Ao pino do dia, chegava ao sítio de seus avós o Pedrinho, um menino de dez anos, que em suas férias sempre marca presença a esta aprazível fazenda, situada em vastos campos subtropicais, com abundantes reservas de água doce: banda de muitos mistérios e lendas incontáveis. Viera sozinho em um ônibus fretado, com o justo auxílio de sua mãe. O menino arretado, de caráter explorador e amante das armas, munia-se de pequenas esferas de metal guardadas no bolso largo de seu jeans-macacão, carregava seu velho estilingue enlaçado no pescoço como se fosse um colar que casava com suas vestes rurais, e tinha às costas uma mochila com o resto de sua bagagem. De onde desceu, caminhou, pela estradinha de terra entre os pomares, por cerca de quinze minutos, ao encontro da propriedade. Era uma casinha airosa, com uma rica varanda e cortês fachada de um branco bem preservado; contrastavam, por forte cor de madeira, as altivas janelas de guilhotina e a porta de entrada, compostas todas em elegante madeira ipê; e o telhado era colonial, em peças que variavam entre tons envelhecidos de cinza, marrom e vermelho, formando um todo uniforme de colorido granular.
O primeiro a receber Pedrinho foi o cão, um belíssimo e amigável border collie chamado Fumaça que, saindo disparado, arremessou-se contra o peito do garoto e, juntando-se ambos no chão, o menino teve o cão sobre si e gargalhou com as lambidelas recebidas. Pedrinho então ergueu-se de pé e marchou, com seu amigo o seguindo ao lado em frenesi. Aproximando-se eles a uns dez metros da casa, o Fumaça se apartou do menino; já o menino, chegando mais, foi logo colhido por seus avós, dona Bentina e seu Aragão, sob calorosa receptividade, servindo-lhe muitas guloseimas que preparara esta dona sua avó. Acomodando-se à mesa posta na varanda, Pedrinho fez uma chamada telefônica a sua mãe a fim de relatar notícias de sua chegada em bom estado. Concluída esta breve e responsável ligação, venturosamente conversaram as novas o menino e seus avós até o finalzinho da tarde, quando Pedrinho se retirou para praticar tiro ao alvo, uma de suas prediletas atividades, mas às ordens de sua avó para que não se afastasse da casa, nem se aproximasse das brenhas, que a noite logo vinha.
Retomando a companhia do cão Fumaça, Pedrinho reuniu umas velhas garrafas de vidro e outros utensílios vãos que pudessem servir como alvo, postou a tralha toda em fileira, bem sobre o capô da velha lataria de um Opala 1978: esta carroçaria estava sem as rodas, atolada ao terreno como se fosse uma suntuosa pedra primal, consumida em parte por ferrugem e pelos ramos de uma vegetação que penetrava as ferragens em processo simbiótico. Servindo-se de uns cascalhos em bons formatos, a criança guarneceu sua arma, apontou para o alvo, estando à distância de cinco metros, esticou a goma com destreza e efetuou um disparo, estilhaçando a primeira garrafa em tiro perfeito. Prosseguia disciplinadamente alvejando alvo por alvo, quando, estranhamente, o cão começou a ladrar defronte a um paredão natural, formado por uma densa e obscura mata, à fronteira do campo airado circundante à casa. Atendo-se àquilo, observou calmo o menino ao comportamento do cão e decidiu: se aproximou para buscá-lo.
— Vamos, Fumaça, venha.
O cão cala-se, mas mantém-se imóvel, com a guarda estendida e os olhos atentos à mata. Ao lado, o menino também encara aquele infinito emaranhado de cipós, troncos, folhas e escuridão.
