Faetonte – Mitologia Grega

O filho do sol

Erecteu era filho de Atena, por procuração; Gaia e Hefesto eram seus pais biológicos. Três genitores imortais podia ser considerado um exagero (e bravata dos atenienses quanto ao seu fundador), mas não era raro os mortais alegarem tais progenitores. A história do corajoso, mas imprudente, FAETONTE, assim como o mito de Perséfone, explicam como se deram determinadas mudanças na geografia do mundo, além de oferecer um exemplo bem literal de uma advertência muito presente no mito grego – de como o orgulho vem antes da queda.

Os genitores de Faetonte eram divinos, mas ele foi criado pelo padrasto, MEROPS, um homem mortal sem importância. Sempre que Merops viajava, a mãe de Faetonte, CLÍMENE, que pode ou não ter sido imortal, encantava o garoto com histórias de seu divino pai, o glorioso sol Apolo Febo.

Ao atingir idade suficiente, Faetonte foi mandado para a escola com outros meninos mortais, alguns dos quais eram inteiramente humanos e outros que, como ele, podiam alegar ancestralidade divina, por um lado ou pelo outro. Um desses era Épafo, filho de Zeus e Io. Com pais tão ilustres, Épafo sentia-se no direito de mandar em seus colegas. Faetonte, que era um jovem orgulhoso e apaixonado, odiava ser mandado por Épafo e vivia irritado pela arrogância e pelo ar de superioridade do outro.

Épafo era insuportável. Sempre blasé com relação à sua origem social, dizia coisas do tipo:

— No próximo fim de semana, o papai, Zeus (você sabe), me convidou para ir jantar no Olimpo. Ele disse que vai me deixar sentar no trono dele, talvez tomar um ou dois goles de néctar. Já tomei antes, é claro. Seremos apenas alguns poucos. O tio Ares, minha meia-irmã Atena, algumas ninfas, talvez, para arredondar o número. Vai ser divertido.

Faetonte voltava para casa furioso, depois de ter de ouvir essas citações displicentes.

— Como é que — ele se queixava com a mãe — Épafo vê o pai dele todos os fins de semana e eu nem conheci o meu?

Clímene dava um abraço apertado no filho e tentava explicar.

— Apolo é tão ocupado, querido… Todos os dias, ele tem de atravessar o céu inteiro conduzindo sua carruagem. E, depois de terminado o serviço, precisa cuidar de santuários em Delos, em Delfos e sei lá onde mais. Profecias, música, arco e flecha… Ele é o mais ocupado de todos os deuses. Mas tenho certeza de que virá nos visitar em breve. Quando você nasceu, ele deixou isso aqui para você. Eu ia esperar para lhe dar quando você fosse um pouco mais velho, mas você já pode ficar com ela agora…

Clímene foi até um armário, pegou uma flauta dourada, esquisita, e entregou a ele. O menino imediatamente a levou à boca e soprou, produzindo um chiado ofegante, longe de musical.

— O que ela faz?

— Faz? O que você quer dizer, querido?

— Zeus deu a Épafo um chicote de couro mágico que faz com que os cães obedeçam a todos os comandos dele. O que isso aqui faz?

— É uma flauta, meu amor. Faz música. Música linda, encantadora.

— Como?

— Bem, você vai aprender como formar as notas e depois você… bem, você vai tocá-la.

— E onde está a mágica nisso?

— Você nunca ouviu música de flauta? É o som mais mágico que existe. Mas é preciso praticar muito.

Faetonte jogou o instrumento de lado, desgostoso, e correu para o quarto, onde ficou emburrado o resto do dia e da noite.

Cerca de uma semana mais tarde, no último dia do período antes das longas férias de verão, ele se viu abordado pelo irritante e condescendente Épafo.

— Oi, Faetonte — disse ele com voz mole. — Queria saber se você gostaria de vir comigo para a vila da família no litoral do Norte da África na semana que vem? Grupo pequeno. Só o papai, talvez Hermes, Deméter e alguns faunos. Saímos amanhã. Pode ser divertido. O que você diz?

