Jasão, o célebre herói grego, havia sido criado longe de casa pelo centauro Quíron.
Enquanto completava sua educação, seu tio Pélias assumira o seu lugar no trono da Tessália.
Tendo retornado, já adulto, para assumir a sua condição de rei, foi induzido pelo perverso tio a empreender uma temerária expedição em busca do Velocino de Ouro — uma célebre relíquia que estava guardada no distante reino da Cólquida.
Tão logo tomou essa decisão, Jasão cercou-se de alguns dos mais valorosos heróis de seu tempo, tais como Hércules, Teseu, os irmãos Castor e Pólux, Meleagro e muitos outros. O
construtor do navio foi Argos, razão pela qual o navio foi batizado de Argo, e os seus tripulantes passaram a ser conhecidos por argonautas. O Argo era uma grande embarcação dotada de velas, tendo ao centro um mastro feito com um carvalho profético da floresta sagrada de Dodona, que predizia os bons ou os maus ventos aos navegantes. Embora tivesse um sistema de mastreação, o navio também previa lugares para remadores, para as ocasiões em que faltassem os ventos.
A construção do Argo, acompanhada de perto por Minerva, concluiu-se, afinal, e os seus tripulantes embarcaram, prontos para seguir viagem. Mas, no momento da partida, o navio recusava-se a sair do lugar. Foi necessário que Orfeu, um dos tripulantes, tocasse sua lira.
Durante alguns minutos ouviram-se somente os sons maravilhosos da música misturados ao marulhar das ondas, até que finalmente o Argo, por si só, fez-se ao mar, sob os gritos de contentamento de toda a tripulação e da população que se despedia dos heróis.
Durante vários dias navegaram eles pelos mares da Grécia, até chegar à ilha de Lemnos, onde pararam para descansar e reabastecer-se de víveres.
— Veja! — disse Tífis, o experiente piloto do Argo, a Jasão, que chefiava a expedição. —
Há algumas mulheres ali para nos recepcionar.
De fato, a ilha estava repleta de mulheres, que se aproximaram alegremente do Argo, cobrindo os visitantes com flores e coroas de louros. Seus trajes eram curtos, e elas eram também bastante atraentes. Porém, estranhamente, não se via nenhum homem entre elas.
— Onde estão os homens deste lugar? — inquiriu Jasão àquela que parecia a líder do grupo.
— Estão todos descansando — respondeu a estranha mulher.
Os tripulantes do Argo já haviam quase todos desembarcado. Cada uma das mulheres se apoderara de um deles, de tal modo que só havia casais passeando por toda a ilha, o que desagradou um pouco a Jasão:
— Viemos aqui para um piquenique? — disse ele a Tífis, que, entretanto, também já estava de olho numa das belas mulheres.
Jasão, desvencilhando-se delas, foi conhecer melhor a ilha. Andou sozinho por tudo, até que descobriu o cemitério. Ali estavam os túmulos de centenas de homens, todos mortos mais ou menos à mesma época.
— Gosta de túmulos, senhor navegante? — indagou uma voz feminina às suas costas.
Jasão voltou-se para trás, surpreso com a presença inesperada.
— Parece que é este o lugar onde estão descansando todos os homens da ilha — disse Jasão, num tom irônico.
A mulher — a mesma que o recebera no desembarque — sorriu discretamente. Diferente de antes, tinha agora apenas um fino véu a cobrir a parte inferior da sua cintura.
— Aqui eles não nos causam mais problemas — disse, erguendo os braços e fingindo que se espreguiçava.
— Diga, afinal, o que está acontecendo por aqui — ordenou Jasão, agarrando-a pelos ombros.
— Ui… Não se zangue, estrangeiro… — disse a mulher, passando de leve o belo nariz aquilino sobre o peito robusto de Jasão.
— Deixe de asneiras e diga o que foi feito dos homens — ordenou novamente Jasão, sacudindo-a com força.
