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Tudo Cumprido

Outra vez, só você neste cubículo. De Botucatu a Miami; uma vitória. Apertando botões e sorrindo pra estranhos. Como se sente?

Pare de fazer isso toda hora, a gravata está do jeito que estava desde que você a colocou.

Hmm. Não quer me olhar? É, você fazia isso enquanto eu estava viva.

Olha, gente chamando. Esperando o quê? Hora do espetáculo, amor!

Três de uma vez, hein?

— Mornin’.

Ué! E o sorrisinho, serviçal?

— Morning. Seventh floor, please. 

— Calma, meu joelho.

— Eu disse… se tivesse trazido a cadeira de rodas…

— Até parece!

Deve ser filha desse velho de bengala. Olhe para eles: uma família de ricos, a típica. O velho com sua arrogância, a filha dos mimos e…

— Could you get a chair for him?

Esse deve ser… o namoradinho?

— Não preciso de cadeira.

— Mas, pai…

— E não o envolva nisso. Olha a cara dele, o coitado não está entendendo nada.

Oh, ironia! Você finge que eu não existo e você não existe pra eles!

— Pode ser aquela cadeira?

Olha a cara do velho descobrindo que você fala português.

— Você é do Brasil? Maravilha! Meu nome é Silvio.

— Prazer. Prontinho. Ops! Meu dedo…

Cuidado, amor.

— Cortou o dedo, amigo?

— Uma perna de trás tá lascada. É essa esquerda.

— Obrigado. Machucou, hein?

O simpaticão é gato.

— Pai, que seja quando for usar o elevador, mas você precisa se sentar.

— Não me trate igual ao estrupício do Antenor, o frouxo. Gostaria de ver a cara dele quando souber da celebração pelas parcerias.

É, mas sentou, né? Um arrogante como você era. Lembra, Augusto? O psicólogo que sabia tudo.

— Pode deixar a cadeira no elevador? Por causa da comemoração, vamos subir e descer, subir e descer, e ele precisa poder se sentar o quanto puder.

— Entendi. Feito.

Sorria, amore!

— Viu, vou ficar no andar sete, mas eles dois vão pro terraço.

Ele viu que você apertou o sete, dondoca.

— Chegamos.

— Por falar nisso, será que pode nos ajudar durante o dia? Eu faço medicina, não pego no pesado. Nem começamos e estou morrendo!

— Uma vergonha. É outro Antenor na vida.

— No almoço, vou sair pra buscar uns exames, mas, voltando, estarei à disposição.

E esse silêncio? Parece que o tempo não passa. Ah, vocês chegaram.

— Terraço, senhores.

— Estou pensando. Acho que vou descer com você pra ver uma coisa.

— Faça o que quiser. Vou indo.

Antipatia em pessoa! Chuta essa bengala dele!

Olha, estão chamando no sete. Deve ser a madamezinha.

— Cara, não via a hora de encontrar alguém que falasse português pra desabafar!

Virou psicólogo de elevador? Decadência, Augusto. Pelo menos, no Brasil tinha um consultório.

— Vim pra cá fingindo interesse nos negócios, porque meu pai fez sociedade com ele. Estou namorando a filha do Sr. Antônio há oito meses. Ela é o amor da minha vida, entende? Mas ela não contou a ele sobre o namoro, em todo esse tempo. 

— O nervosismo é por isso?

— Em partes. Espere.

O que é que ele…

Olha! Por essa nem você esperava: anel de noivado!

— Vou pedir a mão dela em casamento. Neste dia. Quero aproveitar que estamos em Miami e fazer algo que ela nunca se esqueça, antes de voltarmos ao Brasil.

É um romântico! Comigo, você nunca foi, Augusto.

— Tome, pegue. O que acha?

— Não entendo dessas coisas, mas… poxa.

Amor, se liga! A porta!

— Oi! Euzinha, outra vez.

— Opa…!

— Cuidado, amigo!

— Me assustei com a porta abrindo e…

— Se machucou?

— Não, não.

— Não precisa se levantar, eu aperto.

É, constrange. E que é isso? Está tentando manter as mãos embaixo pra ela não ver o anel? Boa ideia. E coube com perfeição na lasca da cadeira. Só cuidado com o dedinho.

— Térreo.

— Puxa, esqueci meu celular no quarto.

— Mas, Cíntia, é que… Tá. Conto com você, amigo.

Olha a cara de nervosismo do menino! Como vai dar o anel a ele?

— Vou indo. Te espero, meu bem.

Gracinha, esses dois!

— Sétimo?

— Por favor.

Pare de olhar a cadeira, benzinho. Está ficando na cara. Não se complique.

— O terraço está chamando, será o seu pai?