— O que há ali? Viu alguma coisa, Fumaça?… Venha, nós temos que ir, está escurecendo…
Volve-se em meia volta o menino, seu amigo o acompanha, marcham juntos, e em pouco regresso seus passos são paralisados por uma gélida rajada eximida daquele matagal hostil: atingido nas costas pela aura maligna o menino semicerra os olhos e sua pele eriça-se; o cão se encolhe e lamuria; daí o guri cerra os punhos e revolve-se indômito à selva, saca sua arma, apanha uma esfera de metal, prepara, aponta e, como quem espera por um ataque, afronta a ameaça incerta. Nada veio, nenhum animal, nenhuma ave, nenhuma criatura. De repente a mata parece inofensiva, pálida, trivial. Desiludido o menino insiste no seu ato e faz o disparo contra a flora. A esfera é silenciosamente engolida pelo arvoredo fechado. A criança se descontrai.
— Nada é. — Diz ela.
A surpresa veio neste momento. Aquela mesma esfera de metal é relanceada do âmago daquele lugar obscuro, caindo bem aos pés do garoto.
— O que é isto? Quem está aí? — Indaga o pequeno Pedrinho.
Mas insistente ele repete a sua empresa e aplica outra disparada contra a selva e, novamente, como se fosse rebatido, o projétil é propelido de volta ao menino. Incrédulo ele desfecha mais uma série de tiros, variando a direção da mira, e o fenômeno se repete como se fosse uma lei da natureza.
— Estranho… Bom, eu não sei como lidar com isso. Além disso, não parece uma boa ideia. — Diz o garoto e ainda reclama em alto tom:
— Seja quem for que está fazendo isso, eu me retiro.
O menino andejou à ré por pouco até que desse as costas para o bosque sinistro.
Então ele e o Fumaça retornaram juntos, chegando o rapazinho à singela casa, e o Fumaça a seu canteiro abrigo.
Pedrinho, adentrando à casa, vai direto para um banho quente, depois se acomoda a seu quarto até que o seu avô, o seu Aragão, lhe chame para o jantar.
Nesta noite veio uma chuva que fez o interior da casa ainda mais agasalhador, e sob o frêmito do aguaceiro e a troada dos relâmpagos, uma galinhada caprichosa fora servida em uma panela de pedra sabão, posta ao centro de uma jeitosa mesa, acabada em estilo rústico, cujo tampo fora extraído em uma peça só de um tronco apropriado em um volumoso jatobazeiro. E ali todos à mesa abonaram-se; o menino Pedrinho fartou-se, pois sempre benquereu a esta galinhada feita por sua avozinha.
A dona Bentina diz isto:
— Ô meu filho, eu já lhe falei e falá-lo-ei mais uma vez: fique longe da mata quando a noite estiver próxima e venha direto para dentro da casa.
— É que… Eu só estava resgatando o Fumaça, ele estranhara alguma coisa, e então aconteceu o que eu já relatei: havia alguém, ou algo, oculto, e interagiu comigo. Foi muito estranho.
A velha e o velho encararam-se sisudos sem dizerem palavra sequer um para o outro.
O velho fitou o menino e disse:
— Pedrinho, meu filho, nestas terras sempre houve eventos inexplicáveis, desde o tempo dos homens originários que se conta lendas e lendas, muitas delas verdadeiras, e muitas se repetem inda hoje. Por cá, coisas ruins podem acontecer com as pessoas, mas se você tomar os devidos cuidados, estará seguro.
— Então, vôzinho, me conte mais umas lendas, o senhor sabe que gosto muito das histórias.
— Ah! Ah! Ah!… Meu menino, contá-lo-ei então a lenda do Saci!… É o Saci uma criatura poderosa, sua aparência é humana, tem um gorro vermelho na cabeça, a sua pele é negra e falta-lhe uma das pernas; mas não se deixe enganar, menino, pois a coisa move-se muito rápido. Na verdade, não há só um saci, são muitos existentes, apesar de partilharem a mesma aparência. Ao que parece, o Saci é uma espécie muito atípica e desconhecida pelo homem. Os sacis são criaturas ardilosas, são preguiçosos, mas têm uma inteligência sobre-humana, e também gostam de pregar peças nas pessoas…
Naquele momento a conversa foi cessada por uma queda brusca de energia elétrica, mergulhando às sombras todo o interior daquela casa. Mas a casa não ficou toda nas trevas, porque ainda era pouco alumiada pelo brilho que vinha da noite e invadia pelas longas janelas. Seu Aragão buscou e acendeu um velho lampião a gás, e dona Bentina aproveitou a luz para limpar a bagunça.
