Júpiter tinha como animal de estimação uma linda águia. Esta ave, branca e imensa, era a mesma que levara ao deus dos deuses o néctar, durante sua perigosa infância, na ilha de Creta, quando vivia escondido do pai, Saturno, que comia os próprios filhos. Júpiter, agora adulto e na condição suprema de deus dos deuses, casara-se com Juno e dela tivera uma filha chamada Hebe.
Ela estava encarregada de servir o néctar aos deuses, durante os seus ociosos e felizes encontros.
Hebe, considerada a encarnação da juventude, parecia não se incomodar com a humilhante tarefa, e era sempre sorrindo que derramava nas taças dos deuses o néctar que trazia em sua jarra. Mas um dia, Hebe, um tanto descuidada, resvalou em pleno salão do Olimpo e caiu com a jarra. Seu pai, Júpiter, desgostou-se com o lamentável desempenho e demitiu-a no ato. A partir daquele instante, a corte celestial não tinha mais quem servisse os deuses, problema que, num lugar onde os problemas eram poucos, revestia-se de relevante importância.
— Júpiter, querido — disse um dia Juno ao seu esposo. — Se você não quer mais que nossa desastrada filha reassuma suas antigas funções, trate de arrumar alguém para tomar o seu lugar.
— Você poderia exercê-las perfeitamente, querida Juno — disse Júpiter.
Juno nem se deu ao trabalho de responder, simplesmente deu-lhe as costas, seguida de seu pavão de estimação, que parecia também ofendido. Júpiter, reclinando-se em seu trono, pensou um pouco. Depois, levantando-se, foi até a janela espiar a Terra, sua distração principal.
Observar os mortais era também um bom calmante, pois, ao ver as loucuras e confusões nas quais eles viviam metidos, as apreensões do grande deus diminuíam.
No exato instante em que Júpiter deitou para baixo o seu olhar, ele caiu sobre um belo rapaz que passeava em meio a várias ovelhas, por um prado ameno e recoberto de flores. Era Ganimedes, filho do rei de Tróada. Apesar de sua alta condição, era pastor, e neste instante guiava o seu rebanho. O jovem trazia à cabeça um barrete frígio, tendo jogado displicentemente às costas um pequeno manto. Sua compleição física destacava-se em meio à brancura das ovelhas, o que logo atraiu Júpiter.
— Ora, vejam… Este belo rapaz daria aqui um ótimo serviçal! — disse o deus dos deuses, alisando as barbas.
Assim, sem pensar em mais nada, o rei dos deuses decidiu simplesmente raptá-lo, levando o jovem para morar no Olimpo com os deuses. Num instante, Júpiter fez um sinal para sua águia, que estava sempre por perto.
— Minha querida — disse Júpiter à ave -, desça já à Terra e traga-me aquele belo rapaz!
A ave estendeu suas imensas asas e arremessou-se ao abismo, como uma flecha recoberta de penas.
Enquanto isto, Ganimedes, alheio a tudo, continuava a pastorear o seu rebanho. Como o sol estivesse um tanto forte, o rapaz decidiu sentar-se um pouco sobre uma pedra, à sombra de uma grande árvore. Puxou uma flauta rústica para distrair-se e acalmar as ovelhas. Mas por entre as nuvens já pairava a imensa águia, atenta. Do alto observava o alvo rebanho, como outra nuvem que estivesse pousada ao chão. Quando percebeu que o inocente jovem estava inteiramente entregue à sua distração, destacou-se das nuvens e arremeteu com suas grandes garras expostas.
Ganimedes, erguendo um pouco o olhar, percebeu que uma grande sombra ocultava por instantes a luz do sol. Antes que entendesse direito o que era aquilo, sentiu em seus ombros a pressão dolorida das garras da águia. O jovem não teve tempo de ver o que o feria. Sentiu apenas que se elevava cada vez mais pelos ares, enquanto observava, atônito, as suas ovelhas diminuírem lá embaixo, até se tornarem somente um pontinho branco no imenso tapete verde do campo.
