O Médico e o Corvo – Mitologia Grega

O nascimento da medicina

Era uma vez uma jovem princesa imensamente atraente chamada CORÔNIS, que vinha do reino de Phlegyantis, na Tessália. Sua beleza era tão arrebatadora que chamou a atenção do deus Apolo, e este a tomou como amante. Você pode achar que o companheirismo e o amor do mais lindo dos deuses bastaria para qualquer uma, mas Corônis – embora grávida do filho de Apolo – se deixou levar pelo charme de um mortal chamado ÍSQUIS e dormiu com ele.

Um dos corvos brancos de Apolo presenciou esse ato de traição e foi contar ao seu senhor o insulto feito à honra dele. Enraivecido, Apolo pediu que sua irmã Ártemis o vingasse. De muito boa vontade, ela atacou o palácio de Phlegyantis com setas de prata – dardos envenenados que espalhavam uma doença terrível por todo o conjunto de moradias. Além de Corônis, muitos foram contaminados. O corvo viu tudo e voltou para fazer um relatório completo para Apolo.

— Ela está morrendo, meu senhor, morrendo!

— Mas ela disse alguma coisa? Admitiu a culpa?

— Sim, disse sim. “Eu mereço meu destino”, ela falou. “Diga ao grande Apolo que não peço perdão nem imploro piedade, não imploro piedade, só que ele salve a vida do nosso filho. Salve a vida do nosso filho.” Há! Há! Há!

O corvo crocitou com um prazer tão malicioso que Apolo perdeu a paciência e o fez ficar preto. Desde então, todos os corvos, urubus e gralhas-calvas têm essa cor.

Quando Apolo, agora cheio de remorso, chegou a Phlegyantis, assolada pela praga, encontrou Corônis morta em sua pira fúnebre, rodeada pelas chamas. Com um grito de dor, ele atravessou as chamas, cortou a barriga dela e retirou o filho, ainda vivo. Apolo elevou Corônis às estrelas, como a constelação do Corvus, o Corvo.

O menino resgatado, que Apolo chamou de Asclépio, foi posto sob os cuidados do centauro Quíron. Talvez por ter nascido a partir de um procedimento cirúrgico (embora violento), talvez porque a infecção grassasse em torno enquanto ele estava no útero, talvez por seu pai ser Apolo, deus da medicina e da matemática – provavelmente, por todos esses motivos –, Asclépio demonstrou desde cedo alguns talentos notáveis no campo da medicina.

Enquanto o menino crescia, ficou muito claro para Quíron que ele rapidamente demonstrava aliar uma mente incisiva, lógica e curiosa a um dom natural para a cura. Quíron, ele mesmo excelente naturalista, herborista e altamente racional, teve imenso prazer em treinar o garoto nas artes médicas. Além de dar a ele uma base completa em anatomia de animais e seres humanos, ensinou a ele que o conhecimento é adquirido por meio da observação e da anotação cuidadosas, e não da invenção de teorias. Mostrou como colher plantas medicinais, moê-las, misturá-las, aquecê-las e transformá-las em pós, poções e preparações que podiam ser comidas, bebidas ou misturadas ao alimento. Instruiu-o sobre como estancar sangramentos, preparar e aplicar cataplasmas, fazer curativos em feridas e reduzir fraturas. Aos catorze anos, ele já tinha salvo a perna de um soldado de ser amputada, tirado uma garota febril das portas da morte, livrado um urso de uma armadilha, salvado a população de uma aldeia de uma epidemia de disenteria e aliviado o sofrimento de uma cobra machucada, aplicando um unguento que ele mesmo inventara. Esse último caso se mostrou inestimável, porque a serpente, agradecida, lambeu o ouvido de Asclépio, enquanto cochichava para ele muitos segredos sobre as artes da cura que nem mesmo Quíron conhecia.

Atena, para quem as serpentes eram sagradas, também conferiu seus agradecimentos sob a forma de um pote com o sangue das Górgonas. Você talvez ache que não foi um bom presente. Longe disso. Algumas vezes, a lei dos opostos se aplica. Provar ou tocar em uma única gota do ichor prateado-dourado que faz os deuses serem imortais é fatal para os homens. O sangue de uma criatura tão mortal e perigosa quanto a Górgona com cabelos de serpentes, por outro lado, tem o poder de trazer os mortos de volta à vida.

Aos vinte anos, Asclépio tinha dominado todas as artes da cirurgia e da medicina. Abraçou seu professor Quíron num carinhoso adeus e saiu para se estabelecer sozinho como o primeiro médico, farmacêutico e curandeiro do mundo. Sua fama se espalhou com grande rapidez pelo Mediterrâneo. Os doentes, os mancos e os infelizes foram em bandos para seu consultório, em frente ao qual ele pendurou uma placa – um bastão de madeira com uma serpente enrolada em torno, até hoje visto em ambulâncias, clínicas e sites médicos (muitas vezes, não dignos de confiança).

Casou-se com EPÍONE, cujo nome significa “suavizante” ou “alívio da dor”. Juntos, tiveram três filhos e quatro filhas. Asclépio treinou suas filhas com o mesmo rigor que Quíron tinha usado com ele.

A mais velha, HÍGIA, foi ensinada nas práticas de limpeza, dieta e exercício físico, atualmente chamadas de “higiene” em homenagem a ela.