— Pode ser. Ele deveria estar descansando. Os médicos recomendaram repouso para o joelho, mas ele nunca obedece. 

Xi, olha a cara de tristeza da moça.

— Está preocupada?

— Estou é preocupada que ele não aceite meu namoro com Sílvio.

Vai ser psicólogo de novo, é? Como nos nossos tempos!

— Pode dar uma bronca no meu pai, viu?

Ixi, imagina?

— Chegamos.

— Obrigada.

Lembre-se dos exames. Eles importam, esse velho e seus dramas, não.

— Não me importo com eles. O velho e a filha.

Ok, nada novo. Era assim comigo, você deve se lembrar.

Isso, abaixa a cabeça, Augusto. Doi, né?

Hei, o que pensa estar fazendo? Vai descansar? A cadeira não é pra você. Ah, ok. Mas deixa isso na lasca, porque…

— Cala a boca, desgraça!

Nossa. A porta, amor.

— O que está havendo?

— Perdão. Sente-se, senhor.

Você vai ver. Ouça. Hmmm!

— E esse barulho? Essa cadeira está rangendo e é desse lado. O que tem… espera… 

— Senhor, cuidado com a lasca…

— Em que lugar você machucou o dedo?

Riiing!

Salvo pelo gongo!

— Celular só toca se estou sem paciência. Vejamos. Ah, maldito. Antenor, outra vez. Nunca vai produzir um leite como o meu, esse… 

— Não estou entendendo, senhor.

— Concorremos há décadas no ramo dos laticínios.

— Térreo.

Olha o tom, hein? Nem se despediram.

— Vou buscar os exames e almoçar.

Você sabe que sua ex ficará esperando, como sempre.

*****

Voltou, meu amor? Viu, lembra de…

— Por favor, dê um tempo.

É que… 

— Terraço.

Quer silêncio, ok. O que se esperaria? Pois se vire.

— Oi, rapaz. Vou me sentar. Ah, para o sétimo.

Está me olhando por quê? Esse era o assunto, você esqueceu de procurar o anel. Mas se vire.

— E pensar que eu ia ter uma dupla de sertanejo com ele.

O que foi? Não sei com quem ele está falando.

Ah! ah! ah! De psicólogo, você pulou pra psiquiatra!

— Senhor?

— Minha filha anda… Ela… Certeza que é o rapaz. Sílvio, filho do Cardoso. Esse moleque pensa que…

— Sétimo andar.

— Ah, deixa isso fechar. Aperta o do terraço. É que eu… Nós discutimos no almoço. Eu e a Cíntia. Ela negou.

Esse velhote precisa de uma… hmmm!

— Tem algo estranho. Essa cadeira range pra valer, hein?

Tem sorte. Não dá pra derrubá-lo.

— Senhor Antônio, se me permite. Sílvio parece ser um… 

— O Silvio o quê?

— Olha, ele ama sua filha.

— E o que você sabe?

— Nós conversamos e ele mencionou…

— Ele o quê? Da minha filha cuido eu, rapaz.

— Com todo respeito, senhor, talvez precise de mais empatia, sensibilidade…

Tá querendo perder o emprego, Augusto? Olha a cara dele!

— Acha que eu sou um insensível? Vou te contar. Pode deixar o elevador fechar. 

Essa vai ser daquelas!

*****

— Depois nos falamos, rapaz. 

Meu amor, é que… Você parece… Seu olhar… Nunca fica nesse estado. Tá, deixa. Não precisa responder.  

Se quiser chorar quando a porta se fechar de novo, ninguém vai olhar.

*****

— Oi, outra vez. Segura que o Silvio vem vindo. É ele quem vai descer.

Amor, limpe os olhos.

— O Antenor ligou. Aquele… Ele quer propor um acordo. A essa altura? O desgraçado… ele… Me dá um nervoso.

— O concorrente, sei.

— Eu nasci na Serra da Mantiqueira. Conhece? O pai do Antenor morava no terreno ao lado. Meu pai tinha três vacas e um pedaço de terra. As coisas mudaram e exportamos leite para seis países. 

O velhote está de outro jeito, não?

— Está.

— Oi?

— Perdão. Falo com meus pensamentos, às vezes.

— Seus pensamentos, né? Te entendo.

Entende? Hmmm. Ele não usa aliança. Reparou? Será que… 

— O que o senhor me disse…

— Faz a gente pensar, né? Dá perspectiva.

Caramba, esse Silvio! Segurando isso tudo, pra quem cursa medicina, hein?

— Vou indo.

— Oi, Augusto.

— Sétimo andar?

Não esqueça de contar o que você acha que aconteceu com o anel.

— Não, vamos pôr isso no saguão. Puxa, que ansiedade! A Cíntia vai falar com ele. Estava esperando eu sair. Vai contar, acredita?

