-Onde estou?
-Eu também queria saber.
-Eu não faço a mínima ideia.
-Acho que estamos em um parquinho, brincando de gangorra.
Quatro homens estavam num elevador, sem saber o destino. Três estavam um tanto inquietos e o quarto era um tanto sem paciência.
-Como vim parar aqui?, disse Robert.
-Meu caro, se eu não sei como eu vim parar aqui, muito menos sei como você veio parar neste lugar, respondeu Otávio.
-Eu estou tão perdido tanto quanto vocês nesta história toda, acrescentou Augusto.
-Eu tenho uma sugestão: acho que fomos abduzidos por ETs e viemos pra cá, ironicamente falou Aplínio.
-Acho que temos um engraçadinho em nosso meio, disse Robert já sem paciência.
-Eu?, respondeu Aplínio, e disse ainda mais: acho que não, não sou chegado a palhaços.
-Pelo jeito, você não é chegado a palhaços, é o próprio palhaço, irritadíssimo falou Robert.
-Vamos manter a calma, senhores?
-Como manter a calma com este sujeito que eu não conheço?, perguntou Robert em alto tom.
-Eu concordo que devemos manter a calma, respirar fundo, para tentar entender o que está acontecendo, disse Otávio.
Enquanto os homens falavam, Aplínio mantinha o silêncio. Como diria ele, só observando.
-Acho melhor a gente se apresentar, falar cada um o seu nome, para começarmos a entender como viemos parar neste lugar, sugeriu Robert.
-Também acho uma boa, pois somos apenas estranhos uns aos outros, concordou Otávio.
-Posso começar?, propôs Augusto.
-Claro, por favor, respondeu Robert.
-Por que tem que ser você? É algum tipo de alecrim dourado dos campos silvestres para ser o primeiro?, interrompeu Aplínio.
-Não rapaz, é que alguém vai precisar começar, disse Augusto.
-Não enche, disse Robert.
-Beleza, com a cara amarrada, concordou Aplínio.
-Meu nome é Augusto, tenho trinta e cinco anos, e sou cristão da Igreja Boas Obras.
-Sua religião também vem no RG? Só pra constar, retrucou Aplínio.
-Não começa, rapaz, rapidamente falou Robert.
-Eu já comecei.
-Então, já que você é tão bom, se apresente Vossa Excelência, disse Otávio.
-Meu nome é Aplínio.
-Só isso?, falou Robert.
-Só isso o quê?, respondeu Aplínio.
-Não vai falar mais nada, como idade, de onde é, religião…?, disse Robert.
-Não!
-Senhores, vamos nos concentrar? Quanto mais tempo ficarmos nessa, mais tempo iremos perder.
-Você tem razão, Augusto. Meu nome é Robert, tenho trinta e três anos e sou, vamos dizer, autônomo.
-Faz o que, Robert?, curioso ficou Otávio.
-Empreendedor.
-Que bacana, meu caro. E pegando o gancho, meu nome é Otávio, tenho trinta e seis anos, e não tenho religião nenhuma.
-Olha só, temos em nosso meio quem acredita que o homem veio do macaco, resmungou Aplínio.
-Seu nome é Aplínio mesmo? Perguntou Otávio.
-Sim, por quê?
-Nossa, eu nunca escutei este nome, somente Plínio, sem o A. Inclusive, tiveram figuras importantes na sociedade da Roma Antiga. E Plínio significa pleno, cheio, completo. Mas, como o seu nome tem um A na frente, deve ser de negação, respondeu Otávio um tanto sem paciência e Aplínio se calou com aquela resposta.
-Pessoal, enquanto vocês estavam discutindo, acredito que comecei a entender o que aconteceu e como vim parar aqui.
-Nos conte logo, Augusto.
-Então, Robert, flashes começaram a passar pela minha cabeça e de repente uma imagem se formou, e acabei me lembrando do que aconteceu: a gata da minha vizinha subiu no telhado, e acabou ficando presa. Ela me implorou para ajudá-la, pois sendo uma senhora, sozinha e solitária, não aguentaria ficar sem seu animal de estimação. Lá fui eu resgatar a gata, quando de repente cai do telhado, bati a cabeça, apaguei e vim parar aqui.
-Temos um herói em nosso meio, estamos seguros, disse Aplínio em seu humor debochado.
-Enquanto você falava, Augusto, comecei a me lembrar também do que aconteceu.
-Nos conte.
-Eu fui ao mercadinho perto de casa comprar algumas coisas que faltavam para o jantar, quando eu passava pela avenida e de repente avistei uma criança de aproximadamente cinco anos que se soltou da mão da mãe e saiu correndo atravessando. Eu todo desesperado não pensei duas vezes, e fui tentar salvá-la, quando um carro me pegou, bateu em mim e me arremessou longe. O restante vocês já sabem.
-Mas rapaz…
-Que loucura, não é, Augusto?
-E o senhor perfeito não vai falar?, disse Aplínio apontando para Robert.
-Silêncio, que me falta isso aqui pra quebrar sua cara.
-Não vale a pena, Robert, se contenha, não suje suas mãos.
-O pior que eu já sujei, Augusto.
-Olha, acho que teremos revelação hoje aqui.
