Menu fechado

Um pipeiro de favela

A pipa avoou! Jacó correu, piparoteando pelas ruelas da Rocinha. Isaque lhe seguiu, o carrinho de rolimã derrapando na muvuca, atraindo protestos. O pipeiro não tinha cerol, nem chinelo, mas tinha fôlego. Passou por mercado, barbearia e boteco, e no rádio de cada lugar o locutor narrava a partida do campeonato carioca entre Flamengo e Vasco.

— Vai, Zico! — gritou alguém.

O pipeiro não era jogador, mas sabia driblar. Driblou vassoura e driblou geladeira, carrinho de bebê, pai e mãe e vovó. A pipa não parou; o vento a carregou e ele partiu. Mas a pipa não pousava. Isaque gritou:

— Isso é uma pipa ou um helicóptero?

Jacó não pensou; pensava, e lembrava-se que não jantaria. O pai preferia beber do que alimentar os filhos. A mãe preferia fumar e assistir às novelas da Globo. A irmã namorava o dono do morro. E a pipa? A pipa continuava a voar.

Isaque e Jacó passaram por sacolão, creche, escolinha, dentista, passaram pelo tio que ouvia o jogo de futebol, e pela tia que estendia roupa no varal. A pipa perpassou os casebres, mergulhando sobre um telhado. Fumaça encobria a vista, e o cheiro irritava o nariz. Isaque disse:

— É melhor ir não, Jacó.

Jacó estancou:

— Por que não?

O porquê de Isaque fez Jacó rir:

— Tua irmã tá trabalhando.

Nunca tinha visto a irmã trabalhar. Jacó correu, e Isaque o seguiu. Quem sabe ela o ajudasse? Jacó não sabia ler. Não leu a placa da lojinha. Mulheres de shortinho riram deles quando entraram. Algumas delas gritavam. E homens. Estavam comemorando a vitória do time, pensou. Jacó perguntou para o vendedor:

— Moço, minha pipa caiu no telhado. Posso subir pra buscá?

O vendedor olhou Jacó e Isaque, dizendo:

— O quê!? Não pode entrar criança.

Jacó não soube responder. Foi Isaque que disse:

— A irmã dele tá trabalhando. Sabe, irmã de Jacó?

O vendedor cuspiu o café que bebia:

— A Maria!? Pode subir, pode subir.

Os gritos persistiam. Quando saíram do corredor para a varandinha, deram com Maria. A irmã arregalou os olhos:

— O que cês tão fazendo!?

Jacó riu ao ver a irmã:

— Vim pegar uma pipa.

Maria arregalou os olhos:

— Não pode subir! Paraíba tá fumando. Por favor, vai pra casa. Toma, com 20, dá pra comprar duas quentinhas. Compra uma pra mamãe também.

— E o papai?

— Foda-se o papai.

Alguém chamou a irmã, e ela sumiu pela porta. Jacó e Isaque se entreolharam. Riram. Foram para a laje. Paraíba fumava, apoiado num fuzil Parafal, a camisa do Flamengo no ombro. Jacó disse, interrompendo a conversa:

— Oi, moço!

Paraíba olhou para ele e riu:

— Coé!

— Sou irmão da Maria.

— Tu já come nessa idade?

— Nem almocei.

Paraíba e seus homens riram. Isaque disse:

— A gente veio pegar a pipa que caiu no telhado.

Apontou para a pipa, e Paraíba disse:

— Tá com cerol?

— Tá.

— Pega a pipa.

Jacó e Isaque escalaram as telhas e pegaram a pipa. Deslizaram pela laje. Isaque tinha um carretel. Paraíba descartou o cigarro:

— Fui pipeiro.

E pediu para que empinassem a pipa, e Paraíba debicou:

— Viu?

Viram.

— Paraíba — disse um deles.

— Que foi?

— Dudu ligou, disse que chegaram no morro.

