Quando Aloeu e Ifimedia viram no berço os seus dois filhos recém-nascidos, ficaram encantados, como todos os pais.
— Este se chamará Oto — disse Aloeu.
— Este se chamará Efialtes — disse Ifimedia.
Eram dois belos garotos, embora um pouco crescidinhos demais.
— Isto é saúde — dizia Ifimedia ao impressionado marido.
Mas Ifimedia sabia que havia uma explicação para aquilo — uma explicação que não convinha ao marido saber. Pois tanto Oto quanto Efialtes não eram filhos do mortal Aloeu (embora o nome pelo qual ficariam conhecidos, “Aloídas”, fosse uma homenagem ao pai postiço), mas sim filhos de Netuno, deus dos mares.
Ifimedia ainda se lembrava da época em que se apaixonara pelo poderoso deus. A tática que usara não fora das mais originais, mas tivera lá seu encanto: um belo dia, chegando à beira da praia, tomou a água na concha das mãos e derramou-a sobre o seio. No dia seguinte, repetiu a operação, e assim foi até quebrar a resistência do deus, que acabou por unir-se a ela. O resultado foram aqueles dois belos garotos, embora, é verdade, fossem um tanto exageradamente grandes.
No primeiro ano, por exemplo, já haviam atingido, cada qual, meio metro de largura e dois metros de altura. E assim, a cada ano, iam crescendo nessa mesma proporção, até o ponto em que, antes dos dez anos de idade, já tinham cada qual dezoito metros de altura e quatro metros e meio de largura. Ambos eram agora perfeitos gigantes, descabelados e sujos, pérfidos e sinistros.
“Definitivamente, isto não é normal”, pensava Aloeu, a cada novo dia.
Mas o que mais constrangia aos pais era o ódio que tanto Oto quanto Efialtes nutriam contra os mortais. Não havia dia em que não esmagassem alguém por pura diversão. Mas quando sua mãe os recriminava, sorriam perversamente e respondiam apenas:
— São só mosquinhas, mamãe.
— É, mamãe, mosquinhas sem asas.
E assim continuavam alegremente a matar as suas mosquinhas, até que um dia conceberam uma nova diversão, infinitamente mais ousada.
— Mano, que tal declararmos guerra aos deuses? — disse um dia Oto a seu irmão, num momento de tédio.
— Que ótima idéia! — exclamou Efialtes, cujo cérebro, a exemplo do irmão, não havia se desenvolvido tanto como o restante do corpo.
Ambos já haviam, na verdade, brigado com um deus, alcançando um bom resultado.
Após uma discussão com Marte, o deus da guerra, haviam-no aprisionado dentro de um tonel durante treze meses, debaixo de algemas e correntes. Como fora divertido ver todos os dias o presunçoso deus das armas todo dobrado dentro do pote, como um inseto em um jarro! Se não fosse o sagaz Mercúrio libertá-lo de sua vergonhosa prisão, ainda hoje estaria lá, com toda a certeza.
Mas agora o projeto dos aloídas era maior, infinitamente maior: nada menos que a conquista do céu, morada dos deuses.
No mesmo dia Oto arrancou do chão o monte Ossa e empilhou-o sobre o monte Olimpo. Efialtes, entusiasmado, arrancou o monte Pélion pela raiz e lançou-o sobre a pilha.
Escalando, então, essa massa pedregosa, ambos chegaram ao topo. Nunca haviam se sentido tão gigantes quanto agora, olhando tudo daquela alta imensidão. O céu estava ao alcance dos seus olhos; é verdade que ainda tinham de ficar na pontinha dos pés, mas já era o bastante para verem o que se passava lá em cima, na vastidão celestialmente azul da morada dos deuses.
— Veja, mano, que beleza! — disse Oto. — Ali está o palácio de Júpiter!
— Sim, e ali estão duas deusas! — exclamou Efialtes. — Quem serão? Eram Juno, a esposa de Júpiter, e Diana, a deusa da caça. As duas conversavam animadamente, gozando daquele fim de tarde verdadeiramente paradisíaco.
Efialtes concebeu logo uma paixão ardente por Juno, enquanto Oto perdeu-se de amores pela bela Diana.
