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O Labirinto da Enfermeira

R$2,00

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Não sei, Jean. Não sei.

Aquele papo todo transpirava conspiração, mas eu precisava me aproximar dela.

E para provar que eu estava do seu lado, teria que aceitar e levar aquele pacote até uma ala específica do hospital. Tudo muito estranho.

– Só me explica de novo.

– Você vai entrar naquela sala ali, fechar a porta e seguir esse caminho: a segunda porta à esquerda, segunda à direita, segunda à esquerda, segunda à direita. É bem simples.

A partir daí, comecei a minha saga no labirinto da enfermeira.

Respeitando o que ela pediu, nem olhei dentro do pacote, apesar de curioso e receoso. Ou foi só pela ansiedade mesmo. Entrei e fechei a primeira porta atrás de mim. Na sala aonde ela me levou, havia 3 portas: uma à direita, duas à esquerda. Entrei na segunda à esquerda e já achei que tinha feito errado. Desgraça, desgraça! Pensei estar distraído e ansioso demais, único motivo que justificaria errar já de primeira assim. Respirei fundo, raciocinei. Desejava investigar o pacote, mas faria isso só depois de voltar pra sala inicial e começar tudo de novo, antes que fosse tarde e a minha memória me traísse. Voltei à sala inicial, olhei as portas outra vez, repassei o caminho mentalmente, escolhi a mesma porta (a segunda à esquerda) e entrei. Perdi o time: quando quis olhar o pacote, me ocorreu que precisava resolver o motivo de ter desconfiado de ter errado na primeira vez que entrei: a configuração das portas. Eu estava não num corredor ou no meio de uma sala, mas na lateral esquerda de uma, no canto. “Não é mais esquerda, agora é direita”, repeti várias vezes. Tudo ok. Agora, eu deveria acessar a segunda porta à direita. Simples. Simplíssimo. Do lado esquerdo havia uma porta, do lado direito havia… nenhuma. Isso, nenhuma porta. Mas havia duas portas à minha esquerda, na própria parede da porta por onde eu havia entrado. Questionei se a enfermeira teria realmente se lembrado de tudo isso de memória ou se fora um erro. Desgraçada, lazarenta. Entrei pela segunda porta à minha direita, pensando que voltaria ao mesmo ponto anterior, mas havia uma parede dividindo a sala e fui sair em outro lugar, impossível de acessar pela sala inicial (deu pra entender?). “O que será que tem no pacote?” – só deu tempo pra pensar, porque quando olhei em volta, a sala só tinha uma saída, nada de “esquerda e direita”. Aliás, eu não aguento mais ouvir nada sobre “esquerda e direita”. Não aguento mais. Segui adiante e entrei em um corredor. Fui até o final, caindo em outra sala; essa, sim, com duas portas à esquerda e uma à direita. Acessei, como deveria, a segunda à esquerda. Estava quase lá. O maldito pacote estava me tirando o sossego, mas foi só entrar pela porta e tive outro calafrio: outra vez, a porta dava acesso a uma sala pelo canto. Fiz, então, a última e mais difícil escolha (segunda porta à direita), pois a sala que tinha 3 portas: uma em cada parede lateral e uma na parede da porta por onde entrei, à direita. Maldita. Vaca! Contei essa mais próxima como “porta 1” e entrei pela única porta à direita na parede lateral. Bem, dessa vez não caí em uma sala, nem em um corredor, mas em um saguão. Pois é, um saguão com bancada de atendimento e tudo. Fiquei tenso. Havia 3 enfermeiras e uma criança. A propósito, havia até uma pequena piscina de bolinhas pra crianças e, à frente dela, um assento. Eu me sentei e esperei, mais ansioso do que nunca, tentando calcular se o caminho que fiz estava certo segundo a orientação da enfermeira, que poderia muito bem estar tentando me enganar, ao invés de me aproximar. A troco de quê? Sutilmente, escondi o pacote, que diabos tem aqui?, no lado esquerdo da piscina de bolinhas. Pedi uma caneta às enfermeiras e anotei na mão o nome do setor descrito numa placa pendurada e, abaixo, “piscina, lado esquerdo”. Não posso me esquecer. As enfermeiras não paravam de me olhar, prontas pra perguntar por que raios eu estava ali. A criança se aproximou, justo de mim, e perguntou se eu sabia onde estava o seu pai. Enrolei o que pude e a despistei, mas aquilo chamou ainda mais a atenção. Vi que uma enfermeira abriu a boca e puxou bastante ar, como se fosse me perguntar algo. Eu me adiantei:

– Oi! Então… – por que raios a gente sempre começa com “então”?