O vento frio arrebatara o seu manto ao mesmo tempo em que deixava em selvagem desalinho a sua cabeleira revolta. Mas à medida que subia, o calor do sol esquentava Ganimedes.
Quando ficava quente demais, a ave agitava com mais força as suas asas, para aliviá-lo do calor.
— O que quer de mim? — gritava o jovem à sua raptora.
A águia, entretanto, permanecia em majestoso silêncio, ascendendo cada vez mais com sua presa para além das nuvens. Assim foram subindo, até que Ganimedes, por entre as brumas das regiões superiores, viu surgir afinal o palácio majestoso de Júpiter. Em instantes o jovem, mudo de espanto, foi depositado diante do trono do pai dos deuses.
— Meu caro jovem! — disse Júpiter, com um ar de boas-vindas. — Saiba que a partir de hoje você passará a fazer parte de minha corte celestial.
A esposa de Júpiter, que também aguardava o jovem, mostrava-se bastante surpreendida com sua beleza, admitindo que seu marido fizera uma bela escolha.
— O que querem de mim? — exclamou Ganimedes, que não sabia se ficava alegre diante dessa notícia ou se a lamentava.
Vênus, a bela deusa do amor, que também estava por ali, adiantou-se:
— Permita, Júpiter, que eu converse um pouco com ele — disse, entusiasmada. — Estou certa de que nos entenderemos às mil maravilhas.
Júpiter assentiu, enquanto Vênus, envolvendo com seu braço a cintura do jovem, conduziu-o até um recanto afastado nos jardins perfumados do Olimpo. Ganimedes, apesar de assustado com tudo, ficou fascinado com a beleza daquela deusa, que o tomava, assim, em seus braços, com a intimidade de uma velha amiga.
— Você teve a honra de ser escolhido dentre os mortais para ser o novo servidor de Júpiter e de todos os deuses — disse-lhe Vênus, fazendo uma pausa na caminhada, com os olhos fitos em Ganimedes.
O jovem podia sentir o calor da pele da deusa envolvê-lo como uma veste imaginária.
— A partir de agora você será um de nós, tendo também o dom divino da imortalidade.
Agora, meu querido, vamos tratar destas pequenas feridas, caso contrário você não poderá vestir tão cedo o seu novo e elegante traje — completou a deusa.
Vênus levou, então, o seu hóspede para um dos aposentos do palácio de Júpiter, onde soube consolá-lo, de maneira bastante eficiente, das suas saudades terrenas.
Enquanto isso, Júpiter, percebendo que o pai do jovem raptado ficara inconsolável com a perda do filho, decidiu recompensá-lo. Já era noite estrelada quando o mensageiro de Júpiter apresentou-se diante do infeliz rei e da sua esposa. Ambos mostravam-se inconformados com a perda do filho.
— Rei poderoso! — disse-lhe Mercúrio, num tom solene. — Venho aqui, em nome de Júpiter, para lhe comunicar que seu filho é agora um deus.
— Ganimedes imortal…! — exclamou o pobre rei, sem saber o que dizer. Sua esposa, que preferia seu filho humano, mas ao seu lado, perguntou, aflita:
— Mas nunca mais veremos nosso amado Ganimedes?
— Não, nunca mais — respondeu Mercúrio -, a não ser no céu, onde poderão enxergá-lo em noites claras como esta, sob a forma do zodíaco de Aquário. Em compensação, Júpiter lhes manda estes dois magníficos presentes, que acalmarão em seus corações a aflição provocada por essa dolorosa perda.
Mercúrio, com ar triunfal, descobriu, então, diante dos olhos do velho casal, um magnífico cepo de ouro, que esplendeu majestosamente na escuridão da noite. Depois fez surgir uma maravilhosa parelha de cavalos que, lançando-se pelo prado, pôs-se a correr ao redor deles, numa cavalgada mais veloz do que a do próprio vento.
O rei e a rainha, no entanto, não viram nenhuma dessas maravilhas: abraçados, tinham os olhos postos no céu, à procura do filho.
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