Saturno, após destronar sangrentamente o próprio pai, era agora senhor de todo o Universo.
— Aqui é assim: mando eu e ninguém mais — dizia o tempo todo, a ponto de suas palavras reverberarem noite e dia pelos céus.
Certa feita, sua esposa, Cibele, que também era sua irmã, chegou-se a ele e disse:
— Abrace-me, querido Saturno, pois serei mãe!
O velho Saturno, encanecido no mando, esboçou apenas um sorriso.
— Muito bonito — resmungou o deus. — Mas e daí?
— Ora, e daí que você, meu esposo, será pai! — disse ela, tentando animá-lo. Esta palavra, no entanto, despertou a fúria de Saturno. Pondo-se em pé, com os olhos acesos, esbravejou:
— Não quero ouvir falar mais nesta palavra aqui no céu. Imediatamente ordenou que a pobre Cibele saísse da sua frente, para que pudesse reorganizar seus pensamentos. A praga que seu pai lhe lançara no dia em que o mutilara com a foice diamantina ainda ecoava em seus ouvidos:
“Ai de você, rebento infame… Do mesmo modo que usurpou o mando supremo. irá também um dia perdê-lo…”
— Nada de filhos — exclamou, por fim, a velha divindade. — Cibele, venha já até mim!
Sua esposa surgiu, um tanto intimidada.
— Quando nasce esta criatura que você está carregando? Vamos, diga! — bradou Saturno.
— Nos próximos dias, Saturno querido…
— Assim que nascer, traga-a imediatamente até mim.
— Assim será, meu esposo.
Cibele, correndo os dedos pelas madeixas, sorria candidamente. Alguns dias depois, com efeito, nasceu o primeiro bebê: era Juno, uma menina encantadora, porém de poucos sorrisos.
— Deixe-me vê-la — sussurrou Saturno, besuntando de mel a sua áspera i
— Veja, não é linda? — disse Cibele, a imprudente.
— Encantadora! — respondeu o deus, com um sorriso equívoco.
— Vamos, dê-lhe um beijo! — disse Cibele, a louca.
O velho deus tomou, então, a criança, envolta nos panos, e aproximou-a de seu imenso rosto.
— Dá mesmo vontade de engoli-la inteira — exclamou, arreganhando os dentes.
Cibele chorou de ternura.
Num segundo Saturno abriu de par em par a bocarra, como duas portas que dão para um abismo, e engoliu a pobre criança, que não deu um único pio.
Cibele chorou de horror.
Sem descer a explicações, Saturno tomou a cabeça da esposa em suas mãos e exclamou:
— E nada de choros, hein? Nada de vinganças. Depois, despediu-a, não sem antes adverti-la:
— E já sabe: nascendo outro, quero-o logo aqui.
Saturno dava tapinhas na sua barriga cheia, como que parabenizando-se pelo engenhoso estratagema. Depois retomou o seu eterno estribilho, agora com renovado prazer:
— E você aí dentro, já sabe: aqui é assim, mando eu e ninguém mais.
O tempo passou e foram nascendo os rebentos. Tão logo os filhos da desgraçada Cibele iam saindo do cálido ventre da mãe, eram imediatamente metidos na cova tétrica do estômago do pai. Passaram, assim, por este odioso portão, além da já citada Juno, os infelizes Plutão, Netuno, Vesta e Ceres.
Quando chegou, porém, a vez do quinto bebê, Cibele, farta de tanta sujeição, revoltou-se afinal:
“Não, este não…”, pensava, e o seu laconismo dava bem a medida da sua determinação.
Passando, então, das palavras à ação, correu até a mais distante caverna do mundo — a caverna de Dicte — e lá gemeu e gritou, até dar à luz Júpiter, seu último e mais esperado filho.
Depois de entregar o garoto aos cuidados das ninfas da floresta, Cibele retornou às pressas para o palácio de Saturno. Uma vez em seus aposentos, envolveu uma pedra nos lençóis e começou a gritar, como quem está em trabalho de parto.
— Temos nova peste — exclamou Saturno, rumando celeremente para o quarto.
Tão logo enxergou sua esposa segurando algo envolto nos panos, tomou-lhe o embrulho das mãos e engoliu-o, imaginando ser o quinto bebê.