Ela fechou a boca e abriu mais os olhos, como se isso ajudasse a ouvir melhor. Igual você faz. Continuei:

– Eu vim aqui atrás de uma enfermeira. É… – me deu um branco miserável, não sabia mais o nome. – Uma enfermeira de pele escura…

Detalhe: devia ter umas quatrocentas enfermeiras de pele escura lá, incluindo as duas à minha frente.

o labirinto da enfermeira negra
o labirinto da enfermeira negra

Elas se entreolharam. Além de ansioso, agora eu estava constrangido. Culpa minha.

– Ah, espere. Você deve ser o… – momentos de tensão. – Bem, qual é o seu nome?

– Lucas.

– Lucas, você veio por causa da Wunmi?

– Quê? – perguntei.

– Esse é o nome dela: Wunmi. O nome da enfermeira. Ela disse mesmo que alguém ia me trazer alguma coisa, não lembro o que era. Onde está?

Senti-me um inteiro jumento. Achei que era algo do tipo ultrassecreto, sei lá por que. Mas se não era, o que eu deveria dizer dada a situação vexatória? Que justificativa eu daria? Pois bem, foi tentando pensar rápido num argumento pra isso que me ocorreu que essa enfermeira é que podia estar tentando me “jogar um verde”.

– Ah, é? Que coisa! Na verdade, ela disse pra eu vir aqui pegar algo pra ela. Não sei ainda o que é.

As enfermeiras ficaram confusas e eu já não tinha o que fazer. Ao menos, as despistei.

Como se não bastasse tudo aquilo, três crianças de uma vez só apareceram e foram direto pra piscina de bolinhas. Não demorou até que, mesmo lugar onde eu estava, já se pudesse ver um pedaço da sacola com a coisa que ela me deu pra levar até lá. Saí de fininho olhando o celular, fui em direção à piscina e chamei a atenção das crianças. Perguntei em voz baixa coisas do tipo nonsense que nem me lembro mais. O desespero bateu quando uma delas tocou com as costas no pacote e, lentamente, como num filme ruim de suspense, foi se virando pra ver o que era. Olhei para as enfermeiras e elas estavam cochichando. Aproveitei, enfiei o braço pra dentro da piscina e puxei o pacote. As crianças mal se deram conta. Sem pensar direito e com medo das enfermeiras, coloquei o pacote com conteúdo desconhecido entre a piscina e a parede. Eu me levantei rapidamente e, tanto pra disfarçar mais uma vez quanto pra ver se elas tinham notado algo, fui até elas.

o labirinto da enfermeira
o labirinto da enfermeira

Quando estava prestes a abrir a boca, olhei para o vidro de uma porta ao lado, atrás delas. Mas que…? E lá estava a enfermeira, sinalizando loucamente pra mim. Fui até ela de uma vez, sem disfarçar. Ela abriu a porta, me segurou firme nos braços e perguntou baixinho sobre onde estava a maldita entrega. Mais nervoso que o suficiente, precisei até olhar pra minha super anotação na mão esquerda, feita a caneta: “piscina, lado esquerdo”. Disse a ela. Ela não entendeu e tive que apontar o dedo.

Eu me lembrei da alteração do local do pacote e disse que a entrega estava enfiada no cantinho da piscina de bolinhas. “Direito ou esquerda?”, ela perguntou. Mas não, nem direita, nem esquerda, e sim, fora do sistema… das bolinhas.

Wunmi me puxou para dentro da porta, fechou-a pelo lado de fora e foi buscar o pacote.

Com o pacote em mãos, ela nem sequer olhou para os lados; veio direto pra mim. Aliás, viria. Um segurança do hospital a interceptou no meio do trajeto de volta. Ele a segurou pelo braço forçando-a na outra direção. Ela não reagiu, só olhou em minha direção e gesticulou sutilmente de um jeito que eu não entendi.

Fiquei olhando Wunmi levar o maldito pacote, que até hoje não sei que diabos era.

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