— Vou aproveitar que está com esse humor. 

— Do que precisa?

— Pode olhar uma coisa pra mim?

Conta do anel.

Que são esses papéis, amor? Ah, ok. 

— Veja.

O botão, meu querido. Aperta. E conta do anel. Vou ver a conversa entre pai e filha. Isso vai ser, oh!

— Opa. Saguão.

— Vejamos isso.

*****

— É, chegamos. Obrigado.

— Disponha! E seja quem for, lamento.

Voltei, amor. O que ouve? Porque esse olhar de… desolação? O que ele disse? 

Meu Deus…

Ok, já apertou o bastante esses botões, vai dar uns 5 minutos. Amor! Você precisa de silêncio, né?

*****

Respira. Deve ser ele chamando no térreo.

Fala comigo, amor.

— Augusto do céu! Cara, ele aceitou o namoro! Não falei com ele, mas puts! Ah, preciso do anel! Onde está?

Amor, vai ter que contar que sumiu.

Gente… ele vai quebrar essa cadeira.

— Mas que diabos? Tem que estar…

Estão chamando no sétimo. É ela.

Desse jeito ele vai… Quebrou mesmo, vixi. Avisa ele que sacudir não adianta.

Que desespero é esse? 

A porta, amor!

— Que é isso, Silvio?

Deixa, deixa saírem. Eles que se entendam. Isso, aperta. Deixa eles. Conversa comigo.

*****

Sabe, Augusto, você vai e eu fico no elevador, não pra te infernizar, como você pensa. Queria que você mudasse, mas nunca quis que a sua vida fosse um inferno. Por isso, fico no elevador.

O painel acendeu. Terraço.

— Me perdoa.

Não, você é que precisa me perdoar, por tudo. Ninguém nunca achou que fosse sua culpa pra valer. O freio falhou, podia ter sido com você.

— Eu não quero viver desse jeito.

Limpa o rosto, viu? E olha a porta.

— Seu Antônio.

— Liberei eles. Você precisava ver o rapaz! Se atrapalhando, com o olhão assim, oh! 

— E essa caixa?

— Esta foi a primeira embalagem que utilizamos quando começamos a expandir. É só um símbolo. Na celebração, no discurso, abrirei a e tomarei um gole. Um brinde ao sucesso! Vai começar em minutos. Vamos pegar o dois no sétimo.

Aí, vocês chegaram.

— Pai, acho melhor você tomar um gole, pra ver se não azedou.

— Se fosse do Antenor, aquele… É um efeminado! Um covarde. Esse leite é outros quinhentos! Mas vamos ver. Segura o copo, Silvio.

Constrangedor. Abre pra ele.

— Obrigado.

Com um golão desses, parece…

— Isso, sim, é leite de macho!

Gente, olha a cara do Silvio. 

— Pai!

— O quê? Ah! Ah! Ah!

Espere um momento. Augusto, veja o bolso dele. Vou usar a minha… Hmmm… Vai…

— E barulho esse?

— Caiu do seu bolso.

— Um anel, Silvio? Anel de…

— Noivado. É. Deixa, eu pego.

Não é que funcionou?

— Cíntia Mendonça, me daria a honra de se casar comigo??

Não acredito!

— Adoraria!

A cara do Antônio, olha! Ele se emocionou, gente!

— Pai, eu…

— Tem a minha bênção, querida. E devo agradecer ao Augusto, que me deu perspectiva. Deus te abençoe, amigo.

— Obrigado, Augusto!

— Que é isso, gente…

Você corou, amor.

Xi, celular, bem no ápice da coisa!

— É o Antenor. 

Climão.

— Olha, estive pensando. Vou atendê-lo. 

— Uma mudança, pai. 

— Encontro vocês no saguão.

Acho que você está segurando vela.

— Imagina, amor, as praias de Cancún… águas como cristais, o sol se pondo no horizonte…

E se foram. O que vai fazer, Augusto?

— Prefiro o Brasil que esses lugares, sabe? Nossa casa em Ubatuba, lembra? A varanda com vista para o mar, o jardim que você cuidava. O quarto da Bianca que nunca terminamos…

Ué, mas não era você que…

— Chega de fugir. Não quero gastar o tempo que resta com estrangeiros e elevadores. Vou voltar ao Brasil. Encarar seus pais, assumir minhas responsabilidades, cuidar da nossa filha enquanto puder. 

E que dia está pensando em… Está tirando o quepe por quê?

— Querida…

Dia de alegria! Significa que sua ex terminou. Está liberado de mim. Tudo cumprido.

Você está liberada de mim.

Vá ver a Bianca! Viva sua vida. Amo vocês!

— Nem descer, nem subir. Escolho o Brasil.

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