Menelau e Proteu

Menelau, regressando vitorioso de Tróia, tem agora, diante de si, a ninfa Idotéia.

— Bela ninfa, que aqui me vês perdido com meus barcos e homens nesta costa do Egito, para nós tão inóspita e longínqua quanto a extremidade do mundo! — diz o audaz navegante. —

Durante os últimos anos não temos feito outra coisa senão tentar regressar a nossos lares e retomar o doce remanso que eram nossas vidas antes dessa guerra cruel, que tantas vidas custou a vencidos e vencedores…

— O, bravo Menelau! — responde a suave ninfa. — A sua presença e a da sua esposa Helena só podem enobrecer estas águas que ora vos sustentam. Porém compreendo perfeitamente a razão das suas queixas. Por isso, vou dizer agora o que você deve fazer para alcançar o rumo de sua casa.

— Diga, ninfa gentil, e lhe seremos gratos por toda a vida! — exclama Menelau, redobrando a atenção.

— Filha sou de Proteu, o pastor dos rebanhos aquáticos de Netuno, de quem é filho, e somente da boca dele vocês poderão escutar o que as suas alma desejam ouvir. Ele tornou-se um grande adivinho, recompensado que foi por seu pai pelos serviços que continuamente lhe presta, e saberá perfeitamente indicar o caminho que vocês devem seguir.

Os rostos de Menelau e de seus homens refulgem.

— Porém, cuidado! — diz a ninfa, suspendendo um alvo dedo. — Meu pai, por ter sido tão importunado em razão desse seu dom, tornou-se o mais esquivo dos seres. Eis por que de nada valerão as artes da eloqüência se você desejar dele se aproximar.

Depois de orientado, então, acerca dos artifícios de que deveria valer-se para arrancar do fugidio Proteu a informação que precisava, Menelau e seus barcos partiram com a velocidade do vento.

♦♦♦

O dia amanheceu e segue já o seu curso. Escondidos ao pé de uma gruta não menos oculta estão Menelau e três de seus companheiros.

— Atenção, todos! — declara o comandante. — Devemos agora munir-nos de paciência e aguardar até que Proteu faça sua aparição.

O sol está a pino, e é nesse exato instante que a figura imponente do filho de Netuno surge das profundezas do mar. A água salgada escorre em cachoeiras de seus longos cabelos e lhe desce em ondas sinuosas pelo corpo escamado. Um rebanho imenso de peixes e animais marinhos turbilhona ao seu redor, parecendo disposto a segui-lo em terra.

— Estejam silentes, agora, inquietas criaturas! — esbraveja Proteu. — Chegou a hora de meu descanso, na qual terei por companheiro apenas o discreto Silêncio.

Com efeito, Harpócrates, a divindade do silêncio, ali está postada à entrada da gruta.

Proteu, sabedor da natureza discreta da divindade em questão, sabia também que o melhor jeito de homenageá-la é passar por ela sem nada dizer.

— Vamos atrás — diz Menelau aos três companheiros.

Os quatro carregam a oito mãos uma corda extraordinariamente grossa, arrancada de suas embarcações. Mais tarde, tão logo escutam um forte ressonar dentro da gruta, adentram-na, sem serem importunados pelo Silêncio, que já partiu adejando, aborrecido com aquele som pavoroso.

Uma vez lá dentro todos são obrigados a tapar os ouvidos com as mãos, tão forte o ronco do deus.

— Pelos deuses! — exclama um dos homens. — Parece que escuto seu ronco nas profundezas de uma enorme concha marinha!

— Silêncio, ou daqui a pouco o escutará nas profundezas escuras do seu estômago! —

adverte o prudente Menelau.

Mas Proteu está mergulhado num sono pesado, e nada além do estrépito de seu ressonar poderá tirá-lo do estado que os poetas chamam de irmão da morte.

Menelau ordena a seus homens que amarrem fortemente os membros do deus. Depois de o imobilizarem, agarram-se ainda, com todas as suas forças, aos seus braços e pernas.

— Ó Proteu, digno pastor dos rebanhos de Netuno! — lisonjeia Menelau, agarrado ao pescoço do deus. — Perdoa nossa rudeza, mas foi-nos dito que doutro modo as suas sábias palavras não se fazem ouvir.

O deus, acordando, dá-se conta de sua desafortunada situação.

— Como, então, se atrevem, reles mortais? — ruge Proteu, tentando desvencilhar-se.

Mas é tudo em vão. Sentindo seus membros completamente imóveis, o deus recorre, então, a um espantoso recurso: numa fração de segundos, ei-lo transformado em um pavoroso leão.

— Agarrem-no, ainda uma vez! — exclama Menelau, de músculos retesados. A fera debate-se com fúria, porém inutilmente. Vendo seu insucesso, o deus muda-se agora em dragão.

— Segurem-no, mais uma vez! — exclama novamente o audaz Menelau.

O dragão debate-se horrivelmente, cuspindo labaredas para todos os lados. Mas é ainda em vão: continua solidamente preso às amarras e aos braços dos cinco homens robustos.

— Por quanto tempo resistiremos ainda a este dragão? — exclama um deles a Menelau.

Mas já é um leopardo que agora todos abraçam.

— Força, ainda uma vez!

Dentro em pouco um enorme javali escoiceia sob as cordas, arremetendo com suas presas afiadas contra os seus captores.

— Comandante! — diz agora outro homem, numa dúvida assustada. — Se é verdade que ele pode também tomar a forma da água, como faremos para mantê-lo preso em nossas mãos?

— O primeiro passo é afrouxar o músculo solto de sua língua e retesar os demais! —

exclama Menelau, rubro do esforço de manter imóvel o deus.

Felizmente, porém, Proteu dá-se por vencido.

— Vamos, satisfaçam logo sua curiosidade e deixem-me em paz! — exclama o deus, furibundo. A entonação de sua voz é a de quem dá uma ordem e jamais a daquele que admite, humilhado, a derrota.

E foi assim que Menelau obteve a sua resposta acerca da direção que devia seguir para chegar em casa e partiu de volta para o seu reino. Junto dele seguia Helena, sua adorável mulher, que em artes de mutabilidade excedeu o talento de qualquer outro deus.


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