— Ah, que pena — exclamou Faetonte. — Meu pai, Apolo Febo, você sabe, me convidou para… dirigir com ele a carruagem do sol, na semana que vem. Não posso decepcioná-lo.

— Como é que é?

— É, eu não contei? Ele vive me convidando para ajudar a tirar o peso de seus ombros, dirigir o sol um pouco para ele.

— Você está dizendo a sério que… Mentira. Caras, vocês têm de vir aqui ouvir isso! — Épafo chamou os outros meninos para onde ele e Faetonte estavam, um encarando o outro. — Conte para eles — exigiu.

Faetonte agora foi pego na mentira. Orgulho, fúria e frustração o fizeram ir em frente. Imaginem se ele ia recuar e deixar aquele esnobe insuportável ganhar o dia.

— Na verdade, não é nada — disse ele. — É só que o meu pai, Apolo, está insistindo para que eu aprenda a dirigir os cavalos do sol. Só isso.

Os outros meninos, liderados pelo sarcástico Épafo, demonstraram descrença e escárnio com vaias.

— Todos nós sabemos que seu pai é aquele chato do Merops! — provocou um deles.

— Ele é só meu padrasto! — gritou Faetonte. — Meu pai verdadeiro é Apolo. É, sim! Vocês vão ver. Esperem só e verão. Vai demorar um pouco até chegar ao palácio dele, mas um dia, muito em breve, olhem para o céu. Eu vou acenar para vocês. Serei eu dirigindo o dia. Vocês vão ver!

E ele correu para casa, seguido por gritos e vaias e o riso zombeteiro de seus colegas de colégio ressoando em seus ouvidos. Um dos meninos, seu amigo e namorado, CYGNUS correu atrás dele.

— Ah, Faetonte — exclamou Cygnus —, o que você falou? Não pode ser verdade. Você já se queixou comigo tantas vezes de que nem sequer conhece seu verdadeiro pai. Volte e diga para eles que você estava brincando.

— Deixe-me em paz, Cygnus — disse Faetonte, empurrando-o. — Vou até o Palácio do Sol. É o único jeito de calar aquele porco do Épafo. Quando você me vir outra vez, todo mundo vai me respeitar e me reconhecer por aquilo que realmente sou.

— Mas eu sei quem você é — disse o infeliz Cygnus. — Você é Faetonte e eu o amo.

Pai e sol

Nada que Cygnus dizia conseguia fazer com que Faetonte mudasse de ideia. Ele assistiu, agoniado, a Faetonte reunindo seus poucos pertences.

— Olhe para cima e você me verá — disse Faetonte, dando-lhe um beijo de despedida. — Vou acenar quando passar por aqui.

O Palácio do Sol ficava, é claro, a leste; na verdade, tão a leste quanto chegar à Índia. Não há consenso sobre como Faetonte chegou até lá. Já li que falcões mágicos do sol relataram a Apolo o lento esforço do garoto, viajando desde a terra firme da Grécia, através da Mesopotâmia e da terra que hoje chamamos de Irã, e que o deus instruiu que essas aves magníficas o erguessem e o trouxessem voando o resto do caminho.

Seja lá como Faetonte chegou, já era noite, e ele foi imediatamente chamado até a sala do trono do palácio, onde Apolo estava sentado sob uma luz fraca, trajando um manto púrpura que brilhava com o ouro, a prata e as pedras preciosas que decoravam a sala. Só o trono em que ele estava sentado tinha mais de dez mil rubis e esmeraldas encravados. O jovem caiu de joelhos, dominado pela magnificência do palácio, pelo deslumbramento das pedrarias e, acima de tudo, pela glória radiante de seu pai, o deus.

— Então, você é o garoto da Clímene, não é? Levante-se, deixe-me dar uma olhada em você. Sim, dá para ver que você pode ser fruto da minha semente. Tem o molde do semblante, a coloração… Disseram-me que você percorreu um longo trajeto para chegar até aqui. Por quê?

A pergunta era direta, e Faetonte se viu um tanto atrapalhado. Conseguiu gaguejar algumas palavras a respeito de Épafo e “os outros meninos”, e estava dolorosamente consciente de parecer mais um garoto mimado do que o filho altivo de um olímpico.

