Sob “Palestina” entende-se em geral o palco da história bíblica, portanto preferencialmente a Cisjordânia, mas também as partes da Transjordânia: os territórios dos atuais estados de Israel e da Jordânia, e os territórios palestinos. O nome “Palestina” é a forma grega do termo aramaico Pelishta’in (em hebraico PIishtim) e designava originalmente o território povoado pelos filisteus na planície litorânea2. Após a segunda revolta judaica (132-135 d.C.), os romanos mudaram o nome da província de Iudaea, instituída por eles, para Palaestina, designando com este termo não só a planície litorânea, mas também as regiões montanhosas da Cisjordânia. No curso das alterações territoriais e administrativas nos territórios orientais do Império Romano, o nome incorporou finalmente também regiões situadas a leste do Jordão, incluindo partes da Arabia, uma província romana mais antiga. No séc. 4 a província da Palaestina foi subdividida em três partes: Palaestina prima, secunda e tertia — se bem que para a administração militar ela continuasse sendo uma unidade sob o alto-comando do dux Palaestinae [“chcfc da Palestina”]. Essa unidade é pressuposta no linguajar dos autores cristãos da Antiguidade. Desse modo, o nome “ Palestina” provém da linguagem administrativa do Império Romano e Romano-Bizantino. Uma vez que desde a invasão dos persas e do islã no séc. 7 não lhe correspondia mais uma unidade administrativa, sua utilização se tomou vaga e imprópria para a definição de um território político. Exatamente nisto consiste sua vantagem, não obstante a repolitização ora em curso.
Não se visa aqui uma apresentação detalhada da natureza da região e da geografia histórica da Palestina. Algumas características básicas e subsídios para orientação, porém, são necessários. Palco da história de Israel é a parte meridional do corredor siro-palestinense, entre os territórios de aluvião fluvial do Egito e da Mesopotâmia: a parte central do chamado Crescente Fértil, com as terras de cultura a nordeste, norte e noroeste do deserto siro-arábico. Uma delimitação geográfica precisa dessa região é difícil: a oeste fica a costa do Mar Mediterrâneo; ao sul o território cultivado passa sem limites fixos para os desertos do Neguebe e do Istmo; a leste segue-se, igualmente sem limites fixos, o deserto siro-arábico. Já que a Palestina, a Síria Ocidental e o Líbano formam geograficamente uma unidade, costuma-se considerar como divisa setentrional da Palestina uma linha imaginária que tem motivos históricos, e não geográficos: a leste do Vale do Jordão na altura do Jarmuque, e a oeste do Vale do Jordão na altura do Leontes (Nahr Litani). Esse é o território que, no AT, em geral é chamado “ (terra de) Canaã” ou ainda “ terra de Israel” (1 Sm 13.19).
Trata-se da parte meridional do chamado platô arábico: um platô de camadas calcárias marinhas, depositadas horizontalmente. Esse planalto foi rompido no terciário por um distúrbio tectônico de extraordinárias proporções no sentido norte-sul. Surgiu assim a Depressão Síria, que se estende desde a Síria Setentrional, passando pela Palestina e pelo Egito, até a região dos lagos centro-africanos. A parcela palestinense na Depressão Síria é constituída pelo Vale do Jordão com os dois lagos remanescentes, o Mar da Galileia (Lago de Genesaré) e o Mar Morto. Aqui se encontram as depressões mais profundas da superfície terrestre: o nível do Mar Morto, a aproximadamente 390 m abaixo do Mar Mediterrâneo, e as montanhas orientais e ocidentais até 1.000 m acima do Mar Mediterrâneo. O Vale do Jordão divide o país em duas regiões. Na Transjordânia o planalto antigo se conservou relativamente melhor. Em três lances ele cai para o oeste de forma íngreme em direção ao Vale do Jordão e é rasgado por vários sistemas de vales que correm no sentido leste-oeste, dos quais os mais importantes são: Jarmuque (Yarmuk), Jaboque (Nahr ezZerqa), Amom (Sei el-Modjib) e Zerede (Wadi’l-Hesa). Na Cisjordânia o planalto está consideravelmente escarpado, decomposto e alterado. Está inclinado em quedas de muitos degraus em direção ao Vale do Jordão e ao Mar Mediterrâneo e forma as seguintes paisagens naturais: as montanhas da Galileia (Alta e Baixa Galiléia), a planície de Meguido ou de Jezreel (Merdj Ibn ‘Amir), a região montanhosa da Palestina Central com a região de colinas a oeste (em hebraico: Slffela), a planície litorânea e a Baía de Berseba.
