Jasão é, junto com Hércules, um dos maiores heróis gregos que a história lendária registra.
Sua vida é repleta de fatos notáveis, e suas aventuras pedem um romance inteiro para ser contadas. Seus feitos, contudo, podem ser perfeitamente fragmentados sob a forma de pequenos episódios, de tal sorte que o leitor pode lê-los alternadamente, sem perder nunca o fio da meada.
O primeiro episódio de relevância — ainda que um tanto singelo — ocorrido na vida do grande Jasão deu-se ainda na sua juventude. Seu pai, o rei Esão, havia passado o governo de seu país para o seu próprio irmão, Pélias. Estabelecera, no entanto, a condição de que a coroa deveria ser passada a seu filho Jasão — e sobrinho de Pélias — tão logo este alcançasse a maturidade.
Enquanto isso, Jasão teve a sua educação posta aos cuidados do centauro Quíron, num lugar distante dali. Junto a esse personagem, Jasão desenvolveu todas as suas aptidões, das quais faria uso mais tarde nas suas inumeráveis aventuras. Os anos se passaram até que, completada a sua educação, Jasão retornou para a sua pátria, pronto a herdar o trono que por direito lhe cabia.
Como gostava muito de caminhar, Jasão preferiu fazer seu longo percurso a pé, conhecendo muitas terras e climas.
Um dia, chegando próximo de um largo rio, preparava-se para atravessá-lo, quando avistou às margens uma velha, curvada pelo peso dos anos. Jasão -que já despira seu manto, para fazer mais livremente a travessia — ficou sem graça ao perceber que a velha erguera a cabeça branca, detendo-se a estudá-lo com seus olhos cansados.
Jasão, tendo aprendido que o respeito aos velhos era sua primeira obrigação, adiantou-se em direção a ela, procurando ocultar as suas partes.
— Perdoe, minha senhora, por me apresentar desta maneira — disse o jovem Jasão, que não era então mais que um garoto.
— Não se acanhe — disse a velha. — Meus olhos já estão cansados para quase tudo, menos para a beleza. Para ela, ainda tenho luz no olhar.
De fato, a velha não tirava seus olhinhos franzidos do corpo do jovem. Sua malícia residual parecia guardar ainda o frescor de sua remota juventude. Jasão julgou, por um momento, enxergar por detrás dos traços cansados da velha um resto de sua antiga e extinta beleza.
— Posso ajudá-la de alguma maneira? — perguntou, procurando desviar da cabeça aquelas estranhas cogitações.
— Gostaria que me ajudasse a passar para o outro lado — respondeu a velha, passando a língua seca sobre os lábios murchos. — Veja, sou fraca, e os anos não permitem mais que me aventure a mergulhar sozinha nestas águas.
Jasão imediatamente suspendeu-a em seus braços, escorando-a nos ombros, pronto a carregá-la até a outra margem. A velha, sem se fazer de rogada, abraçou-se ao torso dele, colando seu rosto familiarmente ao ombro do jovem.
Jasão atravessava as águas do rio, calculando seus passos. Não podia deixar de notar que a velha ainda possuía mãos macias, que deslizavam sobre suas costas de modo inquieto. “E pena ser uma velha”, refletiu, censurando-se pelos maus pensamentos.
Mas aquilo parecia não ser apenas uma impressão. Jasão agora sentia que as mãos dela passavam sobre sua nuca, subindo até o topo da sua cabeleira negra e esvoaçante. Sem poder se conter mais, virou seu rosto para a face da velha, algo escandalizado.
— O que foi, meu rapaz? — disse a anciã, com um sorriso que parecia lhe trazer de novo toda a juventude ao rosto.
— Nada, nada, minha senhora… — replicou Jasão, vexado de sua má impressão. No entanto, ao desviar os olhos não pôde deixar de passá-los de relance pelo busto da idosa mulher, que se exibia livremente pelo decote da esfarrapada túnica. Pela abertura, entreviu perfeitamente um dos seios, absurdamente firme e rijo, como o de uma mulher na mais verdejante juventude.
“Estou delirando!”, pensou Jasão, atarantado. Por um momento teve o instinto de largar a velha no rio e deixá-la ali, sozinha, a debater-se nas águas. “E se for uma feiticeira?”
Sua reflexão foi bruscamente interrompida quando sentiu que a mão da velha — tinha a absoluta certeza — pressionava as suas costas de um modo absolutamente inconveniente e constrangedor.
— O que é isto, minha senhora? — exclamou, surpreso.
Uma gargalhada sonora, jovial e cristalina, ressoou em seus ouvidos. Assustado, Jasão voltou-se outra vez para a velha. Mas não tinha mais diante de si a face enrugada de uma anciã, mas uma face divinamente jovem, que tinha, no esforço do riso, os olhos franzidos sem o menor vestígio de rugas. Seus dentes, claros e cristalinos, brilhavam sob a luz do sol, enquanto os lábios mostravam-se carnudos e rubros como os de uma jovem no auge da beleza.
— Não se assuste! — disse a encantadora mulher, ainda em seus braços. -Foi apenas uma brincadeira.