Paraíba vestiu a camisa e engatilhou o Parafal.

— Sabe atirar, Jacó?

— Sei não, moço.

Isaque pôs a mão em seu ombro, mas tomou um pescotapa e desistiu. Paraíba estendeu a arma:

— É fácil. Apoia o cano no muro. Debica o gatilho se vir uma farda. Atira neles pra mim? Vou te dar a pipa que quiser.

Jacó se tremia. Olhou para Isaque, e ele balançava a cabeça. Jacó engoliu saliva e disse:

— Pode ser um pipão?

— Pode!

Empunhou o Parafal e esperou enquanto Paraíba saía para comprar um pipão. Isaque disse:

— Ele mentiu, tu sabe, né?

— Claro! Vou vender o Parafal, ajuda a carregar.

Isaque e Jacó carregaram o Parafal. Não se esqueceram da pipa. Uma viatura serpenteava as ruas, liderada por policiais. Um deles tinha um bigode, e era o capitão. Jacó gritou:

— Oi, moço!

O policial arregalou os olhos:

— Quem te deu essa arma, rapaz?

— Paraíba. Se eu te der a arma, pode me dar um pipão?

O capitão riu:

— Dou. Qual o nome de vocês, meninos?

— Eu sou Isaque!

— E eu sou Jacó. Um pipeiro de favela.

— Vai pra casa, pipeiro.

Isaque e Jacó foram para casa com 50 reais. Enquanto Paraíba era alvejado, os meninos comiam feijoada.

Você não tem permissão para enviar avaliações.

Avaliações

1 avaliações encontradas.

Plot Execução Escrita Estilo

*Texto revisado ao final.

PLOT: É simples, mas gostei bastante.

EXECUÇÃO: A execução está na medida. Muito boa. Personagens bem construídos, boa ambientação. A trama avança bem.

ESCRITA: Arrumei algumas vírgulas (tirei muitas sobrando). Tive que trocar algumas vírgulas por ponto.

ESTILO:

– A dificuldade com a ausência dos advérbios e adjetivos gerou um texto, de algum modo, mais poético. E ficou muito bom. Mas gerou algumas coisas estranhas também.

– “Passou por mercado” é uma construção errada e ela se repete mais à frente. Na revisão, pra manter a ideia, acrescentei “por” antes de “barbearia”, porque parece que alivia a estranheza (e depois, antes de “creche”, pelo mesmo motivo).

– As figuras sintáticas variadas me lembraram do Guinchados na Escuridão do Panda.

TEXTO REVISADO

A pipa avoou! Jacó correu, piparoteando pelas ruelas da Rocinha. Isaque lhe seguiu, o carrinho de rolimã derrapando na muvuca, atraindo protestos. O pipeiro não tinha cerol, nem chinelo, mas tinha fôlego. Passou por mercado, por barbearia e boteco, e no rádio de cada lugar, o locutor narrava a partida do campeonato carioca entre Flamengo e Vasco.

— Vai, Zico! — gritou alguém.

O pipeiro não era jogador, mas sabia driblar. Driblou vassoura e driblou geladeira, carrinho de bebê, pai e mãe e vovó. A pipa não parou; o vento a carregou e ele partiu. Mas a pipa não pousava. Isaque gritou:

— Isso é uma pipa ou um helicóptero?

Jacó não pensou; pensava e lembrava-se que não jantaria. O pai preferia beber do que alimentar os filhos. A mãe preferia fumar e assistir às novelas da Globo. A irmã namorava o dono do morro. E a pipa? A pipa continuava a voar.

Isaque e Jacó passaram por sacolão, por creche, escolinha, dentista; passaram pelo tio que ouvia o jogo de futebol e pela tia que estendia roupa no varal. A pipa perpassou os casebres, mergulhando sobre um telhado. Fumaça encobria a vista, e o cheiro irritava o nariz. Isaque disse:

— É melhor ir não, Jacó.

Jacó estancou:

— Por que não?