A Palestina obtém sua fertilidade não da água de grandes rios, mas exclusivamente da chuva que provém da caldeira de evaporação do Mar Mediterrâneo e se condensa nas serras (chuva de aclive). Há só duas estações anuais: o inverno chuvoso de outubro/novembro até abril/maio e o verão completamente sem chuvas. Uma terra rica, favorecida pela natureza a Palestina não é. Apenas na costa do Mar Mediterrâneo e, dependendo do suprimento de água, nos oásis do Vale do Jordão viceja uma vegetação subtropical. A Planície de Meguido e os planaltos da Transjordânia produzem, havendo boa preparação, abundantes colheitas. No mais, entretanto, desde sempre os habitantes da Palestina foram obrigados a “ comer seu pão no suor de seu rosto” (Gn 3.19), lutando com o chão pobre e pedregoso para obter o necessário de cada dia. Praticamente não há recursos minerais. A Palestina nunca foi uma região de excedentes para a economia e o comércio do Oriente Próximo. Era uma região de passagem, através da qual passavam e onde se cruzavam as grandes rotas comerciais transcontinentais.
A Palestina está fechada para o Mar Mediterrâneo, mas aberta na direção do deserto. A costa do Mar Mediterrâneo se apresenta em todo o seu percurso quase completamente sem acidentes e obstáculos; praticamente não oferece oportunidade para a utilização e construção de portos naturais. Antes do início da Idade Moderna os únicos portos dignos de menção, em geral ruins, eram: Jafo (Yafa), Cesaréia Marítima (Qeçarye), o Cnstcllum Peregrinorum dos cruzados ( ‘Atlit) e Aco ( ‘Akka). Sob tais condições não se podia falar de marinha mercante ou de marinha de guerra. No solo da Palestina conseguiu-se formular um relato da criação no qual o mar nem sequer aparece (Gn 2 J). Tanto mais significativa é a abertura da terra cultivada para o deserto. Trata-se de uma abertura climática e geográfica: em nenhum lugar a passagem se dá de forma abrupta, mas paulatinamente, junto com o declínio da quantidade de precipitações pluviométricas. Entre o deserto e a terra cultivada situa-se um cinturão de estepes de largura variada que pode ser usado como campo de pastagem para o gado. A “ divisa” entre terra cultivada e deserto também é permeável do ponto de vista da política populacional, e isto em ambas as direções.