— Sim, claro. Muito maus, muito desrespeitosos. E onde é que eu entro?

— Durante toda a minha vida — disse Faetonte, ardendo com o amor-próprio e o ressentimento em combustão lenta dentro dele há tanto tempo —, durante toda a minha vida, minha mãe me falou do grande e glorioso Apolo, o deus dourado, meu pai perfeito e brilhante. M-m-mas você nunca nos visitou! Você nunca nos convidou para lugar algum. Você sequer me reconheceu.

— Bem, é, desculpe. Fui remisso. Tenho sido um pai horrível, gostaria de poder compensar isso — Apolo pronunciou as palavras que pais ausentes pronunciam em toda parte e todos os dias, mas sua mente estava, na verdade, nos cavalos, na música, na bebida… em qualquer coisa menos naquela criança chata, emburrada e queixosa.

— Se você pelo menos me concedesse um desejo. Um desejo, apenas isso.

— Claro, claro. Diga qual é.

— De verdade? Mesmo? — É claro.

— Você jura que concede?

— Juro — confirmou Apolo, se divertindo com a extrema seriedade do garoto. — Juro pela minha lira. Juro pelas frias águas que fluem do próprio Estige. Diga.

— Quero conduzir seus cavalos.

— Meus cavalos? — repetiu Apolo, sem entender bem. — Conduzi-los? O que você quer dizer?

— Quero dirigir a carruagem do sol pelo céu. Amanhã.

— Ah, não — falou Apolo, com um sorriso se espalhando pelo rosto. — Não, não, não! Não seja tolo. Ninguém pode fazer isso.

— Você prometeu!

— Faetonte, Faetonte. É um ato de coragem, e é esplêndido até sonhar em fazer uma coisa dessa. Mas ninguém, ninguém conduz esses animais, exceto eu.

— Você jurou por Estige!

— O próprio Zeus não conseguiria controlá-los! São os garanhões mais selvagens, mais teimosos e intratáveis que já nasceram. Atendem ao meu toque, e só ao meu. Não, não. Você não pode pedir uma coisa dessa.

— Mas eu pedi. E você jurou!

— Faetonte! — Os outros onze deuses teriam ficado pasmos ao ouvir um tom tão implorativo, desesperado, na voz de Apolo. — Eu imploro! Qualquer outra coisa. Ouro, comida, poder, conhecimento, amor… É só dizer e será perpetuamente seu. Mas isso, não. Isso, nunca.

— Eu pedi e você jurou — respondeu o jovem teimoso.

Apolo baixou sua cabeça dourada e, por dentro, disse um palavrão.

Ah, esses deuses com sua línguas rápidas. Ah, esses mortais e seus sonhos loucos. Será que não vão aprender nunca?

— Certo. Vamos conhecê-los, então. Mas saiba de uma coisa — Apolo disse enquanto se aproximavam das cocheiras e o cheiro de cavalos ficava mais forte e pungente nas narinas de Faetonte. — Você pode mudar de ideia a qualquer momento. Não vou pensar mal de você. Francamente, vou até admirar.

Com a aproximação do deus, os quatro garanhões, com crinas brancas e douradas, batiam os cascos e se mexiam em suas baias.

— Ei, Pyrois! Oa, Phlegon! Silêncio agora, Aeos! Quieto, Aethon! — Apolo chamou um de cada vez. — Tudo bem, avance, garoto, deixe que eles o conheçam.

Faetonte jamais vira cavalos tão lindos. Os olhos deles tinham um brilho dourado e os cascos tiravam faíscas das lajes. Cheio de assombro, sentiu, no entanto, uma repentina pontada de medo, que tentou descartar como sendo ansiedade com a antecipação.

Alinhada na frente dos portões maciços da madrugada, estava uma quadriga dourada, a grande carruagem à qual os quatro garanhões logo seriam atrelados. Uma discreta figura feminina num manto cor de açafrão passou apressada. Faetonte sentiu, vinda dela, uma fragrância que não conseguiu identificar, mas que o fez ficar tonto de deleite.

— Era Eos — disse Apolo. — Logo, estará na hora de ela abrir os portões.

