Essa guerra assola a cidade, o país, as vidas. O cheiro da morte é inesquecível, dizem os soldados que ainda não enlouqueceram; os outros, nada mais dizem, apenas esperam pela morte que não os arrebatou no campo de batalha.
Pólvora, sangue, urina, poeira e mofo, esse é o cheiro da morte, dizem os entendidos — os sobreviventes que ainda não estão loucos.
Nosso herói de agora não conseguiu se livrar da guerra; tentou escapar, mas o extermínio diário necessita de novos soldados para mais uma rodada de morte, loucura e sobrevivência.
— Vamos! Você vai para a ronda!
— Sozinho!?
— É o que sobrou.
Eram três soldados na patrulha, depois dois e, agora, as rondas solitárias, pois a maior parte tem que ir pro campo de batalha; a minoria fica com a ronda e o campo. Após tanta morte, as funções se acumularam. Andar, observar, matar, morrer. Algo assim, ninguém mais se importa.
— Se perceber algo estranho, recue. Se não puder recuar, mate.
Não morrer também seria um bom conselho, mas e daí?
Mário começa a caminhada. Passos lentos e decididos, na noite que começa a cair junto com uma neblina branca e imaculada. Ele olha em volta procurando algo estranho, algo ainda vivo em meio a tanta morte.
Foi difícil tomar a cidade e agora tem sido fácil mantê-la. O campo de batalha está sendo devastador também para o inimigo, e o pior lugar é a grande distância daqui.
Nem sempre foi assim. No começo era essa a área ruim, era aqui o pior campo de batalha, o matadouro, o lugar preferido da morte, que a impregnou com seu cheiro maléfico.
Agora, apenas vez ou outra o inimigo aparece, disposto a matar ou morrer, como todos nessa guerra maldita. A cidade comporta algumas mortes por semana; ambos os lados ainda morrem aqui e ali. No que antes eram becos e avenidas, agora é a casa da morte.
Mário passa por uma igreja, semidestruída, de pé ainda, mas retalhada, com buracos grandes e pequenos dividindo o espaço em sua fachada marcada pela dor.
Os degraus de pedra levam Mário até o que antes era uma porta dupla de madeira, mas agora inexistente, queimada no grande incêndio da primeira batalha pelo controle da cidade. Os fiéis, trinta e nove naquela manhã, morreram sufocados pela fumaça, ajoelhados dentro da igreja que lhes serviu de sarcófago, não de proteção.
Naquela época, os corpos ainda eram resgatados e enterrados; hoje, apenas os soldados mortos não têm esse privilégio, os outros compõem a paisagem desolada de uma cidade mortal.
Logo na entrada, Mário se detém para olhar o corpo sem vida de um cachorro, depois segue como se aquilo fosse nada. Morreu de fome? Ou foi atacado? Talvez doença? A causa mortis lhe é tão indiferente quanto a existência da morte, pois quem na atual situação seria capaz de se importar com a morte em si?
Alguns bancos de madeira ainda existem, mas a maioria sumiu; talvez tenham queimado naquele dia ou roubados depois, ou… Ora, ninguém se importa.
Mário caminha devagar, olhando atentamente; não há som na igreja que não seja dos seus passos, sua bota preta amassando a poeira no chão de pedra.
Quando então acha que ouviu algo, para de andar, segura a arma com firmeza e olha em volta, atento a qualquer resquício infeliz de vida. Seu coração bate mais forte, sente seu suor se misturar a umidade do ar. Com a mão direita, segura o instrumento de matar, e com a esquerda, busca o rádio, mas aflito percebe que está sem comunicação
Ouve então uma voz, um vozeirão ecoando por toda a igreja, na língua do inimigo; olha em volta assustado, a arma bem presa na mão, que agora, entretanto, treme intensamente como o resto do corpo.
Alguém diz em alto e bom som algumas palavras que Mário, em vão, tenta identificar. Ele aprendeu algo da língua inimiga nos campos de batalha, mas não consegue entender o que essa voz está dizendo.
Olha em volta mais uma vez e busca se proteger atrás de uma coluna, quando um ar gélido toma a igreja nesse momento e dissipa a neblina. Mário olha para cima e percebe que o telhado está destruído. A Lua cheia no alto do céu escuro ilumina seu corpo e toda a igreja, e o brilho é tão intenso que parece uma iluminação artificial.
Ele olha com atenção e consegue ver as crateras. Quando criança sonhava com a Lua; queria andar nela um dia, caminhar na sua superfície como se estivesse em um parque. Hoje, observa ao longe, enquanto pensa se agora é o momento de matar ou morrer.
O vozeirão diz mais algumas palavras e, dessa vez, Mário entende uma ou outra:
— Redenção.
— Amor.
— Ódio.
— Medo.
Na sua frente, na parede machucada da igreja, um vão guardava a estátua de um santo, mas qual santo? Ele não sabe e quem sabia morreu. Agora, há apenas um espaço vazio, como no resto da cidade.
— Temor.
— Tragédia!
— Paz!
O Vozeirão começa a falar ainda mais alto; sua voz reverbera com mais intensidade por toda a igreja.
Lentamente Mário vira o rosto, sempre tentando se proteger de um tiro eventual; busca com o olhar o altar, donde ele acha que a voz está se irradiando. Mas não há nada. É apenas um pedaço de construção, velho, rachado, carcomido e se destruindo diariamente sem qualquer manutenção.