— Pedrinho, é hora de dormir. — Disse o seu Aragão.
Sendo o Pedrinho um menino muito educado, não relutou, apesar da sua vontade de permanecer acordado ouvindo mais sobre as velhas lendas.
— Bom, amanhã vou acordar bem cedo para brincar com as crianças da vizinhança! — Assim disse Pedrinho.
E naquela noite o menino Pedrinho teve um excelente sono, sem nenhuma perturbação a seu remanso. Bem cedinho ele se levantou primeiro que seus avós, vestiu seu tradicional macacão-jeans, catou sua mochila onde carregava alguns pertences úteis, também apanhou sua poderosa arma de combate e suas munições, foi-se do quarto, sentou-se àquela rústica mesa em madeira jatobá e abriu seu notebook: naquela altura a energia elétrica voltara, e o sinal da rede de internet também. Seus avós logo despertaram-se e aprestaram-se no preparo do café da manhã.
Pela tela do notebook, Pedrinho entra em uma videochamada com sua mãe.
— Bom dia, mamãe!
— Bom dia, querido! Acordou bem cedo. Como vão as coisas por aí?
— Está tudo ótimo, mamãe. Hoje vou à residência vizinha ver se encontro meu amigo local por lá.
— Tudo bem, querido. Seus avós já se levantaram?
— Sim, estão logo ali, chamá-los-ei.
O menino trouxe seus avós para interagir com sua mãe por chamada de vídeo. Os três ficaram juntinhos ao lado um do outro, com o menino no meio.
— Aqui estão eles, mamãe.
Os avós, de modo acanhado, acenaram para a câmera.
— Mamãe, o que foi?
— Filho, o que está dizendo?… Onde estão os seus avós?
— Estão aqui, mamãe, a meu lado.
— Não vejo ninguém, meu bem.
O menino olhou para os lado e não viu ninguém: a presença de seus avós sumira sem ele perceber. O pobre miúdo sentiu a espinha gelar, daí moveu-se às pressas vasculhando pela casa toda em busca deles, mas não os encontrava. Neste momento a tela do notebook entrou em pane, portas internas da casa e gavetas começaram a se abrir sós, as cortinas levitavam, móveis se arrastavam pela casa por forças invisíveis; as janelas e as portas de saída estavam todas trancadas, petrificadas, e o moleque entrou em desespero, começou a gritar em busca de uma saída, mas sem sucesso. Então resolveu agir com mais astúcia. Sacou sua arma, carregou-a com três esferas de metal de uma só vez, puxou a goma com toda força, mirou o centro da folha inferior de uma janela e disparou; a vidraça estourou-se; correu o menino e saltou pelo vão aberto, escapando ileso da casa. Não se tendo por seguro, levantou-se da queda e continuou correndo para bem longe; o cão Fumaça se juntou à corrida do menino e ambos correram a perder de vista.
À tarde aquele sítio foi tomado por uma equipe policial, com o menino são e sob peritos cuidados. O que se relatou ao menino é que os corpos de seus avós foram encontrados por ali, e que, pelo estado de decomposição, já estavam mortos por alguns poucos dias, e, junto aos corpos, havia ainda os restos mortais de um cachorro que parecia ser da raça border collie.
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Avaliações
2 avaliações encontradas.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
O plot poderia ter sido melhor executado, mais pelo sentido de ritmo do que pela ideia, pois a ideia do texto é genuinamente boa. O problema? A execução, em parte pela prosa e pela caracterização bizonha dos personagens, contribui não somente para que o leitor fique confuso quanto ao que está acontecendo, como também no que ele deveria prestar atenção. A escrita é muito estranha, pois, apesar de utilizar um vernáculo rebuscado, é um texto muito truncado e muitas das vezes prolixo ou redundante. O estilo não me agradou nem um pouco, pois acho que o autor ainda está tentando descobrir o que quer fazer. Quanto ao desafio, eu o considero como feito, porém, poderia ser muito mais competente neste sentido.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Vou anotar aqui enquanto leio.