As condições da população da Palestina não serão tratadas aqui sob a perspectiva antropológica, etnológica, sociológica ou estatística, mas conforme o modo de obtenção do alimento. Os habitantes da Palestina viviam até há meio século quase que exclusivamente da agricultura e da pecuária. Podem-se distinguir essencialmente dois grupos populacionais: os agricultores sedentários e os nômades não-sedentários. É óbvio que este quadro é simplificado. Naturalmente havia e há artesãos, outros profissionais, empregados, funcionários públicos e outros mais. Podem-se deixá-los de lado aqui, pois estão em pauta os principais ramos de atividade econômica e modos de vida. O agricultor vive — abstraindo de desdobramentos modernos — em moradias fixas de tijolos de barro, praticamente sempre em povoações do tipo aldeia ou cidade. Dedica-se preponderantemente à agricultura, ao cultivo de lavoura e horta: cereais, vinho, verduras e frutas. Mas com frequência também se dedica à criação de gado: sobretudo gado bovino, em menor escala animais de pequeno porte (ovelhas e cabras), aqui e acolá algumas aves. O nômade vive em tendas pretas, que arma uma vez aqui e outra vez lá adiante. Alimenta-se principalmente do gado, em geral criado em pastagens extensivas: sobretudo animais pequenos (ovelhas e cabras), porém não raramente também bovinos e camelos; os camelos lhe são indispensáveis como meios de transporte e de locomoção. Onde possível, no entanto, também desenvolve uma agricultura modesta, em geral um tanto fugaz, que lhe é dificultada pelo fato de seguidamente mudar de localidade para atender às necessidades alimentares de seu rebanho. Ambos os grupos populacionais são fechados em si mesmos e se defrontam com reservas e até exclusões mútuas. Mas é claro que não são totalmente impermeáveis um ao outro. Há nômades entre os quais a agricultura começa a preponderar de tal forma que procuram formar povoações rurais ou integrar-se em povoamentos já existentes — ambas as coisas não são muito fáceis. Também há nômades que são atraídos e absorvidos pelas cidades. Inversamente, há pessoas de cidades e aldeias que se tomam nômades; em geral uma descensão social antecedeu essa mudança. Há, finalmente, casamentos para lá e para cá. Todos esses fenômenos, além do mais diferenciados regionalmente em termos de frequência, em nada alteram a diferença fundamental entre a forma agrícola e a forma nômade de vida.
Não raramente os nômades árabes criadores de gado miúdo ou beduínos (em árabe: badw, badawif, como se autodenominam, vivem com seus rebanhos nas zonas de estepes e nas margens desérticas do Crescente Fértil. Entretanto, isso só é possível no inverno, quando, devido à chuva, os territórios das estepes e dos desertos estão cobertos com uma vegetação parca, porém suficiente para a necessidade de pastagens dos nômades. No verão os nômades são obrigados a levar seus rebanhos para a margem ou para o interior da terra cultivada, para de certo modo “ veranear” por lá. E que a estepe e o deserto não lhes oferecem possibilidade de sobreviver na época sem chuvas. Na terra cultivada precisam chegar a um acordo com os agricultores aí estabelecidos no que diz respeito ao uso das pastagens. Se isso não é possível, acabam acontecendo conflitos. Tão logo começa o inverno, os criadores de gado saem de novo para a estepe e o deserto. Esse processo, que se repete ano após ano com regularidade de calendário, chama-se mudança de pastagem ou transumância.
Não pode deixar de acontecer que, com o correr do tempo, o pêndulo da transumância aos poucos oscile mais e mais em direção à terra cultivada e menos em direção à estepe e ao deserto. A terra cultivada é, para o nômade, uma terra “ que mana leite e mel” ; quanto mais longe viver como nômade, tanto mais a desprezará, mas para um ou outro ela constitui simultaneamente o objeto de seu desejo e cobiça secretos6. Decorre daí que, lentamente, nômades passam para a sedentarização. Para eles o pêndulo da transumância para de oscilar na terra cultivada. Chama-se esse processo, que não é de modo algum simples e isento de conflitos, fixação à terra ou sedentarização. Por um lado, para os estados árabes da atualidade ele é um problema político difícil; por outro lado, porém, é obstaculizado e dificultado pela existência desses mesmos estados e de suas fronteiras. Isto aplica-se da mesma forma ao Estado de Israel. Embora os beduínos não tenham grande consideração por limites de países, precisam respeitá-los até certo ponto: neste equilíbrio às vezes arriscam o próprio pescoço. Tudo isso está sendo exposto de forma relativamente detalhada aqui porque é importante para a formação de uma teoria sobre a chamada tomada da terra pelos israelitas7. Essa tomada da terra é considerada, ao menos de acordo com um modelo muito influente que subsiste ao lado de outros,’ como caso exemplar da sedentarização de nômades em regime de transumância. No entanto, em geral nem se colocou a pergunta acerca de quão antigo seria esse tipo de nomadismo. Presumia-se que de certa forma ele já existira sempre, desde tempos pré-históricos, ao menos desde a passagem do ser humano de caçador e coletor para criador de animais e agricultor. Essa hipótese permitia entender o surgimento de novos elementos populacionais nas terras cultiváveis do Oriente Próximo desde o 3S milênio a.C. como resultado da transumância nômade. Uma hipótese secundária facilitava isso: a concepção de que o processo regular de transumância era interrompido de tempos em tempos por grandes ondas de nômades, durante as quais habitantes da estepe e do deserto à procura de terra ingressavam nas terras férteis em contingentes significativamente maiores do que, por assim dizer, em circunstâncias normais. As regiões desérticas eram tidas como uma espécie de área de regeneração populacional das civilizações circundantes. Desse modo se procurava interpretar o surgimento dos cananeus, dos amorreus, dos arameus e, junto com eles, das tribos israelitas, e por fim também ainda dos árabes, nos moldes de tais “ ondas de povos” : como resultados de transumância por assim dizer condensada, concentrada.
