A Teogonia de Hesíodo e sua simbologia

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Por Lucas Rosalem

Na nossa jornada pelos clássicos, paramos desta vez para analisar a Teogonia de Hesíodo: a primeira narrativa da cosmogonia grega.

Hesíodo foi o segundo maior poeta e educador dos gregos, atrás apenas de Homero; como ele, desempenhou um papel fundamental na sistematização da religião grega, que antes era localista e doméstica. Semelhante a um profeta, na forma como se apresenta em sua Teogonia, Hesíodo não introduziu novidades, mas cantou as memórias transmitidas pelas musas para despertar a consciência coletiva e promover a identificação com os grandes heróis do passado, fortalecendo o senso de comunidade.

Cada divindade na mitologia grega é uma personificação de fenômenos naturais, desde os conceitos mais simples e elementos antropomorfizados até indivíduos propriamente. É impossível não notar que os deuses estabelecem toda uma simbologia, de forma que podem (e devem) ser interpretador de maneira alegórica.

Por exemplo, os elementos do cosmos, presentes desde a primeira geração divina, refletem a interdependência e a luta constante que caracteriza a sociedade humana – e nesse sentido, a genealogia tem um papel importante na construção tanto do imaginário social quanto da construção da identidade individual.

No início da obra, as musas aparecem ao pastor (de gado) Hesíodo, trazendo revelações e confirmando sua inspiração com um ramo de louro. Elas revelam que têm o poder de contar tanto mentiras que se assemelham à realidade quanto verdades, assumindo um caráter profético na narrativa.

O relato da Teogonia começa com o Caos, um grande espaço aberto, seguido pela emergência da Terra e do Amor (Eros), representando potencialidade e vontade criativa, respectivamente. Esses elementos, apesar de distintos, atuam em conjunto na criação do universo, enquanto o Tártaro, situado no interior da Terra, simboliza a existência de um lugar de tormento desde o início dos tempos, tal qual na Bíblia.

A Terra está longe de ser plana; ela, por assim dizer, flutua no espaço, mas é protegida pelo Céu (Urano), estabelecendo uma relação de harmonia que será quebrada posteriormente. Isso, obviamente, é altamente simbólico também.

A descrição dos deuses primordiais, como o Caos, a Terra e o Amor (Eros, que nenhuma relação tem com sensualidade), revela a complexidade e a interconexão dos elementos que compõem o cosmos.

A narrativa prossegue com a ascensão e queda de Urano (o céu), por fim, simbolizando a quebra da harmonia entre o céu e a terra. Cronos, após superar seu pai, estabelece um período de ordem, mas sua queda dá origem a um novo momento: conflitos e separações entre deuses e homens, que antes estavam em harmonia.

Prometeu desempenha um papel crucial ao roubar o fogo para os humanos, desafiando a vontade de Zeus e enfrentando as consequências de sua ação.

A narrativa inclui ainda a guerra entre os deuses olímpicos e os titãs, culminando na vitória de Zeus e na subsequente divisão do universo entre os deuses.

Zeus, como o deus supremo, é responsável por estabelecer a ordem divina, casando-se com várias deusas e gerando uma miríade de divindades e heróis.

A Teogonia encerra com a invocação das musas para que cantem sobre as deusas que tiveram filhos com os homens, concluindo assim o relato genealógico dos deuses gregos.

Se não for entendida a partir dessa leitura alegórica, a Teogonia perde toda uma gigantesca dimensão, que é justamente aquela que importava aos primeiros leitores.