A Verbomancia

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Num dos posts aleatórios do nosso amado Hiel, no grupo do Telegram do canal do Universo anthares (texto denominado “Rimas Bregas”, na íntegra ao final do post), fui surpreendido com o termo “verbomante”. Hoje, me senti compelido a pensar mais a respeito e o resultado está sendo este texto, enquanto reflito.

Primeiro, vou comentar o uso do Hiel.

Conta-se que, no século VII a.C., os espartanos teriam pedido a Atenas um general que lhes ensinasse estratégia. Os atenienses por irrisão, lhes teriam enviado o poeta Tirteu, um inválido. Este, compondo hinos guerreiros, teria inspirado bravura ao exército de Esparta. Eis abaixo o que diz Horácio em sua Arte Poética:

Tineu, com seus versos, estimulou para as guerras de Marte as alvas viris; os oráculos pronunciaram-se em versos e foi mostrado assim o caminho da vida; o favor dos reis foi solicitado em ritmos piérios, a representação teatral e o fim dos longos trabalhos. Não te seja, pois, motivo de vergonha a Musa hábil na lira e Apolo cantor.

No texto do Hiel, o verbomante parece ser alguém que manipula as palavras com tanta maestria que consegue gerar efeitos profundos, poéticos e quase sobrenaturais — similar a um poeta altamente habilidoso, mas com um toque místico, envolvendo encantamento. Um tipo de alquimista da linguagem. Digo isso com base no próprio texto, onde o eu-lírico está invocando a musca, o que o coloca no papel de aedo, mas também o insere no contexto mitológico do próprio texto.

O aedo chama a si mesmo de aprendiz dos verbomantes num contexto que dá a isso um tom quase sacerdotal. Mas há algo mais. Rimas Bregas tem um aedo apaixonado com um apelo sedutor que não pode ser ignorado. Talvez “verbomante” se refira tão somente àquele que é amante dos verbos bem empregados, numa escrita eficientemente tocante. No mínimo, o sufixo “-mante” sugere alguém que trata as palavras com a reverência, como um “sacerdote da palavra” ou “artesão da linguagem”, ou ainda, um apaixonado pelas poética.

Assim, o verbomante é um poeta que se entrega ao poder das palavras por puro amor a elas, por prazer e admiração pela linguagem em si.

O aedo de Rimas Bregas, o próprio hiel, falava sobre sua devoção à linguagem bela.

Estes são os meus palpites.

Ainda vou comentar sobre o uso ficcional do termo, especialmente no Universo Anthares. Contudo, me veio à mente um outro uso e quero gastar alguns parágrafos nisso antes de mais nada.

A VERBOMANCIA COMO METÁFORA

“A “verbomancia”, como metáfora sobre a linguagem, poderia ser algo como uma habilidade literária e retórica para explorar o poder das palavras e criar efeitos estéticos, emocionais ou filosóficos profundos. Isso poderia ser fruto também de metáforas e outras figuras de linguagem, mas poderia ser pelo caminho da intertualidade, subtexto ou, por bem ou mal, à base de verborragia.

De qualquer forma, seria a “magia das palavras”, uma capacidade de manipular a linguagem de modo quase encantatório para capturar o leitor, persuadir ou transmitir ideias e sentimentos de maneira intensa e vívida; atrás do que, todos nós aqui estamos, não é? Essa habilidade já pode ser apreciada nos contos enviados para os nossos desafios, seja num domínio específico de estrutura verbal, nas nuances semânticas ou no ritmo da linguagem, onde cada palavra é escolhida com muita precisão (ao menos, é o que se pretende) para compor um quadro literário carregado de impacto (e no fim, sofrer com o texto sendo esmurrado em uma análise entre amigos no canal).

O verbomante, então, precisa ter uma consciência aguda das potencialidades ocultas na língua, ou seja, coisas que realmente já estão lá, só esperando serem exploradas. Além do que eu já disse, tropos e técnicas estilísticas que, ao se somarem, elevariam o texto a um nível quase místico ou transcendental, ainda mais para a ala brasileira que faz, lá, suas leituras redentivas da literatura meticulosamente curada por algum guro.