— É o último, hein… ? — disse o deus, limpando a boca com as costas da mão e desaparecendo em seguida pela porta.
Mas Cibele chorou, como das outras vezes.
Tudo agora parecia em paz, pensava Saturno, enquanto gozava do silêncio, refestelado em seu trono dourado. De vez em quando, porém, repetia bem alto o seu amado estribilho, pois o silêncio absoluto enchia-o de vagas apreensões.
— Bom mesmo é minha voz retumbando: aqui é assim, mando eu e ninguém mais —
gritava ele, acalmando-se.
E isto era bom, também, para o jovem Júpiter, que permanecia oculto nas grutas distantes, podendo chorar à vontade. Quando chorava alto demais, as ninfas que dele cuidavam ordenavam que alguns guerreiros, chamados curetes, reverberassem seus escudos com toda a força, para abafar os sons infantis.
Para acalmá-lo, havia uma doce cabra, chamada Amaltéia, que o amamentava e lhe servia de distração — distração que também lhe era trazida por uma bola estriada de ouro, que o garoto recebera de presente de uma das ninfas, a qual ao subir e cair deixava no céu, como um fulgente meteoro, um belo rastro dourado.
Por fim, havia ainda uma águia encantada que todos os dias vinha de todas as partes do mundo contar novidades e instruir o jovem deus nas coisas da vida.
— Júpiter, grande deus — disse-lhe um dia a águia, quando o garoto já estava crescido -, já é hora de saber sobre o terrível perigo que você corre.
A ave, então, narrou ao deus todo o drama que dera origem à sua existência.
— Vai e liberta os seus irmãos da negra prisão em que estão metidos, para que você possa assumir o lugar de seu pérfido pai no comando do mundo — disse a águia, estendendo as longas asas, para enfatizar suas palavras.
Júpiter, que era um rapaz extraordinariamente forte e corajoso, acatou imediatamente a sugestão da sua fiel conselheira; auxiliado pela filha do titã Oceano, a suave Métis, tomou posse, então, de uma poderosa erva mágica.
— Faça com que seu perverso pai beba desta poção e num instante verá regurgitados todos os seus aprisionados irmãos — disse-lhe a bela oceânide.
Júpiter conseguiu disfarçar-se de escanção de Saturno, oficial que deveria servi-lo, e ofereceu-lhe a atraente beberagem numa taça de ouro.
— Que espécie de néctar é este, que tem o brilho de todas as cores e se perfuma de todos os odores? — perguntou Saturno, arregalando o olho para dentro da taça.
— Um néctar como nunca experimentou igual! — asseverou Júpiter, desviando ao mesmo tempo o olhar da carranca severa do pai.
Saturno, após infinitos vacilos, finalmente emborcou o conteúdo da taça. A princípio estalou os beiços, achando maravilhosa a poção. Durou pouco, entretanto, o prazer, pois logo em seguida o velho começou a passar muito mal.
— Mas o que é isto? — exclamou Saturno, fazendo-se todo branco. — Sinto náuseas fortíssimas!
Dali a instantes Saturno começou a regurgitar, um por um, cada um dos filhos que havia ingerido. Pobre deus! Como já fazia muito tempo que os engolira, agora se via obrigado a restituí-
los completamente adultos. A incrédula Cibele, que estava junto do esposo, ia recebendo cada um dos filhos com a face lavada pranto:
— Oh, Juno querida… Vesta amada… Adorada Ceres… Netuno, meu anjo! Plutão, meu amor…
Com o retorno de seus irmãos, Júpiter havia dado o primeiro e irredutível passo para retirar o poder supremo do mundo das mãos de seu pérfido pai.
— Exijo, Saturno cruel, que me ceda agora o cetro do mundo! — exclamou Júpiter, com altivez e confiança.
— Como ousa levantar mão ímpia contra mim, o soberano do mundo? -exclamou Saturno, repetindo ao filho algo que lhe soava estranhamente familiar.
Pressentindo, no entanto, o perigo, Saturno tratou logo de ir procurar seus antigos irmãos e aliados — os velhos, porém ainda fortíssimos, Titãs.
— Mas isto é o fim dos tempos! — acrescentou, criando uma frase que as gerações futuras repetiriam sempre que uma civilização entrasse em decadência.
A Guerra dos Titãs apenas começava a ser esboçada.
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