As práticas religiosas gregas foram disseminadas pelo mundo mediterrâneo junto com a expansão territorial e militar capitaneada por Alexandre, o Grande (334-323 a.C.). Entretanto, ao dominarem os povos, os gregos não aniquilaram as divindades dos dominados; antes, acrescentaram à realidade religiosa dos povos o seu panteão religioso. De acordo com Moyer Hubbard,
O resultado foi a emergência de um contexto religioso pan-helênico que continuava a honrar o clássico panteão da Atenas antiga, mas sem excluir a multiplicidade de divindades regionais, mitologias locais e um amplo espectro de crenças e práticas entre os vários grupos étnicos que compunham a antiguidade helênica.
Dentre as características principais da “religião” grega, podemos elencar alguns pontos importantes. Primeiramente, não se tratava de uma religião exclusivista, ou seja, a práxis ordinária era a adoração das diversas divindades (politeísmo). Decorrente do primeiro ponto, a religião grega não exigia dos seus adeptos uma conversão, como nos moldes do judaísmo. Assim, práticas ligadas ao proselitismo e à “evangelização” eram estranhas aos gregos. Também não havia ênfase moral e ética associada à práxis religiosa. A religião grega era entendida como o relacionamento entre os deuses e os seres humanos, com base na barganha de favores, benefícios materiais e temporais. O devoto, nas palavras de Reinke, “Não tinha relação pessoal com os deuses, não buscava comunhão com eles e não estava preocupado com questões da alma ou do pós-morte”. Por fim, não havia qualquer literatura normativa, tal qual a Torá era para os judeus ou o Novo Testamento para os cristãos. A literatura era basicamente a compilação de mitos transmitidos desde os tempos mais antigos, sem pretensão alguma de ser algo revelado pelos deuses. Portanto, podemos afirmar que o mundo religioso helênico era muito diferente daquele vivido pelos judeus e, posteriormente, pelos cristãos.
Há um intenso debate dentro dos círculos acadêmicos quanto à gênese daquilo que genericamente poderíamos classificar como uma religião grega. Baseados em evidências encontradas nos épicos, como os escritos de Homero (Ilíada e Odisseia, século VIII a.C.), temos indicações de que a mitologia grega das eras posteriores já era aceita como parte do mundo religioso séculos antes da era clássica. De acordo com Robert Graves,
Um estudo da mitologia grega deve começar considerando que sistemas políticos e religiosos existiam na Europa antes da chegada dos invasores arianos do Norte e do Oriente distantes. Toda a Europa neolítica, a julgar pelos seus artefatos e mitos remanescentes, teve um sistema de ideias religiosas notavelmente homogêneo, baseado na adoração à Deusa-mãe, entijucada de diversas maneiras e conhecida também na Síria e na Líbia.
Vários tipos de evidências arqueológicas também apontam para a existência de deuses que, ao contrário do conceito judaico-cristão de divindade, eram seres que tinham características muito próximas dos próprios seres humanos. Por fim, Craig Blomberg também sustenta, com relação à gênese dos deuses gregos, que,
A origem desses deuses e das aventuras mitológicas que os cercam são discutíveis. Provavelmente foram a consequência natural do animismo ou espiritismo primitivo nos quais objetos e forças da natureza eram divinizados e adorados. Mais tarde, os deuses foram vistos como seres distintos, descritos em categorias antropomórficas (como seres humanos) e morando no ponto mais alto das montanhas gregas.
Então, como era o mundo dos deuses gregos? Os gregos não eram diferentes dos povos do AOP, que tinham um relacionamento intenso com as divindades. Para eles, os deuses faziam parte de todos os aspectos e elementos da vida. Aliás, “o mundo era cheio de deuses”. Não havia um lugar no cosmos dentro do qual não houvesse a atuação de uma determinada divindade. Isso pressupõe que os gregos tinham à sua disposição uma miríade de deuses, a começar por aqueles mais “famosos” e “poderosos” até chegar aos deuses familiares (culto aos ancestrais).
Os deuses eram classificados basicamente de quatro maneiras, com uma relação hierárquica entre essas categorizações.
