A Queda de Faetonte

Faetonte era o jovem filho do Sol e tinha, como todo adolescente, o gênio inquieto. Um dia, numa acirrada disputa que mantivera com um amigo — Epafo, filho de Júpiter -, garantiu a ele que era capaz de dirigir o veículo do pai.

— Impossível! — disse Epafo, com ar de zombaria. — Todo mundo sabe que o carro do Sol só pode ser guiado pelo próprio Sol! Além do mais, dizem que nem filho dele você é… !

Faetonte, chocado com a revelação, resolveu ir confirmar com sua mãe, a ninfa Climene.

— Mãe, Epafo disse que eu não sou filho do Sol — exclamou Faetonte, com as narinas dilatadas de indignação.

— Não dê ouvido às conversas dele, meu filho — disse Climene. — É claro que você é filho do Sol. Basta olhar para os seus cabelos dourados e sua pele bronzeada.

— Então quero uma prova — disse o jovem, intransigente.

— Que prova, seu bobo? — exclamou a ninfa, perdendo a paciência.

— Quero dirigir sozinho o carro do Sol! — disse Faetonte.

De nada adiantou a sua mãe dizer que isso era pura loucura; o rapaz tanto insistiu que Climene deixou que ele fosse procurar o pai, cuja residência ficava no ponto mais extremo do Oriente. Depois de vários dias de viagem, Faetonte chegou, afinal.

O palácio de Febo — como também é conhecido o Sol — era todo dourado, desde os alicerces até a mais alta cúpula. No interior, as escadarias de mármore despediam reflexos de um dourado intenso, de tal modo que não se sabia se eram as escadarias que refletiam o ouro das paredes ou as paredes que refletiam o ouro das escadarias.

— Faetonte, meu filho, o que está fazendo aqui? — disse o velho Sol, surpreso com aquela visita.

— Pai, antes de mais nada quero saber se sou mesmo seu filho — foi logo dizendo o inquieto rapaz.

— É lógico que é! — disse o Sol, passando a enorme mão na cabeça do filho, despenteando-o distraidamente.

— Então prove, atendendo ao pedido que vou lhe fazer!

Febo reclinou-se em seu trono, dando um suspiro. Era encrenca, na certa.

— Que pedido, meu rapaz, que pedido?

— Primeiro prometa que irá aceitar, qualquer que ele seja.

— Está bem, eu prometo, eu prometo.

— Pois bem, eu quero dirigir o carro do Sol amanhã, bem cedinho.

— Dirigir o quê?! — disse Febo, começando a prestar atenção ao que o filho dizia.

— É isso, quero tomar as rédeas do seu carro.

Febo alarmou-se com o pedido; não pensara que a audácia do filho chegaria a tanto.

Qualquer um sabia da dificuldade tremenda — e, sobretudo, da responsabilidade — que era dirigir o carro do Sol, conduzido pelos quatro cavalos selvagens e incandescentes que expeliam labaredas de fogo pelas ventas, arrastando a luz e o dia por toda a Terra.

— Meu filho, sinto muito, mas não posso permitir — disse Febo, tentando encerrar a discussão.

— Você disse qualquer coisa! — exclamou Faetonte, vermelho de desapontamento.

— Mas eu não podia imaginar que você iria me pedir um absurdo desses! -disse Febo, na defensiva.

— Não quero saber, promessa é promessa; amanhã vou dirigir o carro do Sol de qualquer maneira — disse o jovem, irredutível.

O velho deus ergueu-se de seu trono e foi dar uma volta pelo salão. A aurora já se anunciava e ele logo teria de partir em seu longo curso.

— Está bem, amanhã você irá comigo — disse o deus.

— Sozinho, pai, eu quero ir sozinho! — disse o rapaz. Depois, voltando os olhos para fora da janela do palácio, percebeu que o dia estava prestes a romper:

— Pai, não é a Aurora quem vai indo ali adiante? — Sim, era ela que, com suas vestes rosadas, lançava-se aos céus, anunciando o novo dia.

— Deixe-me ir hoje mesmo, pai! Por que esperar até amanhã?

— Para refletir um pouco melhor, apenas isto — disse Febo.

Mas o rapaz não queria saber de mais conversas. De um pulo desceu as escadarias douradas até chegar diante das portas onde estava guardado o carro. Uma das Horas aproximou-se, nervosa, do deus solar.