-A de negação, é melhor você ficar calado
-Calma, meu caro, não fique irritadinho. Já orou ao seu deus macaco hoje, pra ver se ele não te dá mais paciência?
-Olha só, vamos fazer o seguinte? Vamos nos comportar como adultos que somos, e resolver o que tivermos que resolver?
-Concordo, Augusto.
-Agora é a sua vez de falar o que aconteceu, Robert, mas se você lembrar, é claro.
-Lembro, sim, Augusto, mas tenho vergonha de falar
-Hum, acho que temos alguma coisa bem cabeluda por trás, resmungou Aplínio.
-Já chega, por favor, Aplínio. Quanto mais tempo demorarmos para resolver isso, mais tempo ficaremos sem saber o que fazer
-Então, não é nada legal.
-Mas nos conte, independente do que seja.
-Está bem. Eu fui para um assalto, o plano deu ruim e em uma troca de tiros, fui alvo da polícia, apaguei e apareci aqui.
-Ah, agora entendi o porquê autônomo e empreendedor.
-Calado.
-Tudo bem, não estamos aqui para julgar ninguém. Só Deus pode julgar a cada um, disse Augusto querendo dar uma lição de moral.
-Calma, pastor, eu só disse um fato verídico, replicou Aplínio.
-Faz tempo que você está falando demais, meu caro.
-Calma, Otávio, não vamos levar para o coração. Eu já falei, ore ao seu deus macaco…
-Aplínio, pra começo de conversa, eu não tenho deus nenhum, e, depois, vamos levar as coisas mais a sério, pode ser?
-Otávio, você não acredita em Deus?
-Não, Aplínio.
-Por que não acredita?
-Que tal deixar isso pra lá? Minha opinião não importa aqui, precisamos resolver o que é de mais importância.
-Mas, meu caro, você não falou pra falarmos de coisas sérias? Então, isso não é sério? Por que você não acredita em Deus?
-Eu não acredito em Deus pelo fato de tanta tragédia acontecer no mundo. Se Deus existe, por que inocentes sofrem? Por que inocentes morrem? Por que crianças são sacrificadas no altar da maldade? Se Deus existe, por que não elimina toda violência no mundo?
-Eu já não concordo com você.
-Por que não concorda comigo, Augusto?
-Porque Deus não tem culpa das escolhas do ser humano. Infelizmente, inocentes e crianças sofrem coisas injustas porque o homem que tem o livre-arbítrio escolhe fazer o errado, quando poderia fazer o certo. As consequências vêm, toda ação tem uma reação. A solução de todas as coisas está na obediência.
-Ah, então, você acredita que a obediência é a solução para todas as coisas aqui e, até mesmo, para restaurar esta terra naquele paraíso que foi perdido?
-Sim, eu acredito, Otávio.
-E eu posso fazer uma pergunta sincera, meu caro?
-Claro que pode, fique à vontade.
-Você acredita em uma vida além desta daqui? E se acredita, a obediência seria a estrada mais segura para chegar até ela?
-Sim, eu acredito, Otávio.
-E você vai passar por esta estrada até chegar do outro lado?
-Claro, com certeza, pois fui dizimista fiel, minha oferta era praticamente a mais gorda da igreja, servia em cinco ministérios, frequentava a célula toda terça-feira e todos os seis cultos semanais, orava todo dia durante três horas, li a Bíblia incontáveis vezes, não bebia, não fumava e só escutava gospel. Creio que estou indo para o céu.
-Entendi, meu caro. E você Robert, acredita em quê?
-Eu, Otávio?
-Sim, Robert, por favor.
-Eu não sou a melhor pessoa para falar sobre, não tenho moral, mas eu acredito que estou indo para o inferno, pois fui um cara muito mal na vida.
-Só isso?
-Sim, você quer que eu recite um livro?
-Calma, Robert, só queria que falasse mais sobre o que crê e o que pensa, só isso.
-Desculpa, Otávio, é que estou um pouco nervoso com tudo isso, quero entender o que está acontecendo e qual será nosso destino.
-Eu te entendo, meu caro, e respeito a opinião de cada um. Eu só posso dizer que não acredito nem em céu e nem em inferno, nem em um criador e nem em um juiz absoluto. Acredito que o centro do universo é o sol e o centro da existência é o homem. A ciência, sim, é o nosso deus, ela é o ápice do qual já chegamos, caso contrário, não acredito em nada que não possa ser provado.
De repente, o elevador parou, a luz apagou por alguns instantes e voltou em seguida, mas Aplínio se revelou em uma aparência e postura totalmente diferentes. Começou a falar:
-Bem-vindos ao nosso destino, esta é a nossa reta final. Foi um prazer fazer esta viagem com vocês. Estão assustados? Surpresos? Não fiquem, vocês vão ter muito a explorar, porque, óh, tempo é o que não vai faltar. Uma curiosidade: eu já conhecia vocês há muito tempo, desde quando estavam no ventre de suas mães, aliás, conheço gerações dos seus antepassados. Já ouviram aquela história: maldito é o homem que confia na força do próprio braço? Então, agora entrem naquela fila quando a porta do elevador abrir. Vejo vocês em seguida. Aproveitem a eterna estadia.
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