- Os deuses do Olimpo
O primeiro grupo era composto pelos deuses do Olimpo ou olímpicos. De acordo com Hubbard, “O panteão tradicional de Atenas era considerado o supremo conselho de divindades que eram adoradas de uma forma ou outra por meio do mundo influenciado pelos gregos”. De acordo com a literatura clássica, esses deuses residiam sobre o monte Olimpo. Entretanto, em outras evidências epigráficas, eles também são retratados como habitando nos templos dedicados a eles. Os doze principais deuses do Olimpo eram Zeus e Hera, a partir dos quais nascem os demais: Atena, Apolo, Ártemis, Posseidon, Afrodite, Hermes, Ares, Deméter, Dionísio e Hefesto.9 Outro dado importante: os deuses gregos são eternos, mas não autoexistentes. Eles vieram a existir em um dado momento histórico e permaneciam eternamente com certa idade para todo o sempre.
2. Os deuses regionais
A próxima categoria é a dos deuses regionais. Embora não tenham a mesma representatividade dos deuses do Olimpo, eles estão associados às cidades e regiões em que exercem os seus domínios e zelam pelos seus adoradores. Um exemplo desse tipo de divindade encontra-se em Atos 16:16-19. Ao chegar à cidade de Filipos, o apóstolo Paulo é incomodado por uma garota possessa de um espírito de adivinhação:
Essa moça seguia a Paulo e a nós, gritando: “Estes homens são servos do Deus Altíssimo [τοῦ θεοῦ τοῦ ὑψίστου, tou theou hypsistou] e lhes anunciam o caminho da salvação”. Ela continuou fazendo isso por muitos dias. Finalmente, Paulo ficou indignado, voltou-se e disse ao espírito: “Em nome de Jesus Cristo eu lhe ordeno que saia dela!”. No mesmo instante o espírito a deixou (vs.17,18).
Embora à primeira vista pareça que a garota esteja se referindo ao Deus dos judeus,11 a garota endemoninhada, na verdade, estava se referindo a uma divindade local chamada Theos Hypsistos12 (θεὸς ὑψιστός).
Os heróis compõem a terceira categoria de divindades. Eles são uma espécie de semideuses que eram tidos praticamente como deuses no período helenístico. Na Grécia Antiga, os heróis eram seres mortais dotados de habilidades e poderes excepcionais, e, a partir da sua morte, tornaram-se seres imortais. Um dos exemplos mais famosos é Hércules, que, depois de completar seus doze trabalhos, foi recebido pelos deuses no Olimpo.
A quarta e última categoria de seres espirituais, chamada de daimon (δαίμων), eram os demônios. Diferente da ideia neotestamentária de entes espirituais malignos associados à Satanás, os demônios gregos eram espíritos (genius) relacionados a vários tipos de pessoas, deuses ou circunstâncias. Existiam os demônios bons (εὐδαίμων, eudaimon) e também os demônios da maldade (κακοδαίμων, kakodaimon). A lista de demônios é muito mais extensa que as dos deuses e semideuses. Como não poderia deixar de ser, os templos eram os principais lugares associados aos deuses. De forma análoga à cosmovisão do AOP, os templos eram tidos como local de habitação dos deuses e o sítio para o recebimento de oráculos e a performance de rituais em honra a esses seres. Nas palavras de Hubbard, “Os templos se constituíram como a mais notável expressão física da religião na antiguidade”.
Os templos ficavam localizados geralmente no centro das cidades, independente do seu tamanho, sendo o lugar mais importante dos gregos em termos públicos e religiosos. Em centros urbanos mais povoados, como Atenas, Corinto e Éfeso, a profusão de deuses estava relacionada proporcionalmente à grande quantidade de templos, santuários e altares dedicados a eles. Os sacrifícios performados dentro dos templos, de acordo com Hubbard, tinham quatro funções básicas: 1) honrar os deuses (especialmente durante as festas em homenagem a eles); 2) agradecer aos deuses por algum tipo de bênção material; 3) aplacar a ira dos deuses e agradar-lhes com a finalidade de receber algum benefício material em troca; e, 4) pedir algum tipo de favor.