— Febo poderoso, já é hora de atrelarmos os corcéis de fogo ao carro. Veja, a Aurora já está indo, e é preciso que seu carro flamejante siga logo atrás! -disse.

Imediatamente os cocheiros correram à gigantesca cavalariça, de cujo interior podia-se escutar os relinchos e o escoicear impaciente dos cavalos, que pareciam adivinhar que a hora da saída já passara.

— Ligeiro, tragam os cavalos! — berrou Febo. Faetonte, eufórico, correu até a cavalariça.

— Para trás, rapaz, cuidado! — disse um dos cocheiros, que escancarara a imensa porta.

Um dos cavalos arremessou-se para fora da estrebaria, preso apenas por um laço, enquanto o cocheiro forcejava para mantê-lo sob seu domínio. Os olhos do cavalo disparavam chispas, enquanto sua boca emitia um relincho ensurdecedor. De suas ventas largas saíam jatos de fogo que teriam reduzido Faetonte a pó, se um dos serviçais não o tivesse afastado dali com sua mão potente.

— Suba ao carro, enquanto atrelamos os cavalos — disse o cocheiro ao rapaz, com evidente má vontade, sem parecer ligar a mínima para o fato dele ser o filho do deus Sol.

Outros três cavalos, do mesmo porte e fúria, saíram das cavalariças com o mesmo destino. Faetonte, obedecendo às instruções dos gigantes, já fora postar-se adiante do carro do Sol. Nada podia ser mais imponente do que aquela fabulosa máquina, que se assemelhava a uma enorme carruagem: o eixo, o timão e as rodas eram feitos do mais puro ouro, enquanto os raios das rodas eram todos prateados. Num salto ágil, Faetonte subiu para dentro do carro.

— Meu filho, já que você insiste nesta aventura louca, deixe que eu dê alguns conselhos!

— disse Febo ao filho, que fingia escutar, enquanto observava os cocheiros atrelarem os quatro monstruosos cavalos alados, cujas asas moviam-se inquietas como grandes línguas de fogo.

— Não podemos esperar mais! — disse uma das Horas, exasperada.

No mesmo instante, os criados afastaram-se, enquanto o deus insistia com o filho:

— Não esqueça, Faetonte, jamais largue as rédeas ou as deixe afrouxar!

Os gigantescos portões do dia foram abertos. Uma intensa luz rósea iluminava o caminho que Faetonte deveria seguir. Os cavalos, mastigando os freios, pareciam clamar por liberdade nos seus movimentos, estranhando aquela mão vacilante que ora encurtava, ora afrouxava as rédeas.

Por fim, uma grande chicotada no lombo dos quatro cavalos, e o carro partiu, finalmente, com um estrondo que abalou as estruturas do palácio do Sol.

O primeiro terço da jornada era aquele que exigia mais esforço dos animais, pois era uma subida íngreme; nesse trecho os cavalos deveriam erguer o carro até o ponto mais alto e ali procurar mantê-lo firme, sem se aproximar demais da Terra nem do Céu — a fim de não incendiar a morada dos homens ou a morada dos deuses —, para depois fazê-lo despencar-se nos abismos, na última quadra do dia.

Faetonte, percebendo que os cavalos tinham força bastante nas pernas, de início não teve muito trabalho para controlar o carro. O ar matinal ainda estava fresco e o orvalho caído durante a noite passava por sua pele e voltava à atmosfera como uma brisa úmida e refrescante. No entanto, antes de aderir às suas roupas, o orvalho já secava, devido ao calor tremendo produzido pelo carro.

Por alguns instantes, Faetonte sentiu-se senhor do mundo. Terras, povos e nações desfilavam abaixo de seus pés, recebendo as benesses dos raios que seu carro emitia. Os cavalos, entretanto, pareciam decididamente indóceis com seu novo condutor. Relinchando e sacudindo as longas crinas flamejantes, faziam com que o celestial veículo sacolejasse perigosamente.

Faetonte, que não estava acostumado com as bruscas inclinações, chegou a perder o equilíbrio numa das primeiras curvas, quase despencando do carro, agarrando-se à última hora num dos eixos.

— Eia! — gritava o inexperiente condutor.

Os joelhos de Faetonte começavam a bater um contra o outro, e um frio na boca do estômago produzia uma secura desagradável em sua boca. A coisa parecia ser mais difícil do que ele a princípio imaginara. Chegando ao topo, Faetonte perdia mais e mais o governo das rédeas.