Achei excessiva essa descrição, que não acrescentou nada “situada em vastos campos subtropicais, com abundantes reservas de água doce: banda de muitos mistérios e lendas incontáveis”. Na verdade, achei o primeiro parágrafo inteiro excessivamente descritivo (e com algo que de fato não tem importância pra trama). As descrições excessivas de microações sem importância tiram o ritmo da leitura e geram um tipo de suspense na hora errada, como aqui: “arremessou-se contra o peito do garoto e, juntando-se ambos no chão, o menino teve o cão sobre si e gargalhou com as lambidelas recebidas”.
Estou lendo ainda enquanto escrito aqui. O texto todo parece ser verborrágico e está demorando demais pra me entregar alguma coisa, como aqui: “sob calorosa receptividade, servindo-lhe muitas guloseimas que preparara esta dona sua avó”. Ou aqui: “Concluída esta breve e responsável ligação”.
Estou anotando, para logo mais, os problemas na escrita. Mas oh, gostei muito do parágrafo “Volve-se em meia volta…”. Inteiro bom!
A pedra voltou? Rapaz, isso me lembrou de uma lenda urbana da cidade de Santo Anastácio, onde dizia-se não poder jogar pedra num certo bosque, porque ele podia devolver na sua cabeça.
Terminei a leitura e achei bom o plot, mas o texto ruim de ler pelo excesso de sinônimos de dicionário que não acrescentam à trama, nem soam minimamente verossímeis e, aliás, impedem qualquer construção de personagem.
Daqui pra baixo, só sugestões que eu vou retirar se forem revisadas.
VEROSSIMILHANÇA
As falas do menino não são verossímeis. “Bom, eu não sei como lidar com isso”; “além disso”, “eu me retiro”, “ele estranhara”; “ver se encontro meu amigo local” e “chamá-los-ei” são bons exemplos de que o autor confunde a si mesmo com o narrador e o narrador com os personagens.
A fala da avó é completamente inverossímil. E mais ainda, o silêncio do menino sobre o que aconteceu quando chegou na casa.
VÍRGULAS
Aqui, não é vírgula, é ponto: ” da tarde, quando”. Não tem vírgula aqui: “por alvo, quando”.
Aqui, a vírgula seria depois do “que” e outra depois de “férias”: “dez anos, que em suas férias”. Não tem estas vírgulas aqui: “caminhou, pela estradinha de terra entre os pomares, por cerca de quinze minutos, ao encontro”.
Faltou vírgula antes e depois de “insistente” em “Mas insistente ele”; depois de “incrédulo” em “Incrédulo ele”; depois de “noite” em “Nesta noite veio”; vírgula depois de “naquela altura”; depois de “À tarde”.
DEMONSTRATIVOS
Em “Nesta noite veio”, o demonstrativo correto seria “naquela”, por que o narrador não participa do evento e porque o tempo verbal de todo o conto está no passado.
Em “marca presença a esta aprazível” é a preposição que faz mais sentido sintático é “em”, gerando “nesta”. E em “esta carroçaria”, não é “esta”, mas “essa” (na verdade, o demonstrativo mais adequado seria “aquela” ou só o artigo “a”).
ÊNCLISE E PRÓCLISE
Em “O cão cala-se, mas mantém-se imóvel”, a primeira ênclise não se aplica, já que não inicia a oração, além do início ser o sujeito (que atrai a próclise). Não tem ênclise em “despertaram-se e aprestaram-se”.
RETICÊNCIAS
Não tem reticências em nenhum dos pontos que você usou, exceto em “— É que…”; as demais estão erradas.
DIÁLOGOS
Em “— Nada é. — Diz ela.”, não há ponto antes do segundo travessão e o verbo dicendi, por regra, começa minúsculo. Isso inclui perguntas: “— Indaga o pequeno”, aqui também é “indaga”, em minúsculo. Há mais casos no texto.