Mas nos dois últimos decênios esse quadro se modificou de forma considerável em virtude de novas pesquisas etnológicas, histórico-culturais, sociológicas e arqueológicas. Passou-se a dar atenção aos limites dessa analogia e se reconheceu que a forma e a história do nomadismo do Oriente Próximo são consideravelmente mais complicadas do que se imaginava outrora. Primeiro, esvaziou-se a “ teoria das ondas”: que o deserto produza ininterruptamente pessoas e as infiltre constantemente, às vezes concentradas em ondas, nas terras de cultura contradiz a tudo que se pode extrair de maneira confiável das fontes. Lendo-se as fontes criticamente, i. é, não de antemão à luz da teoria da transumância, evidencia-se, além disso, que as formas de vida dos beduínos árabes não são tão antigas como se presumia. Comprovações seguras para o chamado sistema dos nômades guerreiros montados em camelos e para o nomadismo de transumância não existem antes da 2a metade do 2 milênio a.C.: essas formas originais de vida dos beduínos só surgiram entre 500 e 200 a.C.. Não se pode, portanto, simplesmente transferir traços característicos de beduínos árabes para fenômenos do 2a milênio ou da I a metade do 1 Qmilênio a.C. Isso não significa que nessas épocas mais antigas não tenham existido nômades. Eles aparecem em textos de origem variada do Oriente Antigo, inclusive no AT, sem que as características típicas da mudança anual de pastagens desempenhem aí algum papel. Especialmente rica quanto a isso é a correspondência de Mari no Médio Eufrates, se bem que de modo algum apenas ela. A estrutura social dos nômades primitivos é complexa, em muitos traços comparável à dos beduínos árabes, mas em outros completamente diferente.