Os cavalos, sentindo-as progressivamente mais frouxas, desciam cada vez mais. Grandes nuvens, que deveriam ficar sempre abaixo das rodas do carro, agora se esfarelavam de encontro ao veículo, evaporando-se em frações de segundos.

— Esperem, não desçam demais! — disse Faetonte, impotente para conter a ânsia dos quatro cavalos.

Faetonte sentiu renovar-se o frio na boca do estômago quando o carro, num brusco movimento, mergulhou em direção à Terra, feito um meteoro. Colocando toda a força nos braços, o jovem conseguiu evitar que o carro se espatifasse no solo. O veículo desgovernado, no entanto, prosseguia em sua rota em direção ao final do dia, numa linha horizontal, passando rente à Terra.

Num relance, o jovem viu as cúpulas das torres e templos mais altos arderem, como se fossem tochas que o Sol viesse acendendo uma a uma, durante a sua passagem.

— Meu Deus, meu pai vai me matar! — esbravejava Faetonte, tentando fazer com que os cavalos erguessem o carro para o alto outra vez.

Ao passar pelas coberturas de neve das montanhas geladas, o calor do carro fazia com que elas se desprendessem, sob a forma de rios. O calor era tamanho que, antes mesmo de alcançarem o solo, estas geleiras derretidas eram sugadas para o céu sob a forma de um vapor colossal.

Declinando ainda mais em sua altura, o carro passava quase rente ao chão. Cidades inteiras ardiam diante dos olhos do assustado Faetonte: o simples bafo dos cavalos e o calor que o carro emitia eram o bastante para incendiar tudo. Florestas inteiras ardiam também à passagem da carruagem escaldante. Pessoas saíam para fora de suas casas ao perceber que havia um brilho e um calor extraordinários no ar, para em seguida morrerem queimadas. Suas peles derretiam como cera, deixando a nu as suas caveiras brancas, que em seguida se tornavam negras até desfazerem-se num pó escuro que o vento impetuoso da passagem do carro espalhava pelo ar.

Abandonando as cidades, o carro investia agora sobre os mares, levantando massas espantosas de vapor, que passavam pelo corpo de Faetonte como uma chuva invertida e escaldante. O mar secava inteiramente, deixando à mostra, nas profundezas finalmente reveladas ao olho humano, uma quantidade incalculável de peixes que se debatiam, agonizantes, até que uma faísca mais intensa incendiava-os todos, até não restar mais nada além das cinzas dos cardumes mortos.

A pele de Faetonte, a esta altura, já estava toda esfolada; seu rosto era uma máscara vermelha, e suas mãos cobertas de bolhas não podiam mais segurar as rédeas, que ardiam intoleravelmente em suas mãos. Netuno, ao perceber a devastação que ocorria nos oceanos —

seu domínio —, resolveu subir até o Olimpo para pedir socorro a Júpiter.

— Meu irmão, que calamidade é esta que assola a Terra e os mares? — disse o deus dos mares, tomado pela aflição. — Faça algo ou a Terra inteira perecerá!

Febo foi chamado às pressas para saber o que estava acontecendo.

— O que está fazendo aí, em vez de estar comandando o seu carro? — perguntou-lhe Júpiter.

Em breves palavras vexadas, o deus do Sol explicou que sua fraqueza fora a causadora de toda a catástrofe.

— Não há mais tempo a perder, derrube-o de lá, de qualquer jeito! -esbravejou Netuno, ao perceber que o carro incendiário aproximava-se perigosamente de um menino que brincava sozinho no campo. — Impeça, ao menos, mais esta tragédia!

Júpiter sacou de um de seus terríveis raios e lançou-o sem pestanejar na direção do condutor do carro. Faetonte, que também percebera o menino, tentava conter as rédeas num último esforço, inclinando para trás o seu torso, rubro das queimaduras. Seu próprio corpo ardia, prestes a incendiar-se numa tocha humana. O jovem não teve tempo para ver que o raio despedido por Júpiter rumava certeiro em sua direção. Numa fração de segundos o raio explodiu no local exato onde ele estava, atirando-o para fora do carro. Os cavalos, assustados, ergueram as cabeças, lançando seus corpos de fogo para o alto, impedindo que o garotinho morresse queimado. Diante dos olhos do pequeno garoto, o corpo de Faetonte passou como um cintilante meteoro, indo mergulhar ao longe, no rio Erídano. Já sem vida, foi recolhido pelas ninfas, que erigiram no local um túmulo, em homenagem à sua audácia.


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