A PANACEIA, ele revelou as artes da saúde universal, das preparações medicinais e da produção de remédios e tratamentos que podiam curar qualquer coisa – que é o significado de seu nome: “cura tudo”.

ACESO foi instruída no processo da cura propriamente dita, inclusive o que hoje chamamos de imunologia.

A garota mais nova, IASO, se especializou na convalescência e na recuperação.

Os rapazes mais velhos, MACAÃO e PODALÍRIO, se tornaram os protótipos do médico de exército. Seus serviços, mais tarde, na Guerra de Troia, foram registrados por Homero.

O filho caçula, TELÉSFORO, costuma ser descrito como encapuzado e de crescimento muito limitado. Seu campo de estudo foi a reabilitação e a convalescença, a volta do paciente à saúde plena.

Tudo poderia ter ido bem se Asclépio tivesse mantido bem fechado o pote que Atena lhe dera. Bem fechado. Talvez tenha sido a glória de ser celebrado como um tipo de santo e salvador ou um desejo genuíno de derrotar a doença com todas as artes que possuía, isso não podemos saber, mas Asclépio usou o sangue da Górgona uma vez para reviver o corpo de um paciente morto, e depois uma segunda vez, e logo o estava usando tão livre e regularmente quanto óleo de rícino.

Hades começou a reclamar e a se irritar. Um dia, não conseguiu mais aguentar e chegou ao ponto de sair do mundo inferior e se pôr de pé na frente do trono de seu irmão Zeus.

— Esse homem está me negando almas. Ele as puxa de volta de Tânato bem na hora em que estão prestes a atravessar para o nosso lado. Alguma coisa tem de ser feita.

— Concordo — disse Hera. — Ele está subvertendo a ordem adequada das coisas. Se uma pessoa foi marcada para morrer, não é de modo algum aceitável que um mortal venha interferir. Sua filha fez uma grande besteira em dar a ele o sangue da Górgona.

Zeus franziu a testa. Não podia negar a verdade do que eles diziam. Ele estava decepcionado com Atena. Ela não o traíra de um modo tão flagrante e imperdoável quanto Prometeu, mas havia pontos de semelhança que o perturbavam. Mortais eram mortais e pronto. Permitir que eles tivessem acesso a poções que lhes dessem jurisdição sobre a morte era muito errado.

O raio que atingiu Asclépio foi totalmente inesperado, como são os raios vindos de um céu sem nuvens. Matou-o na hora. A Grécia inteira lamentou a perda de seu amado e respeitado médico e curandeiro, mas Apolo fez mais do que lamentar a morte de seu filho. Ele ficou muito furioso. Assim que teve a notícia, ele mesmo partiu para a oficina de Hefesto e, com três rápidas flechas, matou Brontes, Estéropes e Arges, os Ciclopes cuja eterna tarefa e prazer era fabricar os raios de Zeus.

Essa rebeldia assombrosa não podia ser aceita. Zeus era intolerante com respeito a qualquer ameaça à sua autoridade e sempre agia com rapidez para acabar com o menor indício de insurreição. Apolo foi expulso do Olimpo e mandado para servir o rei da Tessália, ADMETO, em um posto humilde, durante um ano e um dia. Admeto tinha ganhado a aprovação de Zeus por sua recepção extraordinariamente calorosa e sua bondade para com estranhos – sempre um caminho direto para o coração de Zeus.

Quando jovem, Apolo já tinha sido punido, você vai se lembrar, por matar a serpente Píton. A beleza, o esplendor e o charme dourado dele escondiam uma vontade obstinada e um temperamento forte. Entretanto, ele se submeteu com bastante presteza à punição. Era impossível não gostar de Admeto e, ao servi-lo como seu vaqueiro, Apolo garantiu que cada vaca sob seus cuidados parisse gêmeos. Gado e gêmeos eram especiais para ele.

Asclépio, enquanto isso, foi elevado aos céus como a constelação de Ofiúco, o Serpentário.

Tradições posteriores afirmaram que Zeus devolveu Asclépio à vida e o elevou a deus. A verdade é que, por todo o mundo mediterrâneo, ele, sua mulher e suas filhas eram adorados como divinos. Surgiram por toda parte templos dedicados a ele, conhecidos como asclepia, muito semelhantes aos spas e às academias de ginástica de hoje em dia. Os sacerdotes oficiantes usavam branco e banhavam, massageavam e mimavam os suplicantes pagantes com óleos, cremes e ridículas misturas patenteadas, exatamente como hoje. As cobras (do tipo não venenoso), sempre sagradas para Asclépio, eram encorajadas a deslizar pelas salas de tratamento e pela clínica, uma visão talvez menos comum em nossos templos de saúde contemporâneos. Os cuidados com o espírito e a mente eram tão comuns quanto agora. Afinal, “holístico” é uma palavra derivada do grego. Contavam-se sonhos para os sacerdotes pela manhã, depois de um pernoite (conhecido como “incubação”), e o próprio Asclépio muitas vezes se manifestava para os pacientes. Especialmente, creio, para aqueles que pagavam mais.

O Santuário de Asclépio em Epidauro era uma atração tão grande quanto é hoje o famoso teatro da cidade. Aqueles que o visitam ainda podem ver registros das doenças, tratamentos, dietas e curas dos pacientes que iam lá em grande número.