Cicno, filho de Marte, estava um dia sentado e — coisa rara — pensativo.
— Todos os deuses têm um templo, e somente meu pai, o bravo Marte, é que não dispõe de um. Ora, isto é injusto! — exclamou, pondo-se em pé.
Cicno decidiu, então, pôr mão à obra. Mas ele queria que o templo fosse original e fizesse menção direta ao ofício de seu pai. Depois de muito pensar, Cicno, que tinha o corpo de um gigante, chegou à seguinte e brilhante conclusão:
— Já sei! — disse, dando um grito de alegria. — Farei com que, em vez de pedras, sejam utilizados ossos na confecção do templo.
Depois de analisar o número e o tamanho dos ossos que seriam necessários, Cicno, armado de sua poderosa clava, saiu à cata de seu material de construção. Por onde quer que passasse, ia abatendo as pessoas que julgava terem ossos de boa qualidade, arrastando-as em seguida até o seu covil. De um lado ia empilhando as caveiras, branquinhas, para fazer o teto —
um teto maravilhoso, com crânios unidos uns aos outros! -, e de outro deixava separados os ossos longos, que reunidos em feixes da espessura de colunas dariam futura sustentação ao prédio.
— Absolutamente genial! — exclamava ele toda vez que retirava do caldeirão um novo monte de ossos limpinhos.
Um dia, Cicno, que havia se tornado o terror de toda a região, estava à procura de mais algumas vítimas, quando se deparou com ninguém menos do que Hércules, o mais famoso herói de toda a Grécia. “Que ossos enormes deve ter!”, pensou, dando uma cuspida em sua clava. E
arremeteu em direção ao herói, pois, mal informado que era, nem desconfiava de quem se tratava.
— Muito bem, grandalhão, vamos ver agora! — disse Cicno, dando uma tremenda bordoada na cabeça de Hércules.
O gigante, entretanto, apenas passou de leve a mão sobre o cabelo e a estendeu para o céu, dizendo calmamente:
— Teremos chuva?
Cicno, sem se dar por vencido, tomou duas clavas e desferiu dois novos golpes sobre a cabeça da sua vítima.
— E, já são duas gotas! — resmungou Hércules, ligeiramente contrafeito. Quando se virou, no entanto, deu de cara com Cicno, que investia contra si pela terceira vez. Entendendo, então, o que se passava, Hércules tomou o agressor pela garganta e o arrojou de encontro a uma montanha. E foi assim que Cicno, desastrado, baixou à casa de Plutão.
Seu pai, Marte, contudo, ao saber da notícia, muito se amargurou:
— Me vingarei deste cruel, que matou um filho que só queria me homenagear!
Marte, contudo, não se saiu melhor que o filho, e por pouco um imortal não perde a vida às mãos do poderoso Hércules, que o golpeara rudemente com a sua lança.
— Só me resta fazer por meu filho o que ele pretendia fazer por mim — disse Marte, machucado, decidido a reparar o erro de Cicno com o mesmo erro.
O deus da guerra ordenou, então, a Ceix, sogro de seu filho morto, que reconstruísse o templo que ficara pela metade, agora em honra do falecido:
— Quero que fique tão belo quanto estava destinado a ser.
Outra vez montanhas de ossos foram empilhadas e dispostas harmoniosamente para que se cumprisse uma mesma desastrada e funesta vontade. Depois de alguns anos, Ceix invocou o poderoso deus.
— Está pronto, ó Marte divino, senhor supremo das batalhas!
Uma grande festa foi realizada, embora nenhum deus tenha comparecido. Na verdade, Marte, com suas extravagâncias, não era lá muito querido pelos seus colegas de imortalidade.
A festa já estava quase no fim, quando se ouviu um ruído avolumar-se, vindo ninguém sabia exatamente de onde. Aquilo parecia o zumbido de um besouro — mas que gigantesco besouro devia ser!
— Descubram logo o que é isto, pois meus ouvidos não podem suportá-lo mais! —
esbravejou Marte, tapando as orelhas.
Ao invés de diminuir, o ruído mais e mais aumentava, até que finalmente a coisa se revelou: descendo do alto das montanhas, vinha a toda fúria o rio Amaro, convocado pelos deuses para destruir aquele templo infame.
Marte escapuliu a toda pressa, enquanto o deus-rio, furioso, investia sobre as colunas do templo, arrancando-as pela base e fazendo desmoronar, até a última caveira, o malfadado templo.
E naquele dia o ameno Amaro levou em suas torrentes tantos ossos de gente morta, que quem via suas águas passarem em turbilhão pelos vales pensava antes que era o próprio Estige infernal que subira à superfície para regurgitar seus mortos.
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