Apesar do vigor do chefe dos argonautas, a mulher conseguiu se desvencilhar.
— Quer saber? Pois bem, nós os matamos!
— Mataram… todos?
— Naturalmente! Eles nos traíam o tempo todo, e este foi o castigo — disse a mulher apontando para os túmulos, alegre e desafiadora.
Em breves palavras ela descreveu, então, as humilhações que tiveram de suportar de seus maridos. Não havia um único dia em que não tivessem notícia da traição de algum deles.
Finalmente, revoltadas, decidiram pôr um fim em tudo, matando-os. E assim fizeram. No dia seguinte, não havia mais um único homem vivo em toda a ilha.
— Vênus, no entanto, irou-se conosco — continuou a mulher — e nos inspirou um ardente desejo por novas núpcias. Desde então, vivemos na ânsia de contrair novo casamento, o que, no entanto, jamais se realiza.
— Por que não?
— Bem, não possuímos um navio enorme como o seu, nem saberíamos fabricar outro parecido, para partir em busca de novos maridos — disse ela, aproximando-se com seu passo felino e sensual.
Jasão, por alguns instantes, aceitou as carícias; porém, lembrando da sua missão, repeliu outra vez a estranha para longe. Com uma gargalhada divertida, ela rodopiou, fazendo uma volta inteira sobre si mesma, enquanto erguia com as mãos os belos cabelos negros, recolhendo-os acima da cabeça. Seu rosto oval ficava, assim, inteiramente livre, mostrando o traçado perfeito de suas feições, sem nada em torno para ofuscar o brilho intenso do seu olhar. Era uma visão positivamente tentadora para um homem da juventude e da virilidade de Jasão, que há várias semanas não via senão água e homens ao seu redor.
Mas ele soube resistir aos seus impulsos, pedindo mentalmente o auxílio de sua adorada Juno. Dando as costas à nativa da ilha, retornava já para o Argo quando sentiu que a sedenta mulher agarrava-se às suas costas, como uma onça, e cravava os dentes em seu ombro. Com um safanão, Jasão lançou-a ao solo. A mulher rolou pelo chão, com várias folhas secas coladas à pele.
Jasão retornou ao navio. Ao chegar lá, porém, não encontrou ninguém. Furioso com o desleixo, saiu em busca do piloto e dos demais tripulantes.
Aos poucos foi encontrando um a um — ou antes, dois a dois, pois cada qual estava entregue aos braços de uma mulher, fazendo o que ele, Jasão, deixara de fazer. Por alguns momentos teve o desejo de retornar e completar o que deixara pela metade, mas outra vez o senso do dever o obrigou a refrear seus instintos. De maneira rude pôs fim à folgança de seus tripulantes, separando um a um os amantes, o que pôs à prova pela primeira vez a força do seu braço. De fato, separar os casais revelou-se a tarefa mais difícil de quantas tivera posteriormente de enfrentar; mas, pouco a pouco, conseguiu reunir novamente todos os seus homens e levá-los de volta ao Argo.
Sob o pretexto de uma grave comunicação que tinha para lhes fazer, Jasão reuniu todos no convés do Argo. As mulheres, em terra, acenavam freneticamente, chamando de volta os homens, de forma que os argonautas passaram por uma prova semelhante à de Ulisses, diante do canto tentador das sereias.
Enquanto os tripulantes aguardavam o começo da preleção, Jasão se afastou e cortou discretamente as amarras que prendiam o navio à terra, fazendo com que ele navegasse velozmente para longe da perigosa ilha. Um desconhecido marinheiro, porém, pulou pela amurada afora e foi reunir-se às mulheres, em terra. Depois de um tempo, elas acabaram por descobrir que ele as traía, desrespeitando o rodízio estabelecido por aquelas ardentes e insaciáveis mulheres, e terminaram por matá-lo e acrescentar uma lápide a mais no cemitério.
Enquanto isso, Jasão conduzia o Argo em direção ao Velocino de Ouro.
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