Não é um altar, não lembra um altar, não lembra nada, mas a voz prossegue em sua luta para ser ouvida, elevando o tom uma vez mais:
— Guerra!
— Morte!
— REDENÇÃO.
É a segunda vez que Mário ouve a palavra “redenção”, mas pela primeira vez ele se sente tocado em seu coração por ela; algo mexe com ele nesse momento, enquanto a voz continua, mas Mário agora só pensa nessa última palavra que ouviu e entendeu.
Ele se aproxima lentamente do que um dia foi um altar, ainda observa em volta, pois ainda é um soldado prestes a matar.
Já no antigo altar, ele se volta e olha para toda a igreja.
Seu olhar passa pela entrada sem as portas e vai até a rua tomada pela neblina, agora bem densa e ainda mais esbranquiçada, ao contrário da igreja, que está com seu ar limpo e frio.
Ele sente então uma toque em seu ombro. Assustado vira-se rapidamente, porém não há nada, e ele novamente deixa seu olhar sair para a rua. Agora, a Lua ilumina com mais intensidade ainda o chão da igreja.
Mário sente outra vez um toque no seu ombro, dessa vez ele não se vira e ouve uma voz rouca sussurrar em seu ouvido:
— R-e-d-e-n-ç-ã-o!
Ele fecha seus olhos quando sente as lágrimas surgindo, mas não consegue evitar que elas escorram pelo rosto marcado pelo sofrimento. A mão sai então de seu ombro e ele percebe uma outra presença se aproximando.
É um soldado inimigo que lhe dá um tiro na cabeça e Mário morre sem ter tempo para pensar em redenção.
Você não tem permissão para enviar avaliações.
Avaliações
1 avaliações encontradas.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Vou comentar enquanto leio.
As edições são sempre sujeitas a contestação.
Ponto e vírgula depois: “enlouqueceram”, “livrar da guerra”, “resgatados e enterrados”, “a maioria sumiu”, “olhando atentamente”, “na língua do inimigo”, “ainda mais alto”, “um tiro eventual”,
Vírgulas depois de “os outros”, “cheiro da morte”, “tentou escapar”, “tanta morte”, “Naquela época”, “que ouviu algo”, “Com a mão direita”, “com a Lua”, “em um parque. Hoje”, “mais algumas palavras e”, “dessa vez”, “Já no antigo altar”,
Tirei a vírgula depois de “alto e bom som”.
Cortei o “um de cada vez” por redundância.
Troquei:
– “menoria” por “minoria” (e tirei a vírgula)
– “manter a cidade” por “mantê-la”
– “a existência da morte, quem na atual” por “a existência da morte, pois quem na atual”
– “pela porta sem as portas” por “pela entrada sem as portas”
Ponto antes de “após tanta”, “passos lentos”, “campo de batalha está sendo”, “no começo era essa a área ruim”, “a Lua cheia no alto”, “quando criança sonhava”, “assustado se vira” (troquei por “vira-se”).
A maior edição que fiz foi nesta frase abaixo, pela seguinte:
– Ele não sabe, quem sabia morreu e agora é apenas vazio. Há apenas um espaço sem nada, tudo é vazio nessa cidade.
– Ele não sabe e quem sabia morreu. Agora, há apenas um espaço vazio, como no resto da cidade.
OS CRITÉRIOS:
ESCRITA: bastante vírgula faltando ou substituindo ponto e ponto e vírgula. BATANTE msm. Eu não vou dar os exemplos pq já coloquei tds eles lá na avaliação, no site.
O texto não tem erros sintáticos, nem erro de concordância, mas tava com muito problema de pontuação. E tem tbm uma repetição muito chata da palavra “morte”, que ao invés de reforçar a sensação do ambiente, acaba sendo um pouco irritante.
ESTILO: Não tem muita frescura com figuras sintáticas.. o texto é bastante direto, realista, MOSTRANDO muito mais do que contando. Narrador um pouco intrometido, do jeito que eu não gosto, e claro que isso conta pra gnt avaliar, apesar de ser só questão de gosto pessoal msm.
EXECUÇÃO: o enredo se limita ao chamado pra essa ronda solitária, a caminhada pela cidade, até a igreja, onde ele ouve a voz e leva o tiro. Então, não acontece muita coisa. O texto é bem prolixo nas descrições, pra ocupar esse espaço. E, assim, o cenário tá muito bem desenvolvido, por causa disso. Apesar de que o protagonista nem tanto. Não tem subtemas, não trabalha muito subtexto tbm, nem tramas secundárias…
PLOT: o plot eu achei simples demais, e fica até difícil dizer qual é exatamente, SEM contar o enredo. A pergunta seria assim: a sua história é sobre o q? É sobre um soldado que vai fazer uma ronda sozinho, ouve umas vozes vindas do nada e o pior acontece.. sei lá. Não é mto impressionante. E não que o plot sempre tenha que ser a coisa mais doida do mundo… não é isso, não. É que nessas avaliações, um dos critérios é o plot.
Mas, por ex., tem mto plot de romances clássicos que a gnt não fica minimamente interessado. E o que acaba contando é o enredo, a execução do plot né.. a construção dos personagens, as subtramas e tal.. E isso não é mto fácil de fazer num conto de até 2mil palavras, então um plot forte ajuda bastante
DESAFIO: cumpre o desafio, de forma literal, mas de um jeito mais sutil, com aquelas vozes do além e a mão que encosta no ombro do cara (e distrai pra morte)
É um conto diferente dos outros do ugo (o desafio faz isso)