A Magia de Anthares e a Teologia Cristã

Um amigo cristão e escritor levantou dois questionamentos sobre a magia da forma como a descrevemos no Universo Anthares que, segundo ele achou, estariam em atrito com a fé cristã. Elas serão respondidas neste post.

O primeiro questionamento é se o fato dessa “programação da natureza” poder ser alterada não significaria que o programa foi mal feito por Deus, com falhas/brechas.

RESPOSTA: De forma alguma. Programador nenhum diria isso de um programa open source, que é basicamente isso, um programa que pode ser alterado pelos usuários programadores. Além disso, a nossa explicação inclui o seguinte: as “leis naturais” vão sobrescrevendo os novos códigos naturalmente, da mesma forma que acontece com a blockchain do bitcoin quando alguém sozinho tenta alterá-la ou fazer duplo gasto. Ou seja, há um limite para a alteração na “programação” de Anthares (que é a magia), e fazer uso dessa possibilidade é o mesmo que usar qualquer outra regra natural, como a química.

O segundo questionamento foi o seguinte: essa autonomia do programa (eu prefiro: da programação) não seria só uma outra forma de descrever a ideia do “Deus relojoeiro” deísta? E acrescentou que “Deus sustenta todas as coisas”, argumentando que a criação não é independente (como se eu tivesse dito isso).

RESPOSTA: Na tentativa de rejeitar a ideia da programação no Universo Anthares, qualquer explicação vai soar idêntica ao “deus das lacunas”, ou seja, a ideia de que nada no universo tem explicação na própria maneira como os meios ordinários funcionam, sendo, ao contrário, tudo “dedo de Deus”, o que não faz sentido. Se Deus criou o universo com leis próprias, essas leis devem funcionar por si sós. Um exemplo: o fato de Deus ser soberano não muda o fato de que nós temos vontade própria. Além disso, podemos afirmar teologicamente o seguinte: cada alteração/interação dos magos está contida nos decretos eternos de Deus, o que já está descrito em detalhes no post A Grande Equação, combinando com as mais variadas confissões cristãos:

Confissão de Fé de Westminster:

Capítulo III
I. Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas.

Capítulo V

I. Pela sua muito sábia providência, segundo a sua infalível presciência e o livre e imutável conselho da sua própria vontade, Deus, o grande Criador de todas as coisas, para o louvor da glória da sua sabedoria, poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as suas criaturas, todas as ações e todas as coisas, desde a maior até a menor.

II. Posto que, em relação à presciência e ao decreto de Deus, que é a causa primária, todas as coisas acontecem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma providência, Deus ordena que elas sucedam conforme a natureza das causas secundárias, necessárias, livre ou contingentemente.

III. Na sua providência ordinária Deus emprega meios; todavia, ele é livre para operar sem eles, sobre eles ou contra eles, segundo o seu arbítrio.

IV. A onipotência, a sabedoria inescrutável e a infinita bondade de Deus, de tal maneira se manifestam na sua providência, que esta se estende até a primeira queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, e regula e governa em uma múltipla dispensarão mas essa permissão é tal, que a pecaminosidade dessas transgressões procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado nem pode aprová-lo.

Obs.: As afirmações sobre essa doutrina encontradas na Confissão Batista de Londres e na Declaração de Savoy são exatamente as mesmas da Confissão de fé de Westminster.

Catecismo Heidelberg:

Em que você crê quando diz: “Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra”?
Creio que o eterno Pai de nosso Senhor Jesus Cristo criou, do nada, o céu, a terra e tudo o que neles há e ainda os sustenta e governa por seu eterno conselho e providência. Ele é também meu Deus e meu Pai, por causa de seu Filho Cristo. Nele confio de tal maneira, que não duvido que dará tudo o que for necessário para meu corpo e minha alma; e que Ele transformará em bem todo mal que me enviar, nesta vida conturbada. Tudo isto Ele pode fazer como Deus todo-poderoso e quer fazer como Pai fiel.

Declaração de Fé das Assembleias de Deus do Brasil:

Sobre as obras de Deus: A Bíblia ensina que o universo foi planejado por Deus antes de ser criado. Planejamento, origem e manutenção de todas as coisas no céu e na terra envolvem governo e preservação de toda a criação. Tudo foi criado com propósito: “Segundo o eterno propósito que fez em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Ef 3:11). Deus trouxe o universo à existência do nada e de maneira instantânea, pela sua soberana e livre vontade.

Os decretos ou conselhos divinos são o plano eterno e imutável de Deus claramente revelados nas Escrituras; dizem respeito à vontade e ao propósito de Deus, tais como a criação, a encarnação do Verbo, a eleição de Jesus como Salvador e a eleição de Israel e da Igreja. Trata-se de deliberações absolutas que nasceram do desígnio e propósito do Deus Trino na eternidade e que independem da ação humana ou de qualquer outro ser no Universo.
Ninguém é capaz de frustrar esses desígnios de Deus: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus pensamentos pode ser impedido” (Jó 42:2) ou “e nenhum dos teus planos pode ser frustrado”.

Citei essas diferentes confissões para demonstrar que as mais variadas denominações e correntes teológicas cristãs (excluindo as seitas) devem concordar com a nossa descrição da programação no Universo Anthares.

— Lucas Rosalem