Jasão, ainda encabulado — e um pouco amuado por ter sido feito de bobo -, tinha agora em suas mãos duas coxas firmes e palpitantes.
— Eu sou Juno, a rainha dos céus — disse a mulher-, e estava apenas testando o seu caráter.
A ciumenta e virtuosa esposa de Júpiter, como se vê, cansara de sofrer as traições de seu volúvel marido e fora se divertir um pouquinho também. O que a deusa perdeu em virtude ganhou em charme e encanto. Nunca seu riso foi tão espontâneo, e seus gestos, tão livres e doces. Em vez de queixas e recriminações, da sua boca saíram, agora, somente uma risada franca e algumas palavras inocentemente maliciosas.
— Porque me ajudou a cruzar este rio, decidi tomá-lo sob minha proteção -disse Juno ao surpreso Jasão, fazendo-se de séria. — Já sei que você é um homem de caráter e fidalguia.
A seguir, retomando seu bom humor, pôs-se de pé, deixando nas mãos do herói os farrapos de sua velha túnica. Lado a lado com o herói, permitiu-se a liberdade de continuar abraçada, mas seguindo com as próprias pernas.
Juno parecia ter melhorado ainda mais o seu humor; enquanto torcia os fios de seus cabelos molhados, cantava uma canção descontraída, muito diferente dos aborrecidos hinos que era obrigada a escutar todos os dias em seu templo. Jasão, que completara a sua educação nas águas daquele maravilhoso rio, também estava alegre. Encontrava-se muito distraído, tanto que acabou esquecendo uma de suas sandálias na margem do rio, seguindo o restante do percurso até sua casa com um dos pés descalços.
Um oráculo feito há muito tempo ao seu tio, Pélias, dissera que ele deveria temer um homem que surgiria desprovido de calçado. Quando Jasão chegou no reino que lhe estava prometido, o rei, sabendo da sua chegada, correu, inquieto, a recebê-lo.
— Há quanto tempo, meu querido sobrinho! — disse Pélias, com um sorriso amarelo, que desapareceu inteiramente de seu rosto ao olhar para um dos pés descalços do jovem.
— O que houve com a outra sandália? — perguntou.
— Ah, perdi no caminho… — respondeu o herói, distraidamente.
Isto deu ao pérfido rei a certeza de que Jasão era o homem da profecia. Cumpria, pois, desvencilhar-se dele imediatamente. Além do mais, Pélias jamais pensara em devolver o governo do reino às mãos do filho do antigo rei. Depois de receber o jovem em seu palácio, teve com ele uma longa conversa, querendo saber tudo sobre a sua educação. As palavras do jovem Jasão, no entanto — que ainda era um pouco ingênuo -, lhe entravam por uma orelha e saíam pela outra.
Pélias tinha sua mente ocupada, pensando em como afastar de si o importuno sobrinho. Como fazer para matar o rapaz, sem que o acusassem do crime?
Durante toda a noite pensou sobre isto. No outro dia, logo cedo, chamou o jovem à sua presença.
— Jasão, o trono é seu! — disse o rei interino. — Pode ocupá-lo já, se quiser — disse Pélias, estendendo-lhe o cetro e apontando a magnífica cadeira dourada.
O jovem, passando as mãos nos cabelos, deu um ligeiro suspiro de apreensão. Já se dispunha, no entanto, a assumir as suas funções, quando o rei o atalhou:
— Antes disso, porém, tenho uma sugestão melhor a lhe fazer. Caso você consinta em abraçá-la, fará de você um rei maior do que qualquer outro — disse Pélias, estendendo os braços, como se abarcasse com eles o mundo.
O jovem escutava as palavras do tio com atenção.
— Que tal, antes de assumir o seu posto, partir em busca do Velocino de Ouro?
Jasão conhecia a fama de tal aventura — tida por impossível, já que o tal Velocino, segundo diziam, estava protegido por um monstruoso dragão.
— Mas isso é uma tarefa que está, com toda a certeza, além de minhas forças —
respondeu, ao mesmo tempo fascinado com o desafio e inseguro de sua pouca experiência para tentar tamanha proeza.
— Nada estará além de você, desde que ponha nisto sua fé e energia -disse-lhe o tio, tentando enganá-lo com sua filosofia barata. — Além do mais, os deuses estarão do seu lado!
Jasão lembrou-se imediatamente da promessa de proteção que Juno lhe fizera enquanto ele a carregava nos braços. Empolgado, resolveu pôr à prova a sua juventude e energia. Num ímpeto característico de sua idade, exclamou, diante do trono:
— Está bem, aceito seu conselho, meu tio. Partirei com alguns homens pelo mar até alcançar o reino onde se esconde o Velocino de Ouro e o trarei, para honra e glória de meu futuro reino.
Pélias, já dando o sobrinho por morto, abraçou-o efusivamente:
— Que os deuses o protejam e você seja feliz em sua gloriosa aventura!
E foi assim que começou a famosa jornada de Jasão e os Argonautas em busca do Velocino de Ouro.
QUER VIRAR ESCRITOR?
PARTICIPE DO UNIVERSO ANTHARES! SAIBA COMO CLICANDO AQUI.