Faetonte já tinha ouvido falar de Eos, a deusa do alvorecer. Ela era chamada rhododaktylos – “a de dedos róseos” – e admirada por toda parte por sua doçura e beleza suave.

Enquanto ajudava o pai a levar os garanhões para a posição à frente da carruagem, Faetonte, de repente, se sentiu empurrado para o lado.

— O que esse mortal está fazendo aqui?

Uma figura imensa, vestida numa armadura brilhante de couro amarelado, tinha pegado as rédeas dos quatro cavalos de uma só vez e os estava conduzindo para a frente.

— Ah, Hélio, eis você aí — disse Apolo. — Este é Faetonte. Meu filho Faetonte.

— E daí?

Faetonte sabia que Hélio era irmão de Eos e da deusa da lua, Selene, e ajudava Apolo em suas obrigações diárias com a carruagem. Apolo parecia ligeiramente sem jeito na presença do Titã.

— Bem, a questão é que Faetonte vai dirigir a carruagem hoje.

— Como é que é?

— Bem, ele pode ir aprendendo agora, não acha?

— Você está brincando?

— Eu meio que prometi.

— Bem, então, meio que desprometa.

— Hélio, não posso. Você sabe que não posso.

Hélio bateu os pés e deu um rugido que fez os cavalos recuarem e relincharem.

— Você nunca deixou que eu dirigisse, Apolo! Nunca. Quantas vezes eu pedi e quantas vezes você me disse que não estou pronto? E agora você deixa esse… esse pirralho pegar as rédeas?

— Hélio, você vai fazer como mandei — disse Apolo. — Eu falei, então… está falado.

Apolo pegou os quatro tirantes de couro da mão de Hélio e ergueu Faetonte para o assento da carruagem. Hélio deu uma gargalhada ao ver o garoto escorregar para a frente e para trás.

— Ele rola nela como um grão de ervilha! — disse ele, com uma risada num tom surpreendentemente agudo.

— Ele vai ficar bem. Agora, Faetonte. Essas rédeas são suas linhas de comunicação com os cavalos. Eles conhecem o caminho, percorrem esse trajeto todos os dias, mas você tem de mostrar que você é quem manda, entendeu?

Faetonte acenou a cabeça avidamente.

Algo de seu excitamento nervoso e da fúria de Hélio pareceu ter sido transmitido aos cavalos, que empinaram e bufaram impacientemente.

— O mais importante — continuou Apolo — é não voar nem muito alto, nem muito baixo. Um curso médio entre o céu e a terra, certo?

Faetonte acenou mais uma vez com a cabeça.

— Ah, e eu quase esqueci. Estenda as mãos… — Apolo pegou um pote e derramou óleo nas palmas estendidas de Faetonte. — Espalhe isso pelo corpo todo. Vai protegê-lo do calor e da luz gerados pelos garanhões ao galoparem pelo ar. A terra embaixo será aquecida e iluminada à medida que você passa, de modo que mantenha linhas retas para o oeste, na direção do Jardim das Hespérides. É uma viagem de doze horas. Fique calmo. Lembre-se: os cavalos sabem. Chame-os pelo nome, Aeos e Aethon, Pyrois e Phlegon.

À medida que Apolo dizia os nomes, eles empinavam as orelhas.

— Mas ainda não é tarde demais, menino. Você os viu, você os manipulou, eu dou esculturas de ouro deles, elaboradas por Hefesto, para você levar para casa. Isso deverá satisfazer seus amigos da escola.

Outro riso agudo de Hélio mandou um rubor para as faces de Faetonte.

— Não — disse ele, firmemente. — Você fez uma promessa e eu também.

Alvorada

Enquanto Faetonte falava, Eos se adiantou numa reluzente nuvem de pérola e rosa. Inclinou-se sorridente para Apolo e Hélio, lançou uma indagação intrigada na direção de Faetonte na carruagem e tomou posição nos portões da madrugada.

Para um viajante que vá para leste e para cima, nas nuvens onde o Palácio do Sol estava escondido, o primeiro sinal de que Eos estava trabalhando aparecia sempre sob a forma de um rubor coral difundido pelo céu. À medida que ela ia abrindo os portões, esse cor-de-rosa suave se afirmava num lampejo de ouro, que crescia cada vez mais brilhante e mais ardente.

