Laio, rei de Tebas, tinha o ar preocupado quando se apresentou no templo de Apolo.
Apesar de ter sido coroado há tempos, ainda não tinha filhos — e um rei sem filhos que o sucedam, segundo ele, não tinha valia.
— Apolo, conceda-me a graça de um filho! — pediu Laio.
O deus solar, no entanto, deu uma resposta bem diversa da que esperava o rei:
— Laio, pense duas vezes antes de desejar este filho, pois ele o levará à morte e será também a ruína de sua família.
Quando Laio chegou em casa, porém, sua esposa, Jocasta, o esperava, de braços abertos.
— Laio querido, teremos, enfim, nosso filho! — disse ela, com o rosto radiante. O rei não se mostrou nem um pouco feliz com a notícia.
— O que foi, não era isto que você tanto queria? — perguntou Jocasta, surpresa. Laio resolveu, então, revelar à rainha a sombria profecia que escutara no templo de Apolo.
— Não podemos ficar com esta criança, Jocasta, ela será a nossa desgraça! — disse ele, após enfrentar a resistência inicial da esposa.
O rei argumentou com tanta insistência, mostrando todas as desgraças que poderiam sobrevir ao futuro deles e de seu reino, que Jocasta acabou concordando com a idéia de não criar a criança, desde que não matassem o bebê.
— Faremos, então, o seguinte — disse Laio -, entregarei o menino a um casal de pastores para que o criem bem afastado de nós.
A rainha, apesar de triste por ter de se separar de seu filho, concordou. Pelo menos ele teria o direito de viver e de ser feliz.
Laio, entretanto, havia decidido secretamente dar um fim no seu filho, pois temia que as profecias, de um jeito ou de outro, se concretizassem. No dia do nascimento de seu filho único e primogênito, levou-o, então, a um pastor, dizendo:
— Leve-o até um bosque abandonado e o deixe lá, ao cuidado das feras. O pastor, contudo, penalizado, preferiu dar uma chance à criança, pendurando-a pelos pés no galho de uma árvore; assim, teria ao menos uma oportunidade de que uma alma bondosa a visse e decidisse levá-la consigo.
Um camponês chamado Forbas passava por ali, quando foi atraído pelo choro da infeliz criança. Tomando-a em seus braços, levou-a para casa, onde sua mulher o aguardava para a janta.
— Fiquemos com ela! — propôs a mulher, que não conseguira ter filhos e vira nisto uma bênção dos deuses.
O casal adotou, então, o garoto, que passou a se chamar Édipo — que significa “pés distendidos”. O menino cresceu, robusto e saudável, mas sem saber de sua verdadeira situação de filho adotivo. Um dia, durante uma desavença com um colega, este lhe disse, com a voz carregada de maldade:
— Cale a boca, seu enjeitado…
Pulando ao pescoço do outro, Édipo quis saber por que razão ele dizia àquilo.
O rapaz confessou, então, que sua mãe contara-lhe que Édipo, na verdade, fora recolhido na floresta e que não era filho natural de Forbas e de sua esposa. Édipo, revoltado, largou tudo no mesmo dia e partiu para Delfos: estava decidido a descobrir de quem era filho. Para tanto, decidiu consultar o famoso oráculo daquela cidade, a fim de que este lhe revelasse algo sobre o seu obscuro passado.
— Não insista em querer saber mais nada! — disse o deus Apolo através do oráculo. —
Se você se aproximar de seus verdadeiros pais, levará a eles somente desgraça.
Édipo, sem conseguir descobrir mais nada, retomou seu caminho, já conformado com o seu destino. Porém, quando ia em meio à estrada, foi quase atropelado por uma carruagem, dentro da qual seguia um homem. Esse homem, que se dirigia ao mesmo templo de onde Édipo retornava, era Laio, rei de Tebas e verdadeiro pai do filho adotivo de Forbas. O rei, alertado por alguns sonhos ruins que tivera recentemente, estava indo incógnito até o templo para saber se seu filho estava realmente morto.
— Saia da frente, idiota! — disse, ao ver que o rapaz lhe atrapalhava o caminho. A rude interpelação levou a uma disputa acirrada. Laio desceu do carro para expulsar o rapaz da estrada.
