que, certa tarde, o amado de Afrodite se viu sozinho no rastro de um grande javali (alguns dizem que, na verdade, o javali era o próprio Ares disfarçado). Adônis acuou o bicho, e estava justamente puxando sua lança, pronto para o golpe, quando o javali se virou com um rugido selvagem, as presas em riste. Adônis, assustado, deixou cair a lança ao pular para trás, mas era um jovem corajoso e conseguiu se estabilizar e plantar os pés com firmeza suficiente para aguentar o ataque do javali. Quando este arremeteu disparado, Adônis torceu o corpo numa volta graciosa, como um dançarino – o bruto não acertou e, ao passar, Adônis o agarrou pelo pescoço. Mas o javali era esperto. Deixou a cabeça cair, para que o garoto pensasse que o tinha dominado. Ajoelhando, Adônis empurrou a cabeça do animal com uma mão, enquanto, com a outra, procurava a faca que guardava no cinto. O javali sentiu sua chance e puxou a cabeça para cima, rosnando, erguendo e torcendo suas enormes presas. Elas rasgaram o estômago de Adônis e ele caiu no chão, mortalmente ferido.
Afrodite chegou a tempo de ver seu bem-amado sangrando até morrer e o javali – ou era Ares? – grunhindo em triunfo enquanto galopava para o fundo da floresta. Não havia nada que a chorosa deusa pudesse fazer, além de segurar Adônis e vê-lo sufocar o último suspiro em seus braços. De seu sangue e das lágrimas dela brotaram anêmonas vermelhas, cujo nome vem dos ventos (anemoi, em grego) que tão rapidamente dispersam as pétalas dessa flor maravilhosamente adorável, conhecida por ter uma vida tão curta quanto a juventude e ser tão frágil quanto a beleza.
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