Paralelamente aos ritos sacrificiais, os gregos realizavam votos solenes aos deuses em seus templos. Os votos eram muitas vezes mais baratos do que a performance de um sacrifício animal e era uma prática cotidiana de todos os cidadãos gregos. Diversas coisas poderiam ser oferecidas como voto, inclusive, para aqueles que desejavam alguma cura física, partes do corpo afetadas pela enfermidade feitas de barro e argila. Sacerdotes, sacerdotisas e servos cuidavam do templo. Além da administração dos sacrifícios e a mediação oracular, era costume que prostitutos e prostitutas cultuais praticassem sexo com os devotos nos recintos do templo como forma de mediação de revelação das divindades.
Muito embora os romanos tenham prevalecido sobre os gregos, eles preservaram o básico da mitologia e do seu sistema religioso, adequando-o às suas necessidades e realidade. De acordo com Gundry, “As divindades romanas vieram a ser identificadas com os deuses gregos (Júpiter com Zeus, Vênus com Afrodite, e assim por diante). Os romanos também adicionaram características, como um sacerdócio em que o próprio imperador atuava como pontifex maximus (sumo sacerdote).” Sobre o panteão romano, Hurtado afirma:
O panteão tradicional romano de divindades era presidido por Júpiter, que era frequentemente identificado com Zeus, o deus-chefe dentro do panteão tradicional grego. Mas, em acréscimo a esse deus, no tempo do cristianismo primitivo, os romanos adotaram uma série de outros deuses originados das mais variadas partes do Império.
À semelhança da concepção religiosa dos gregos, os romanos também incluíam seu relacionamento com os deuses em todos os aspectos da vida. De acordo com Hurtado, “Todas as atividades comuns, como dar à luz, comer, viajar, encontrar-se com pessoas” estavam relacionadas cada qual com um deus. E essa é a causa para que a ideia de uma exclusividade divina fosse rechaçada pelos romanos: você naturalmente poderia recorrer a vários deuses, apropriados para cada ocasião, pois todos os deuses estavam relacionados com as mais diversas atividades da existência não somente da humanidade, mas também de todo universo. “Então, as pessoas no período romano geralmente não encontravam nenhum problema em participar da adoração de vários e múltiplos deuses.” A despeito de uma adequação da religião grega dentro do mundo romano, estes foram responsáveis por uma inovação estranha ao mundo grego: a divinização e adoração da figura do imperador. De acordo com Nicholas Perrin,
para o estudante moderno, o status divino do imperador deve, talvez, permanecer ambíguo. Uma conclusão precisa aqui é exacerbada quando impomos uma estrutura ocidental moderna que tende a definir a divindade em termos ontológicos, termos estes que eram estranhos aos devotos de César Augusto do primeiro século. Os antigos romanos certamente distinguiam os mortais dos deuses, mas a fronteira entre as duas categorias era mais fluida do que a nossa.
As grandes conquistas militares e a dimensão global do poder dos governantes romanos foram canalizadas religiosamente na sua própria divinização. Júlio César (100-44 a.C.) foi deificado depois de sua morte em 27 a.C., aclamado como deus por Augusto. Otávio César Augusto (63 a.C.-14 d.C.), sobrinho de Júlio César, por sua vez, foi divinizado após a sua morte por Tibério César (42 a.C.-37 a.C.). O primeiro imperador que atribuiu a si mesmo o posto divino foi Caio César, o Calígula (12-41). Tal ato foi anulado pelo senado romano após a sua morte. Imperadores posteriores, como Nero (37-68) e Domiciano (51-96) também se aventuraram nessa seara. Aos judeus não era imposta a obrigação de adorar os imperadores, uma vez que o judaísmo era considerado religio licita. Entretanto, os cristãos, particularmente no período após Atos, sofreram perseguições sistemáticas por causa da recusa a adorar a figura do imperador. De acordo com Gundry, “Domiciano (81-96) foi o primeiro a tomar providências sérias e generalizadas para forçar a adoração de sua pessoa. A recusa dos cristãos em participarem […] provocou uma perseguição, que foi crescendo em intensidade”.
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