Para Faetonte, dentro do palácio, o efeito era o contrário: as portas se abriam para revelar o mundo escuro do outro lado, iluminado apenas por um lampejo prateado da irmã de Eos e Hélio, a deusa da lua, Selene, que chegava ao fim de seu curso noturno. À medida que Eos abria mais ainda os portões, Faetonte via luz cor-de-rosa e dourada se irradiar para fora, abafando a escuridão da noite. Como se fosse um sinal, os quatro cavalos empinaram as orelhas, estremeceram e recuaram. Faetonte foi jogado para trás e a carruagem embaixo dele começou a rodar para a frente.

— Lembre-se, menino — gritou Apolo. — Não fique em pânico. Mão firme. Não agarre as rédeas. Apenas mostre para os cavalos que você está no controle. Tudo vai dar certo.

— Afinal de contas — exclamou Hélio, quando a carruagem começou a sair do solo —, o que pode dar errado? — Seus guinchos de riso em falsete atingiram Faetonte como um chicote.

Trocando de ponto de vista outra vez, para o viajante que esteja olhando para leste a partir da estrada abaixo, o lampejo dourado virou uma grande bola de fogo cada vez mais difícil de olhar sem se apertar os olhos. O rápido rubor da madrugada terminou e o dia começou.

A viagem

Os cavalos de Apolo avançaram para cima, batendo o ar com as patas. Tudo bem. Eles sabiam o que estavam fazendo. Alcançaram determinada altura, nivelaram e arremeteram para a frente. Isso era fácil.

Faetonte se ergueu, com cuidado para não forçar os tirantes, e olhou em torno. Ele conseguia ver a curva que marcava a separação entre o céu azul e a escuridão cheia de estrelas. Dava para ver o efeito da luz que saía da carruagem. Ele estava magicamente insulado, de algum modo protegido contra o seu calor e clarão, mas, com a aproximação deles, grandes nuvens se derretiam e se transformavam em vapor. Olhou para baixo e viu as longas sombras das montanhas e árvores se contraírem com o seu avanço. Viu o mar enrugado mandar de volta milhões de cintilações de luz, e o brilho do orvalho subir em um nevoeiro tremulante ao se aproximarem da costa da África. Em algum lugar ali, bem a leste do Nilo, Épafo estaria de férias na praia. Ah, seria o maior triunfo de todos os tempos!

Quando o litoral girou, mais claramente à vista, Faetonte puxou as rédeas, tentando fazer com que Aeos, o cavalo-guia à sua esquerda, se voltasse para baixo. Aeos talvez estivesse pensando em outras coisas, uma palha dourada ou éguas bonitas, certamente não podia imaginar um puxão que o tirasse do curso. Em pânico, ele recuou e mergulhou, puxando junto os outros cavalos. A carruagem virou no ar e despencou diretamente para a terra. Em vão, Faetonte puxou as rédeas que, não sabia como, tinham se emaranhado em suas mãos. A terra verde gritou em sua direção e ele viu sua morte certa. Deu um último puxão desesperado nas rédeas e, no último minuto – ou em resposta ao puxão, ou como um movimento instintivo para se salvar –, os quatro garanhões fizeram uma curva para cima e galoparam cegamente para o norte. Mas não antes de Faetonte ver, com terror e consternação, que o calor terrível da carruagem de fogo tinha incendiado a terra.

Enquanto eles voavam em frente, uma feroz cortina de chamas varreu a terra abaixo, queimando e torrando tudo e todos sobre ela. A faixa toda abaixo da costa norte da África foi arrasada. Até hoje, a maior parte daquela terra é um grande deserto árido que nós chamamos de Saara, mas que para os gregos é A Terra que Faetonte Queimou.

Ele agora estava terrivelmente fora de controle. Os cavalos tinham certeza de que a conhecida mão firme de Apolo não estava lá para guiá-los. Teria sido uma alegria selvagem pela liberdade ou o pânico pela falta de controle o que enlouqueceu os quatro? Depois de mergulhar o suficiente para fazer com que a terra pegasse fogo, eles saltaram tão longe na direção da curva púrpura que separava o céu das estrelas que o mundo embaixo esfriou e escureceu. O próprio mar congelou e a terra se transformou em gelo.