Grandes autores, como Bloom, Frye e Carpeaux, por exemplo (e só para citar os “figurões”), discutem essa capacidade como uma mescla de técnica e intuição, em que a palavra transcende seu significado literal para tornar-se um elemento central na criação de sentidos complexos, muitas vezes evocando universos inteiros em poucas linhas.

Nessa verbomancia literária, o vocabulário funciona como um campo de batalha entre o significado e a forma — discussões que já aconteceram algumas vezes no grupo, não? —, onde o autor manipula as estruturas para evocar respostas que desafiam a simples leitura superficial.

Isso é o que se chama de “texto com camadas” e é algo que faz com que uma obra literária seja mais do que mero entretenimento.

Agora, bora pra o que eu realmente queria falar, que é mais besta e mais divertido (mero entretenimento?)!

A VERBOMANCIA NA FICÇÃO

No sentido ficcional E místico, a verbomancia seria uma forma de magia baseada no poder das palavras, onde o domínio sobre a linguagem concederia ao praticante habilidades sobrenaturais. É o velho e conhecido “poder das palavras” (para os neopentecostais), “confissão positiva” (para os reformados), magia enoquiana (para os.. sei lá, galera doida…) ou, no Universo Anthares, o Idioma Criacional.

Como um mago ou feiticeiro manipula elementos naturais, o verbomante manipula a realidade por meio de palavras específicas, frases encantatórias ou até mesmo de narrativas inteiras que moldam o mundo ao seu redor. Mas isso aqui seria básico demais, seria chover no molhado, seria não pensar em absolutamente nada a mais do que o óbvio: conjurar efeitos ao falar com precisão e intenção certas palavras proibidas, frases cuidadosamente construídas ou combinações linguísticas que alteram a percepção, o tempo, ou o próprio espaço.

Mas e se, com base no que desenvolvemos a respeito do Idioma Criacional, a verbomancia fosse a manipulação da própria essência das coisas pela linguagem? Sim, pois o que há de mais filosófico do que o uso terminológico adequado, ou a expansão da terminologia, para definir corretamente, distinguir e compreender?

Talvez permitindo ao verbomante até a capacidade de dobrar as volições, como uma materialização do convencimento. Ele poderia secretamente manipular (na essência) etimologias, símbolos linguísticos e estruturas gramaticais, além de forçar semânticas, conjurar detalhes do histórico lexical, ou… tô viajando?

O verbomante seria um tipo de filólogo arcano, um linguísta especializado no Idioma Criacional. Essas palavras “mágicas” nem sequer precisariam estar escritas em grimórios ou serem transmitidas oralmente por mestres verbomantes. Elas fariam parte da realidade, esperando serem exploradas. E textos arcanos, por sua vez, carregariam o peso de toda uma tradição de poder que estaria além do simples significado: seriam manifestações de forças ancestrais codificadas na linguagem.

Muito abstrato? Viajei até Marte e nunca mais voltei? Isso é bom demais!

Agora, o texto do Hiel.

Rimas bregas

Ó dama dos olhos castanhos e cabelos negros, linda musa digna de Thot invocar com um de seus escaravelhos, deixe-me, um simples e errante poeta, jovem e pedante, aprendiz dos mais célebres verbomantes, permita-me, ó musa grega, deleitar-me na visão de teu estranho véu que a ti protege a castidade e também versarei sobre o escudo de estanho que lhe completa o conjunto, permita-me ó vênus, permita-me orbitar-lhe como Marte. Audito-lhe os ares, buscando sentir teu perfume de lótus e tua aveludada pele tão leve como o boldrié de Órion. Audazes são os poetas em ti usar bregas rimas, medíocre sou para não poder melhor prosear sobre tua beleza; até mesmo um simples sorriso seu poderia trazer um vale de rosas mortas à vida nova. Os traços da terra e ondas do mar nada mais são que pequena admiração da natureza sobre tuas curvas e linhas de expressão. Ó musa, perdoe-me por contigo ter sonhado, em jazigo virginal, onde estava semi-nua e de ti roubei um beijo abissal. Logo abaixo da cheia lua encontrei um castiçal, ornado a ouro e prata guardei-o com amor, para lembrar-me do dia em que roubei um tico de teu esplendor.

Hiel, o grande pássaro.


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