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Para todas as fantasmas de Roanoke

— Deixe-me ver se entendi: você se mudou recentemente para uma nova casa, antiga, onde vários dos antigos moradores morreram das mais variadas formas; uma casa que possui inúmeros relatos de possessões demoníacas, aparições de fantasmas e reclamações de sons assustadores pelos vizinhos, certo?

— Isso.

— Qual o problema dos seus pais?

— Eles não são muito inteligentes.

— Sei. E pelo que entendi, você havia se encontrado com uma menina e teria se relacionado com ela por um tempo.

— Desde que me mudei. Conheci ela na casa.

— E por que parou de ficar com ela?

— As náuseas, acho. Comecei a passar mal na escola toda manhã e me sinto fraco.

— Acha que ela tem algo a ver com isso?

— Imagino que sim. Ela tem um cheiro esquisito e esse cheiro aparece quando passo mal.

— Você sabe que você estava transado com um fantasma, não sabe? 

— Eu não imaginava que ela era um fantasma, achava que era outra coisa. Ok, eu conheci ela na casa, mas ela se apresentou apenas como a antiga moradora, que queria buscar suas coisas de volta. E bom, ela é muito gata.

— Eu não duvido, garoto.

— E nós não transamos. Não ainda.

— Ok, disso eu duvido.

— É sério. Eu tenho receio, por mais que ela queira muito.

— Por que acha que ela quer tanto?

— Porque sou gostoso?

— Assim como seus pais, você também não é muito inteligente, não é, garoto? Bom, já adianto a você que desde que vocês dois começaram a trocar saliva, ela tem estabelecido um elo entre ambos, elo este que tem tirado sua energia e que faz você passar mal.

— Você explica bem.

— Eu me esforço. Mas me permita perguntar: por que me procurou? Sou apenas uma cartomante, não medium.

— E não é a mesma coisa?

— Garoto, estou surpresa que você ainda esteja vivo.

— Você vai conseguir me ajudar?

— Eu vou, porém você precisa entender umas coisas antes. Ela quer transar com você para que ela possa voltar à vida. Ela perdeu o próprio corpo físico a sabe Deus quanto tempo e agora precisa de um novo, e ela escolheu o seu, pois precisa que seja um corpo jovem. Você poderia simplesmente fugir, mas como eu havia dito, um elo já foi estabelecido e você está enfraquecendo por causa dele, e se fugir, essa drenagem de energia vai te matar aos poucos. Para que possa quebrar esse elo, você deverá ir até ela e descobrir quem ela é de verdade e onde o corpo dela está enterrado. Assim que descobrir, deverá profaná-lo.

— E como eu faço isso?

— Existe apenas uma maneira de se permanecer como um fantasma nesse mundo. Quando morremos, nosso corpo fica na terra se decompondo e a alma, espírito e todo resto vão embora para outro lugar. Algo está impedindo ela de ir e, por isso, ela é um fantasma. A importância de se descobrir quem ela é se deve ao fato de que assim você saberá como ela morreu e como foi enterrada, e logo em seguida terá noção do que fazer.

— Acha que ela vai simplesmente revelar tudo pra mim?

— Se você souber mascarar suas intenções, talvez tenha uma chance. Boa sorte.

*****

— 1585.

— O quê?!

— Eu vim para cá em 1585, junto com todo o restante da minha colônia. Porém, fui morta pouco tempo depois, por ter me recusado a ter relações com o meu prometido.

— Você morreu porque não queria transar?

— Na verdade, eu queria, mas não com ele.

— Então, você é virgem?

— Definitivamente, não.

— E como foi? Digo, a sua morte.

— Eu fui empalada.

— Uau.

— Como descobriu que sou um fantasma?

— Ficou meio óbvio. O cheiro de enxofre, as aparições repentinas… Você não é muito discreta.

—  Você acredita em fantasmas?

— Sim. Obviamente, vocês não são como na TV. São bem mais reais.

— Por que todas essas perguntas? Eu vivi o suficiente para saber que agora que você descobriu o que eu sou, vai me abandonar, assim como todos os outros. Mas eu realmente gosto de você.

— Acredito que se vamos ficar juntos, eu precisaria te conhecer melhor e entender quem você é de verdade. Eu sei que tudo isso é loucura, mas eu não me importo de você ser um fantasma e definitivamente não me importo que você tenha mais de 450 anos. Podemos ser felizes.

— Vamos nos ver hoje à noite? Por favor.

— Acredito que hoje não será possível, tenho algo muito importante a fazer.

— É uma pena, eu tinha planejado algo muito legal pra nós hoje.

*****

— Garoto, eu não acredito que a vadia abriu o bico desse jeito. Mas vamos ao que interessa: ela fazia parte da colônia de Roanoke, que chegou aqui em 1585 e sumiu misteriosamente do mapa sabe Deus como. É uma lenda a ser desvendada até hoje.

— Bom, a primeira parte da missão eu concluí, agora eu só preciso descobrir onde o corpo está e como destruí-lo, não é?