— Vamos casar com elas, assim que destronarmos Júpiter e sua cortezinha! — disse Efialtes, esfregando as mãos.
— Mas será que não nos vencerão? — perguntou Oto, em um de seus raros momentos de vacilação.
— Ora, mano! — disse Efialtes, dando um tapa na cabeça do irmão. — Esqueceu que somos imortais e que a única maneira de sermos mortos é nos matando um ao outro?
— Sim, bem sei — disse Oto. — Você nunca irá me matar, não é?
— Claro que não! — respondeu Efialtes. — E você?
— Também não, é claro.
Mas o ruído todo que haviam feito para escalar a pilha das montanhas já havia despertado a atenção de Júpiter, que há muito os trazia sob vigia. Diana, então, se ofereceu para pôr um fim às loucas pretensões dos dois perversos irmãos.
— Deixe comigo, papai — dissera ela a seu pai, Júpiter. — Darei um jeito nos dois.
Assim, convidou um dia Oto e Efialtes para uma caçada. Os dois aceitaram imediatamente, especialmente o primeiro, que pretendia desvirginar a sua amada naquele mesmo dia.
Embrenhados na mata, Diana soltou, então, uma ágil corça — a mais rápida de quantas havia em todo o mundo.
— Eis a caça, poderosos irmãos! — exclamou Diana, aos dois, que portavam com arrogância seus arcos. — Se você matá-la primeiro Oto, terá a minha mão! E se for você, Efialtes, receberá por prêmio a bela Juno, que o aguarda, ansiosa, em seu leito formoso.
Oto e Efialtes saírem aos trancos e barrancos, derrubando árvores e chutando montes atrás da pequena e ladina corça. Mas por mais que corressem só podiam ver seu frágil e pequenino vulto embrenhar-se pelas moitas e vegetação.
— Não consigo fixar meus olhos nela além do instante de um relâmpago! -queixava-se Efialtes, lançando as flechas para todos os lados.
— E uma corça mágica! — esbravejava Oto, com a língua gigantesca pendendo para fora da boca.
— Ei, vocês dois! — gritou-lhes a bela Diana, com sua aljava às costas. Os dois gigantes aproximaram-se, desanimados. Haviam despido as suas peles de tigres (trezentos tigres mortos para cada traje!) e estavam inteiramente nus, cobertos apenas por uma grossa camada de pêlos molhada de suor.
“Hum, gigantes, é?… “, pensou Diana, com um sorrisinho de desdém.
— Como faremos, bela Diana, para acertarmos essa diabólica corça? — disse Oto.
— Estão vendo aquele desfiladeiro logo adiante? Sim, ambos estavam vendo.
— Vi a corça dirigindo seu ágeis passos em direção àquela estreita garganta — disse Diana das belas pernas. — Se eu a encurralar, ela não terá outro jeito senão atravessar a estreita passagem. Postados, então, cada qual de um lado do desfiladeiro, será muito fácil que um dos dois a alveje.
Oto e Efialtes apertaram as mãos, satisfeitos: estavam no papo (a corça e as deusas)!
Assim, cada qual foi para um lado do desfiladeiro. Misturados às árvores, ficaram de atalaia durante o restante do dia, até que ao cair da noite surgiu a corça na curva que dava entrada à garganta. Os dois gigantes empunharam seus sólidos arcos e engancharam neles quatro flechas cada um.
“Cinco é melhor, mano!”, fez Oto, espalmando sua gigantesca mão e mostrando seus gigantescos quatro dedos.
Efialtes, sorrindo, fez um sinal de ok, com o dedão erguido.
A corça, parecendo exausta, adentrou o estreito corredor e foi neste passo lento até estar exatamente entre os dois. Quando escutou, porém, o primeiro sibilar dos dardos, que partiam velozes dos retesos arcos, a corça disparou em tal velocidade que antes pareceu haver sumido diante dos olhos dos dois gigantes. As dez flechas — cinco vindas de cada lado — cruzaram-se velozmente entre si, sem se tocarem, e foram alcançar os dois hábeis caçadores.
Oto e Efialtes caíram mortos, cada qual com cinco flechas cravadas no rosto, e os deuses olímpicos viram-se livres dos gigantes aloídas.
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