A História por trás dos Contos de Fadas

O que são os contos de fadas? De onde vieram? Por que, depois de tanto tempo, ainda são lembrados e passados adiante – e qual a importância de conhecermos suas versões originais?

Para responder a essas perguntas é preciso fazer uma viagem no tempo, regressando milênios, quando as primeiras sociedades começavam a se organizar. Em todas foi fundamental o uso da linguagem para trocar informações, explicar fenômenos da natureza, dar sentido ao mundo e à própria vida por meio de relatos e histórias transmitidas de geração a geração. À medida em que as civilizações se desenvolveram, as narrativas se tornaram mais complexas, e logo surgiriam os cânticos e poemas sagrados que estão nas raízes de toda a Literatura.

Os contos de fadas têm a mesma origem, mas se diferenciam dos clássicos por não possuir caráter heroico ou religioso. Derivam de histórias populares, passadas adiante por contadores anônimos, frequentemente mulheres. Platão, no século IV a.C., já se referia ao mythos graós, o “conto das velhas”, usado pelas amas para entreter crianças; velhas narradoras aparecem também nos contos orientais, como os das “Mil e Uma Noites”, e nos lais, cantigas e fabliaux da Literatura medieval. E, embora os contos de fadas, numa definição mais ampla, sejam universais – pois encontramos histórias semelhantes em várias partes do mundo –, as narrativas tradicionais, tais como as conhecemos através de autores como Charles Perrault e os Irmãos Grimm, são, na verdade, um produto dessa mescla de influências. O Oriente, com o qual os europeus realizaram trocas culturais na Idade Média; a Antiguidade Clássica, que nos legou a palavra “fada”, derivada de fata, uma variante de fatum (“destino” em latim); e o elemento autóctone, proveniente dos mitos celtas e nórdicos, de onde vieram os duendes, as florestas mágicas e os castelos de torres envoltas em bruma.

Durante séculos, os contos de fadas sobreviveram através da tradição oral, até que se consolidassem os primeiros registros. A obra precursora do gênero é “Piacevoli Notti”, de Giovan Francesco Straparola, que, publicada em 1550, em Veneza, reunia contos de fadas, contos populares como “O Gato de Botas”, e histórias do cotidiano. Em 1634-36, coube ao napolitano Giambattista Basile escrever o “Pentamerone”, que muitos afirmam ser a pedra fundamental do conto de fadas literário moderno, e que traz as primeiras versões escritas de “Cinderela” e “A Bela Adormecida”. A última, com o título “Sol, Lua e Talia”, você encontrará encabeçando a lista de contos mais abaixo.

O “divisor de águas” na história dos contos de fadas foi o francês Charles Perrault, cuja coletânea “Contos da Mamãe Gansa”, publicada em 1697, é também considerada o marco do surgimento da Literatura Infantil. Isso porque Perrault foi o primeiro a ter o insight de que os contos podiam servir para transmitir ensinamentos morais às crianças, o que era feito por meio de versinhos no final de cada texto – a famosa “moral da história”. No frontispício de sua obra, a figura de uma mulher idosa, que fiava e contava histórias, reforça o arquétipo da “velha sábia”, detentora da memória familiar, que vem de tempos ancestrais e que ainda hoje associamos aos contos de fadas e histórias populares.

Por falar em mulheres, não podemos deixar de mencionar as “preciosas”, como eram conhecidas algumas damas da sociedade francesa que se dedicavam à Literatura e defendiam os direitos femininos. A mais conhecida é Jeanne-Marie Leprince de Beaumont, que publicou várias coletâneas entre 1750 e 1755 e a quem devemos a versão mais tradicional de “A Bela e a Fera”, presente neste livro. Pouco depois, porém, a racionalidade preconizada pelo Iluminismo levou os contos de fadas ao esquecimento, do qual só sairiam no início do século XIX, graças a estudiosos de Linguística e Folclore.

Os mais famosos dentre estes foram os irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, que pretendiam preservar as histórias tradicionais alemãs antes que a urbanização as modificasse. Para registrá-las, eles não apenas ouviram narradores – principalmente mulheres, destacandose Frau Dorothea Viehmann –, mas também recorreram a fontes escritas e compararam versões. As histórias foram publicadas entre 1812 e 1815 no livro “Contos da Infância e do Lar” e refletiam a moral da época, na qual os virtuosos eram recompensados e castigos terríveis eram reservados aos vilões.