Após uma violenta discussão, deu uma bofetada na cara do rapaz, que puxou de um punhal e enterrou-o no peito de Laio. Percebendo a gravidade de seu ato, Édipo fugiu desesperado e vagou, tentando penitenciar-se. Enquanto isso, um terrível flagelo instalara-se num dos pontos principais da estrada que conduzia a Tebas. Uma esfinge — monstro metade leão e metade mulher — ficava à espreita de qualquer pessoa que passasse. Assim que o infeliz viajante cruzasse o seu caminho, a cabeça do monstro — uma cabeça de mulher -erguia-se sobre as patas e, após desferir um grande rugido, dizia:
— Ninguém passa sem antes decifrar meu enigma.
Todos os que não conseguiam decifrar o enigma eram inapelavelmente mortos e devorados pela sanguinária fera. De tal forma o terror se instalara em Tebas, que já ninguém mais ousava cruzar a estrada, no receio de ser morto pelo monstro. A rainha Jocasta, ao ver que não havia meios de expulsar a criatura, decidiu oferecer a própria mão em casamento àquele que derrotasse a esfinge.
Édipo leu o edital afixado em todas as partes da cidade e decidiu ele mesmo enfrentar a fera. “Não tenho nada a perder, mesmo”, pensou, movido mais pelo desespero do que pela coragem: já havia matado um homem e este seria. quem sabe, um meio de expiar sua culpa.
Apresentou-se, então, para decifrar o enigma. Diante do imenso corpo leonino da fera estavam espalhados os restos mutilados dos corpos de dezenas de aventureiros que haviam tentando o mesmo que ele. Por um instante Édipo vacilou. Não estaria cometendo a mesma insensatez que custara a vida de todos aqueles infelizes?
A esfinge, percebendo as vacilações do jovem, esticou os lábios vermelhos, ainda sujos de sangue.
“É um belo rosto”, pensou Édipo. “Talvez o verdadeiro mistério esteja em se decifrar o sentido deste sorriso enigmático, ao mesmo tempo belo e apavorante.”
Nem bem Édipo concluíra suas cogitações, quando a cabeça feminina olhou-o nos olhos e disse:
— Qual o animal que pela manhã anda com quatro pés, à tarde com dois e à noite com três?
Édipo, após pensar um pouco, respondeu:
— É o homem; na infância engatinha, na idade adulta anda ereto e na velhice apóia-se a um bastão.
O semblante da fera ensombreceu-se de tal maneira que Édipo julgou ter errado a resposta. Entretanto, a esfinge, com um grande grito de vergonha, lançou-se do alto do rochedo ao abismo, morrendo com o impacto da queda.
Tebas estava finalmente livre do monstro temível; a notícia correu por todo o reino, e Édipo foi levado em triunfo até o palácio onde morava a viúva de Laio.
— Muito bem, meu rapaz — disse Jocasta, ao receber o vencedor. — Você cumpriu a sua parte, livrando o país desse flagelo. Agora é a minha vez de cumprir a minha — completou, estendendo sua mão para o rapaz.
Édipo ainda não podia acreditar no que estava acontecendo. Ele era agora o novo rei de Tebas.
— Estou muito orgulhosa de ter ao lado um rei tão jovem e belo quanto você! — disse Jocasta, agradavelmente surpresa.
No mesmo dia casaram-se.
Mas com a ascensão de Édipo ao trono, começou para o reino uma época de terríveis desgraças. Calamidades de toda espécie alternavam-se: pestes, secas, inundações, fome, tudo juntava-se num torvelinho trágico, de tal forma que Édipo se viu obrigado a tomar sérias providências.
Após receber uma delegação do povo, o jovem rei decidiu enviar um emissário a Delfos para saber do deus Apolo por que Tebas era vítima de tantas desgraças.
“O fim da desgraça só chegará no dia em que o responsável pela morte de Laio for expulso de Tebas”, disse o oráculo.
Édipo imediatamente ordenou a toda a gente que não poupasse esforços para que o culpado fosse punido. Vários suspeitos foram presos, alguns mortos, mas nem assim as calamidades diminuíram. Pessoas continuavam a morrer como moscas pelos campos e até na própria cidade, levando a confusão e o desespero a todo o reino.