Debatendo-se, balançando, arremessando e disparando em frente, sem qualquer controle ou senso de direção, a carruagem pulava e se virava no ar como uma folha numa tempestade. Lá embaixo, as pessoas da terra olhavam para cima com espanto e alarme. Faetonte gritava com os cavalos, implorava, ameaçava, sacudia as rédeas… mas tudo em vão.

A queda

No Olimpo, as notícias da devastação causada na superfície da terra chegaram ao conhecimento dos deuses e, por fim, aos ouvidos do próprio Zeus.

— Olhe o que está acontecendo — exclamou Deméter, perturbada. — As colheitas estão sendo queimadas pelo sol ou congeladas. É um desastre.

— As pessoas estão com medo — disse Atena. — Por favor, pai. Algo tem de ser feito.

Com um suspiro, Zeus pegou um raio. Viu onde a carruagem do sol estava mergulhando, num tombo maluco, sobre a Itália.

O raio, como todos os raios de Zeus, atingiu o alvo. Faetonte foi explodido para fora da carruagem e despencou em chamas sobre a terra, onde caiu, com um assobio e um chiado, como um foguete apagado nas águas do rio Erídano.

Os grandes corcéis do sol se apaziguaram com a ausência dos gritos de pânico e os violentos puxões do garoto em seus tirantes e, por fim, se estabeleceram na altitude e no curso adequados, instintivamente se dirigindo para a terra das Hespérides no oeste longínquo.

Apolo Febo não era um pai bom nem afetuoso, mas a morte de seu filho o atingiu com força. Ele jurou nunca mais dirigir a carruagem do sol, passando a obrigação para Hélio que, grato e entusiasmado, daí por diante, se tornou para sempre o único cocheiro do sol.

Cygnus, o amoroso amigo de Faetonte, foi até o rio Erídano, em cujas águas tinha mergulhado o pobre Faetonte morto. Sentou-se na margem, lamentando a perda de seu namorado num choro tão sentido que Apolo, perturbado, o fez ficar mudo e, finalmente, sentindo pena e remorso do sofrimento incessante mas agora silencioso e inconsolável, o transformou num lindo cisne. Essa espécie, o cisne branco, se tornou sagrada para Apolo. Como lembrança da morte do amado Faetonte, a ave fica em silêncio durante a vida inteira até o momento exato de sua morte, quando canta, com terrível melancolia, seu estranho e adorável adeus, seu canto do cisne. Em honra a Cygnus, o nome científico da espécie é Cygnus olor.

E Épafo? Será que olhou para cima e viu Faetonte lá no alto, acima dele, dirigindo a grande carruagem, ou estava muito ocupado comendo tâmaras e flertando com as ninfas a bordo do navio que o levava com seus amigos para a praia de férias no Norte da África? Gostaríamos de pensar que ele olhou para cima e que o clarão da carruagem o cegou, uma punição adequada por seus escárnios cruéis. Na verdade, Épafo acabou se tornando um grande patriarca. Ele se casou com a filha de Nilo, MÊNFIS, com cujo nome ele batizou a cidade que fundou. Tiveram uma fila, LÍBIA, e sua linhagem, que incluía seu neto EGITO, continuou reinando sobre o Egito durante gerações.

O próprio Faetonte acabou sendo posto entre as estrelas na constelação chamada Auriga, o Cocheiro. Os franceses batizaram uma carruagem esportiva de corrida, leve, perigosa, de phaéton em sua homenagem. Era o transporte preferido de jovens desmiolados no final do século XVIII e início do XIX que, inadvertidamente repetindo o mito de Faetonte em sua impetuosidade juvenil, com bastante frequência viravam suas carruagens, para fúria de seus pais sofredores.

Uma classicista e professora norte-americana, Edith Hamilton, ofereceu este epitáfio a Faetonte:

Aqui jaz Faetonte, que, na carruagem do deus sol, viajou.

Embora tenha fracassado enormemente, mais enormemente ele ousou.