O porquê de Isaque fez Jacó rir:

— Tua irmã tá trabalhando.

Nunca tinha visto a irmã trabalhar. Jacó correu e Isaque o seguiu. Quem sabe ela o ajudasse? Jacó não sabia ler. Não leu a placa da lojinha. Mulheres de shortinho riram deles quando entraram. Algumas delas gritavam. E homens. Estavam comemorando a vitória do time, pensou. Jacó perguntou para o vendedor:

— Moço, minha pipa caiu no telhado. Posso subir pra buscá?

O vendedor olhou Jacó e Isaque, dizendo:

— O quê!? Não pode entrar criança.

Jacó não soube responder. Foi Isaque que disse:

— A irmã dele tá trabalhando. Sabe, a irmã de Jacó?

O vendedor cuspiu o café que bebia:

— A Maria!? Pode subir, pode subir.

Os gritos persistiam. Quando saíram do corredor para a varandinha, deram com Maria. A irmã arregalou os olhos:

— O que cês tão fazendo!?

Jacó riu ao ver a irmã:

— Vim pegar uma pipa.

Maria arregalou os olhos:

— Não pode subir! Paraíba tá fumando. Por favor, vai pra casa. Toma. Com 20, dá pra comprar duas quentinhas. Compra uma pra mamãe também.

— E o papai?

— Foda-se o papai.

Alguém chamou a irmã e ela sumiu pela porta. Jacó e Isaque se entreolharam. Riram. Foram para a laje. Paraíba fumava, apoiado num fuzil Parafal, a camisa do Flamengo no ombro. Jacó disse, interrompendo a conversa:

— Oi, moço!

Paraíba olhou para ele e riu:

— Coé!

— Sou irmão da Maria.

— Tu já come nessa idade?

— Nem almocei.

Paraíba e seus homens riram. Isaque disse:

— A gente veio pegar a pipa que caiu no telhado.

Apontou para a pipa e Paraíba disse:

— Tá com cerol?

— Tá.

— Pega a pipa.

Jacó e Isaque escalaram as telhas e pegaram a pipa. Deslizaram pela laje. Isaque tinha um carretel. Paraíba descartou o cigarro:

— Fui pipeiro.

E pediu para que empinassem a pipa, e Paraíba debicou:

— Viu?

Viram.

— Paraíba — disse um deles.

— Que foi?

— Dudu ligou, disse que chegaram no morro.

Paraíba vestiu a camisa e engatilhou o Parafal.

— Sabe atirar, Jacó?

— Sei não, moço.

Isaque pôs a mão em seu ombro, mas tomou um pescotapa e desistiu. Paraíba estendeu a arma:

— É fácil. Apoia o cano no muro. Debica o gatilho se vir uma farda. Atira neles pra mim? Vou te dar a pipa que quiser.

Jacó se tremia. Olhou para Isaque, que balançava a cabeça. Jacó engoliu saliva e disse:

— Pode ser um pipão?

— Pode!

Empunhou o Parafal e esperou enquanto Paraíba saía para comprar um pipão. Isaque disse:

— Ele mentiu. Tu sabe, né?

— Claro! Vou vender o Parafal. Ajuda a carregar.

Isaque e Jacó carregaram o Parafal. Não se esqueceram da pipa. Uma viatura serpenteava as ruas, liderada por policiais. Um deles tinha um bigode, e era o capitão. Jacó gritou:

— Oi, moço!

O policial arregalou os olhos:

— Quem te deu essa arma, rapaz?

— Paraíba. Se eu te der a arma, pode me dar um pipão?

O capitão riu:

— Dou. Qual o nome de vocês, meninos?

— Eu sou Isaque!

— E eu sou Jacó. Um pipeiro de favela.

— Vai pra casa, pipeiro.

Isaque e Jacó foram para casa com 50 reais. Enquanto Paraíba era alvejado, os meninos comiam feijoada.