O quadro que se apresenta à análise é tão colorido que, como conseqüência primeira e principal, se deve insistir numa definição puramente formal do conceito “ nômades” : nômades são pessoas não-sedentárias em contraposição às sedentárias. Sob esse amplo guarda-chuva podem reunir-se pessoas e grupos de pessoas muito diferentes: caçadores, coletores, criadores de gado miúdo, agricultores migrantes, metalúrgicos ambulantes, ciganos, foras-da-lei das cidades e outros mais. Os nômades do 2a e do I a milênio a.C. não se enquadram no esquema simples “ do deserto para a terra cultivada” . Entre eles se encontram os chamados agricultores migrantes, i. é, pessoas não-sedentárias, meio agricultores e meio criadores de gado, que vivem na terra cultivada, nas cercanias das cidades fortificadas ou na margem da terra cultivada, muitas vezes em dependência das cidades e em comunhão de vida com elas. Além deles, há criadores de gado miúdo que são nômades no sentido mais estrito e próprio: pessoas não-sedentárias que têm a criação de gado miúdo como monocultura. Podem aparecer nas regiões das estepes, mas não só aí: tàmbém nas regiões de estepes e desertos no interior da terra cultivada, como p. ex. no Deserto de Judá, ou em áreas menos habitadas afastadas das cidades e situadas entre cidades. Neste caso fala-se de nômades montanheses, que não têm nada a ver com o deserto siro-arábico, mas vivem sempre em terra cultivada. Eles subsistem também entre os beduínos árabes de hoje em dia. Outros grupos de nômades têm campos de operação mais amplos, alternando por vezes entre a Palestina e o Egito (os chamados sh ’sw, leia-se talvez shasu, dos textos egípcios)1 ou entre a Palestina, a Síria e a Mesopotâmia (os sutu das cartas de Amarna)12, em todo caso, em extensões maiores, sem que desses movimentos se pudessem derivar processos regulares. Por fim deve-se considerar que nômades também podem provir de povoações fortificadas: elementos que passaram por uma descensão social e foram desalojados das cidades e das aldeias, foras-da-lei que assumiram uma vida nômade, por assim dizer, apenas secundariamente, tendo sido obrigados a isso. Destes fazem parte os chamados ‘apiru “. No conjunto temos aí um quadro multifacetado e, ao esboçá-lo, tende-se a voltar automaticamente ao sistema dos beduínos árabes de nossos dias, que também não é uniforme em sua composição e estrutura. Ora, se o beduinismo primitivo era tão multifacetado, também se deve contar com a existência de processos de tomada da terra muito diferenciados. O historiador depreenderá de tudo isso uma advertência: a de não ter concepções simples demais a respeito do nomadismo palestino antigo e basear nelas suas conclusões.
Que sabemos sobre a população sedentária da Palestina na época préisraelita, i. é, principalmente no 2° milênio a.C.? O grande discurso de despedida que Moisés fez pouco antes de sua morte e antes do início da tomada da terra pelos israelitas — como é estilizado o Deuteronômio — diz, segundo Dt 19.1s: “ Quando Javé, teu Deus, exterminar os povos cuja terra Javé, teu Deus, está em vias de te dar, e tu os tiveres dispersado e tiveres fixado residência em suas cidades e casas, deverás escolher três cidades na terra que Javé, teu Deus, te dará por propriedade!” A concepção subjacente a esta e a numerosas outras passagens do Dt é a de que haveria uma total tabula rasa em termos populacionais na Palestina, um vácuo que Javé teria criado antes e ao longo da tomada da terra e no qual Israel teria ingressado a seguir, como que da noite para o dia. Essa concepção é teoria; ela absolutamente não corresponde à realidade histórica. Israel não ingressou em bloco na Terra Prometida nem se instalou confortavelmente nas cidades e moradias vazias dos cananeus, e tampouco os cananeus foram erradicados. Em tudo isso não se pode nem pensar. E necessário dar-se conta de que a Palestina já havia passado por um desenvolvimento cultural e geográfico-habitacional milenar antes de as tribos israelitas se constituírem nesse país e de que o resultado desse desenvolvimento inicialmente não foi afetado em nada ou em quase nada pela chamada tomada da terra pelos israelitas. É preciso esboçar rapidamente o quadro da Palestina cananeia, pré-israelita.