— Édipo querido — disse um dia Jocasta a seu esposo —, mande trazer até nós o famoso adivinho Tirésias. Ele saberá dizer como deveremos fazer para encontrar o assassino de Laio, pondo um fim a esse sofrimento atroz.
Emissários partiram em busca do mago, até que um dia ele surgiu diante de Édipo.
— Somente o senhor poderá nos dizer a causa de tantas desgraças — disse o rei ao sábio.
O mago, no entanto, parecia pouco à vontade. Com desculpas e evasivas, procurava por todos os meios esquivar-se a dar a resposta definitiva que tanto Édipo quanto Jocasta aguardavam ansiosamente.
Desconfiado de que essa revelação pudesse ter algo a ver consigo próprio, Édipo instou com maior vigor ao adivinho:
— Vamos, fale de uma vez, seja o que for.
Tirésias, vendo que não havia mais meios de fugir à verdade, ergueu então os olhos constrangidos e disse, lançando toda a verdade ao rosto do rei e da rainha:
— Você, rei Édipo, é o assassino de Laio, seu próprio pai…
Édipo e Jocasta, marido e mulher, mãe e filho, entreolharam-se, incrédulos.
— Não pode ser, não é verdade! — exclamou Jocasta, recuando com um grito de horror.
Imediatamente Édipo mandou chamar à sua presença Forbas, o pastor que o criara como filho. Este, de cabeça baixa, concordou, confirmando todas as palavras do adivinho.
— Você, o meu filho, o meu filho! — repetia Jocasta, como para entender o sentido dessas terríveis palavras.
E então, sem atinar com o que fazia, correu até o seu quarto, onde se trancou, totalmente surda às súplicas de Édipo:
— Jocasta, nós não tivemos culpa alguma, foi uma fatalidade do destino! -E repetia, transtornado: — Uma fatalidade do destino, nós não tivemos culpa alguma. — Mas Édipo, parricida e incestuoso, não acreditava no que dizia.
Vendo que ela não respondia, ele arrombou a sólida porta com o auxílio dos serviçais do palácio. Ao entrar no quarto, Édipo foi o primeiro a ver o corpo ia mãe a balançar-se, preso numa viga do teto. Num ato instintivo, pegou um dos colchetes de ouro que prendiam as vestes de Jocasta e furou ambos os olhos.
— Assim como não tive olhos para ver os crimes abomináveis que cometi, também não os terei para ver mais nada neste mundo! — disse o rei, de cujas órbitas dilaceradas escorriam listras vermelhas de sangue.
Os filhos homens de Édipo, Etéocles e Polinice, ao saberem da terrível revelação, decidiram dar cumprimento ao oráculo de Apolo, que dizia que as calamidades somente cessariam no dia em que o culpado pela morte de Laio fosse expulso do reino. Jogando um manto sobre os ombros do pai cego, levaram o ex-rei até os limites da cidade e ali o abandonaram à própria sorte. Entretanto, Antígona, uma das filhas de Édipo, foi atrás do pai, tentando demover seus pérfidos irmãos daquele ato de crueldade filial:
— Vocês não podem fazer isto com o nosso pai! — disse Antígona. — Isto seria repetir de maneira pior os crimes que ele cometeu, pois ele os cometeu de maneira involuntária.
— Cale-se! — disse um dos irmãos de Antígona. — O oráculo foi bem claro: ou este assassino incestuoso deixa nosso país ou nosso país será arrasado definitivamente !
O outro irmão também juntou a sua voz à do primeiro, ocultando a sua ganância por detrás da desculpa do bem comum.
— Muito bem, então irei com ele! — disse Antígona, enrolando um véu sobre a cabeça.
E assim seguiram — a filha amparando o pai, cego e consumido pelo remorso — por incontáveis estradas, até que um dia Édipo faleceu de desgosto, tendo como único consolo para sua dor a dedicação de Antígona, que surgira em meio a tantas desgraças como se fosse um presente dos deuses, envergonhados talvez de tê-lo perseguido com tanta crueldade desde o seu primeiro dia de vida.
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