— O corpo dela está na sua casa.

— O quê?! Se você sabia disso o tempo todo, por que pediu para eu ir falar com ela?

— O corpo dela estar na sua casa era apenas uma alternativa, ela poderia ser outro tipo de fantasma que exigiria outro método. E bom, sua casa foi construída na região de onde os nativos desapareceram, então…

— O quê?! Será que você pode abrir o jogo de uma vez?

—  Quanto menos você souber, melhor. Agora, a única coisa que você precisa saber é onde o corpo dela está enterrado e, digamos, tacar fogo.

— Mas isso é praticamente impossível. Deve haver vários corpos enterrados por lá. Como vou saber qual é o correto?

— Que diferença faz, garoto? Já estão todos mortos mesmo. Encare isso como um processo de libertação! Boa sorte, espero que você consiga.

*****

GRAVAÇÃO DA ENTREVISTA COM JOANA MEZZANINO, PSIQUIATRA DO HOSPITAL DA CAROLINA DO NORTE. A GRAVAÇÃO FOI ESPONTANEAMENTE ENTREGUE A MÍDIA LOGO APÓS O CONTATO COM O PACIENTE, DOIS ANOS DEPOIS DO GRANDE INCÊNDIO:

— Olá, querido, como você está?

— …

— Eu sei que é cansativo ter de contar a mesma história várias vezes, porém eu fui remanejada para esta cidade há pouco tempo e ainda não havia conversado com você, mesmo eu já estando ciente de todo o caso. 

— …

— Acredito que, para facilitar o diálogo, seria interessante eu usar perguntas diretas e palavras-chave para entender melhor todo o incidente pelo seu ponto de vista. Iniciarei com: Flora.

— Fantasma.

— Joseph e Claudia.

— Meus pais. Mortos.

— Glória. 

— Cartomante.

— Casa.

— Queimada.

— Por que queimou?

— Precisava me livrar da Flora.

— Flora, a fantasma?

— Isso.

— E quanto aos outros ossos queimados?

— Eu não sabia quais eram os ossos específicos dela.

— Segundo os bombeiros, o incêndio começou no quintal, com vários buracos cavados pelo chão, encharcados de gasolina. As chamas se alastraram pela casa e em menos de uma hora tudo estava sendo incendiado. Logo após isso, você foi resgatado pelos bombeiros, com a maior parte do corpo queimada. Os seus pais também, porém eles não resistiram às chamas e toda a fumaça inalada. Está tudo correto até aqui?

— Sim.

— Eu sinto muito. Entendo que as motivações fazem sentido na sua cabeça, então, serei empática. Todos os ossos enterrados no quintal foram queimados pelo incêndio. A comunidade local se incomodou em saber de corpos enterrados no local, então, organizou-se um mutirão para encontrar os ossos restantes, que foram remanejados para outro local. Imagino que não sabia nada disso, devido ao seu isolamento.

— E a cartomante?

— Fugiu da cidade assim que soube do acontecimento. Mas já foi encontrada e está respondendo por algumas acusações.

— …

— O que pensa de tudo isso? De toda essa situação.

— Que eu deveria ter comido a fantasma. Mas bem feito, agora que meu pau virou uma salsicha defumada e eu vou morrer virgem.

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Plot Execução Escrita Estilo Desafio

Vou comentar enquanto leio.

Primeiro parágrafo impecável na pontuação.

A fala com algumas coisas não usuais, como “uma casa que possui inúmeros relatos…” são explicadas depois, quando descobrimos que é uma conversa profissional.

Mas a segunda fala da velha já é sensacional: “Qual o problema dos seus pais?” Ri alto.

Coloquei ponto depois de “Imagino que sim”.

Tá, a trama é engraçada msm kk

“vc tá transando com uma fantasma”, “mas ela é mto gata” kk

Tirei o “mas” de “Mas eu tenho receio”.

“ela quer mto”, “pq acha?”, “pq eu sou gostoso?” kk

A Colônia de Roanoke? Legal demais! Rolou uma pesquisa aí.

A fala da psiquiatra é exageradamente expositiva. Parece até um noticiário. Acho que podia sinalizar que ela de fato tá lendo uma matéria da época do incêndio.

A frase final kkkkkkk

tá, bora lá:

ESCRITA: Tá muito boa. Vocabulário light que combina com o plot.

ESTILO: O conto é inteiro feito com diálogos e nem sempre isso é bom (aqui ficou bom. A poética não é trabalhada, mas não sei se teria um jeio legal de fazer isso. Contou bem a trama, em todo caso.

EXECUÇÃO: A estrutura tá mto bem definida, as divisões são bem marcadas, o arco é claríssimo. Tudo no texto ajuda a construir personagem e avançar a trama, excelente. A ambientação não é muito desenvolvida, nem tem subtemas, mas tem uma trama secundária, que é a da fantasma. Não vi furos no roteiro.

PLOT: Gostei bastante! Sem mais.

DESAFIO: Pow kkkk 10 de 10