Desconsiderando-se os resultados do trabalho arqueológico na Palestina, para o 2e milênio a.C. estão à disposição fontes literárias de diferentes categorias e gêneros: principalmente os textos egípcios de execração da 12a dinastia, os relatos de campanhas militares dos faraós da 18a à 20a dinastia, os textos em escrita cuneiforme de Alalaque do séc. 18 e 15 a.C., a correspondência de Amarna do séc. 14 a.C. e os textos de Ugarit do séc. 14/13 a.C.13. Nessa época a população sedentária do corredor siro-palestinense era tão pouco uniforme quanto antes e depois. Constata-se uma mistura multicolor de elementos populacionais de diversas origens, se bem que com uma clara predominância semitica. Arqueologicamente, trata-se da Idade do Bronze Médio (cerca de 2000- 1600 a.C.)16 e Recente (cerca de 1600-1200 a.C.), próximo do fim do milênio em torno da Idade do Ferro I (cerca de 1200-1000 a.C.). Nessas épocas predominava na Palestina o elemento populacional semítico dos cananeus, que por sua vez não era uniforme. Característico das idades do Bronze é o florescimento da cultura urbana, que já fora iniciada e desenvolvida no perío- do calcolítico (4a milênio a.C.). As planícies da Palestina, em especial, estão cobertas por uma malha fina de povoações urbanas muradas que também politicamente formam unidades: na planície litorânea, na Baía de Aco, na Planície de Meguido, na Baía de BeteSeã, também no Vale superior do Jordão (no recôncavo do Lago Hule) e no Planalto da Transjordânia. As regiões montanhosas da Cisjordânia, na época com mais florestas do que tempos mais tarde, são menos densamente povoadas. As cidades maiores são centros de cidades-estado de âmbito territorial pequeno: uma cidade-mãe com localidades menores ao redor, as chamadas “ cidades-filhas” e aldeias (Nm 21.25,32; Js 15.45; Jz 11.26 e passim).
A Palestina apresenta no 22 milênio um quadro multicolor de um sistema de pequenos estados: um sistema de cidades-Estado cananéias cujos membros apenas raramente e de passagem constituem estruturas políticas abrangentes, como p. ex. o reino de Labaia e seus filhos, na época de Amarna, com o centro em Siquém, ou coalizões ocasionais contra inimigos comuns. Por via de regra as cidades-Estado estão constituídas monarquicamente; à sua testa encontra-se um rei originário da classe alta aristocrática, que pode ser membro de uma dinastia. O reduzido campo de atuação desses “ monarcas” nos leva a crer que a designação “ prefeito” seja mais plausível do que grandes títulos como “ príncipe” da cidade ou até mesmo “ rei”. Os textos utilizam títulos diferentes: “o grande de NN” (wr NN) em documentos egípcios; “ o homem de NN” (amei N N ) em Alalaque, Amarna e Ugarit; “o chefe, o prefeito” (LÚhazannu) em Amarna; “ o rei” em geral no AT (Js 8.1; 9.1; 10.1; 11.1 e passim). Nos textos de Alalaque as agremiações da aristocracia da cidade se chamam “ chefes, magistratura”, nas cartas de Amarna “senhores da cidade” (LUMESHbek aliKI), no AT igualmente “ senhores da cidade” (Js 24.11; Jz 9.2; 1 Sm 23.11 e passim) ou “anciãos” (Dt 19.12; Js 9.11; Jz 8.14 e passim). Mais raramente do que principados citadinos ocorrem cidades-Estado constituídas de forma aristocrático-oligárquica: Siquém (Jz 9), Sucote e Penuel (Jz 8.5-9), Gibeom (Js 9). Assim, temos aí um quadro que, para a Palestina da era cananéia, não é, nem mesmo por aproximação, nem étnica nem politicamente uniforme. O AT está objetivamente correto ao empregar, além do termo sintético “ cananeu” (Gn 12,6; Js 7.9; Jz 1.1 e passim), toda uma série de nomes de povos, numa composição variada, para designar a população pré-israelita: p. ex., “queneus, qucnezeus, cadmoneus, heteus, ferezeus, refains, amorreus, cananeus, girgaseus e jebuseus” (Gn 15.19-21)23. Além do mais, ele está fundamentalmente correto ao falar, mesmo na tardia teoria deuteronômica, de “ cidades” e de “ casas” nas quais vive a população cananeia anterior e que os israelitas deveriam conquistar e habitar no decurso da tomada da terra (Dt 19.Is. e passim). Nunca se esqueceu que os cananeus eram urbanos, o que naturalmente não quer dizer que todos morassem em cidades, mas sim que sua organização política era de cidades-Estado.
—– Retirado de: Herbert Donner – Historia de Israel e dos povos vizinhos, vol.1.
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