Embora não tenham se tornado tão conhecidos quanto Perrault e os Irmãos Grimm, outros estudiosos se dedicaram a recolher contos populares em seus países. Na Noruega, Peter Asbjørnsen e Jörgen Moe ouviram muitas versões de cada história para compor textos literários, publicados em 1841 com o título “Contos Populares Noruegueses” (alguns contos presentes no livro “Os Melhores contos de fadas Nórdicos”, publicado pela Editora Wish em 2019). O russo Alexander Afanasyev registrou histórias do folclore eslavo, ouvidas de narradores e enviadas por correspondentes, e entre 1855 e 1867 lançou os oito fascículos de “Contos de Fadas Russos”, contendo mais de 600 histórias. E Joseph Jacobs, australiano radicado no Reino Unido, publicou coletâneas de contos do mundo todo, com ênfase nos ingleses e nos celtas, dos quais editou quatro livros entre 1892 e 1894.

Um último nome a destacar é o do dinamarquês Hans Christian Andersen, que publicou seis volumes de contos para crianças entre 1835 e 1842. Muitos, como “A Rainha da Neve” e “A Pequena Sereia”, foram inspirados em histórias populares nórdicas, embora Andersen reivindicasse sua autoria. O escritor é considerado um dos principais nomes do conto de fadas literário, no qual os motivos e narrativas universais são retomados e transformados pelo gênio e pela criatividade do artista.

Assim, provenientes de vários países, publicados em sucessivas edições – algumas ricamente ilustradas – e traduzidos para o mundo todo, os contos de fadas chegaram aos dias de hoje. Sua projeção cresceu muito a partir do século XX, com a divulgação pelo cinema e outras mídias, como os quadrinhos, a televisão e, recentemente, o espaço virtual. Algumas produções seguem fielmente a narrativa original, enquanto outras contribuem para passar adiante versões muito modificadas, adaptadas de acordo com a época e o público a que se destinam. Não se trata de um erro ou de algo intrinsecamente ruim – até os registros tradicionais são produto de sua época, o que se verifica ao comparar, por exemplo, as versões de Perrault e dos Irmãos Grimm para o mesmo conto –, mas, por outro lado, adaptar uma dessas obras é correr o risco de perder a magia, o simbolismo e o próprio sentido da história. Isso porque, tendo nos acompanhado ao longo de gerações, os contos de fadas estão profundamente ligados à nossa memória coletiva, dialogam com nossos anseios e com nossos medos e evocam forças que nos auxiliam a vencer obstáculos. E, ainda que as releituras possam resultar em livros, filmes e séries interessantes, o ideal é que se saiba onde e como as histórias surgiram, de forma a não perder de vista seu real significado.

A lista abaixo apresenta os contos de fadas em suas versões originais e em traduções bem cuidadas. É uma coleção, em especial, para aqueles dentre nós que se dedicam a passar essas histórias adiante. Vamos saborear esses textos, refletir sobre eles e utilizá-los, mesmo que a par de outras versões e recursos, ao atuar como narradores e mediadores. Assim, o encantamento será renovado, e os contos de fadas continuarão entre nós, fortalecendo e inspirando novas gerações de heróis e heroínas ao longo de sua jornada.

Abaixo, segue uma lista de contos de fadas em suas versões originais. Clique para ler.

Sol, Lua e Talia
A Pequena Sereia
Aladdin e a Lâmpada Maravilhosa
A Bela e a Fera
Branca de Neve
A Bela Adormecida
A Rainha da Neve
Rapunzel
Chapeuzinho Vermelho
Cinderela
Polegarzinha
Os três porquinhos
João e Maria
Barba Azul
Rumpelstiltskin
O Gato de Botas
O Príncipe Sapo
A Princesa e a Ervilha
João e o Pé de Feijão
As doze Princesas Dançarinas
O Bravo Soldado de Chumbo
O Alfaiate Valente
As roupas novas do Imperador

Pele de Asno
A Amendoeira
A Pequena Vendedora de Fósforos
Sapatinhos Vermelhos


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