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Os fantasmas da casa da rua de cima

“Boa noite. O senhor poderia me ver um vinho?”, disse ao garçom.

“Qual vinho a senhora gostaria?”, ele me perguntou.

Olhei em direção à minha amiga: “Clara, qual vinho você gosta? Podemos pegar esse espanhol?”

Em resposta, ela me olhou desconfiada.

“Vamos pegar um nacional, que tal? É mais barato”, disse Clara baixinho, tapando metade da boca para o garçom não ouvir.

“Não se preocupe com isso”, assegurei, e em seguida, virei para o garçom: “Vamos pegar o espanhol mesmo”.

“Perfeito”, ele disse e logo saiu.

Clara me olhou com um olhar interessado. Sempre soube que ela era fofoqueira e sabia que estava prestes a me fazer uma pergunta indelicada.

“Quem morreu?”, perguntou ela.

“Como é?”, respondi confusa.

“Quem morreu da sua família para você ficar tão rica? Certamente já recebeu alguma herança”, concluiu.

“Ninguém morreu, sua boba. Sou uma self made woman, Clara. Não vivo de herança”, complementei.

Clara, gesticulando, falou: “Então me conte como foi de uma pessoa que bebe da torneira do banheiro do restaurante, para não pagar bebida, a uma mulher que bebe vinho espanhol”.

“Eu me aproveitei de uma situação complicada e descobri a fonte da riqueza”, respondi.

“Não vai me contar que situação foi essa?”

Eu, com um olhar desconfiado, perguntei: “Não vai rir de mim, vai? Porque é verdade!”.

“Não vou”, me assegurou.

“Bom, como você deve saber, eu me mudei recentemente para aquela casa no final da rua de cima…”

Comecei contando da minha mudança a um imóvel que tinha história na cidade.

“Ah, a casa da mulher que se matou!”, complementou Clara. “Dizem que é assombrada pela mulher que morreu e toda sua família que morreu de desgosto em seguida, mas não acredito nestas coisas”.

“Pois ela é realmente assombrada. Já no primeiro dia, um fantasma quebrou minha TV”, adicionei. “Não fiquei com medo, fiquei revoltada. Mas deixei passar”.

“No segundo dia, outro evento paranormal aconteceu: quebraram meu batom da Ruby Rose”, continuei. “Este realmente foi imperdoável. Quebrar uma TV não é tão grave, porque eu não tinha TV a cabo, e era obrigada a assistir a Globo, que, convenhamos, não tem qualidade. Agora, quebrar o meu batom favorito? Imperdoável!”

“Mas não poderia ter sido um gato ou o vento?”, disse Clara, incrédula.

“Poderia, mas decidi achar o culpado do crime, se um gato, o vento ou um fantasma”. Conclui com minha ideia genial: “Decidi chamar um médium para solucionar o caso”.

“E como foi?”

“Fizemos uma sessão na minha casa; a mulher incorporou o fantasma e comecei a interrogá-lo; pedi para o fantasma se identificar e ela se revelou com o nome de Jucinda”.

“Jucinda é a mulher que se matou!”, ela gritou.

Respondi: “E daí? Eu não sou responsável por isso, e se matar não é desculpa para quebrar meu batom! O que deixei bem claro a ela”.

“E o que ela disse?”

“Ela exigiu que eu saísse da casa! Disse que eu estava perturbando sua paz e que tinha assuntos para resolver neste plano antes de descansar”, respondi. “Eu disse para ela: isso não será possível, senhora Jucinda, porque a casa já está no meu nome, já tenho fiador e já fiz empréstimo no banco”.

Continuei: “Mas daí eu propus um contrato a ela. Disse que se ela quisesse continuar morando lá até resolver seus assuntos neste plano, teria que me pagar aluguel, que estava no valor de 1.000 euros, e que se ela não quisesse, devia arrumar um advogado especialista em assuntos do outro plano”.

“Por que em euro?”, Clara perguntou.

“Você acha que um fantasma acompanha a desvalorização do real?”, perguntei. “Nem os vivos acompanham, por isso nosso presidente é quem é. Vi uma oportunidade de ganhar muito dinheiro”.

Clara me indagou se ela tinha aceitado, eu disse que sim. Aliás, era bem óbvio que teria uma resposta positiva, pois logicamente um fantasma sempre perderia a causa num tribunal para um vivo. Podem me chamar de fantasmofóbica, mas é a verdade.

“E tem mais!”, continuei. “Jucinda me disse que havia mais espíritos na casa. Seus pais, Dona Rosa e Seu Kléber, e sua irmã Maria de Lurdes. E me disse em seguida que eles também gostariam de permanecer”.

“E como vocês resolveram? A casa tem 2 quartos, não tem como 4 fantasmas e um vivo viverem – se é que se pode dizer assim – no mesmo ambiente”, disse Clara, curiosa.

“Bom, concordamos que no primeiro mês, Jucinda e Maria de Lurdes iriam dormir na sala e eu iria fazer um puxadinho sem cobrar nada adicional no aluguel, mas que seria 1.000 euros por integrante. Além do mais, não iria cobrar de dona Rosa, que assumiu autoria do crime, nem a TV nem o batom”, respondi. “Já faz dois meses que estamos fazendo negócio, eu e os fantasmas, no caso”.

“Então foi assim que ficou rica?”, perguntou Clara. Neste momento o garçom voltava com nosso vinho e enchia o copo dela.

“Foi. E se você quer ser a nova milionária, é só achar uma casa assombrada e alguns fantasmas”, respondi.

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4 avaliações encontradas.

Plot Execução Escrita Estilo Desafio

Gostei do plot, achei algo bem diferente e ao mesmo tempo leve, sem puxar para algo diferente demais. Mas sobre a execução, ora fica parecendo que seria “verdadeiro”, ora que é apenas para enganar a fofoqueira, fiquei na dúvida se essa foi uma opção da escritora, por isso a execução não recebeu nota maior; também não entendi como seria feito o depósito, o que aumenta a dúvida.

A escrita e o estilo são bons. O desafio é cumprido, porém posteriormente, ficou determinado que o desafio não é necessariamente sobre fantasma, mas sobre um elemento fantasmagórico. Há algumas dúvidas sobre este desafio, entretanto, por isso dei a nota que dei.

No geral é um conto divertido e agradável.

Plot Execução Escrita Estilo Desafio

Questões de enredo (plot e execução)

Temos alguns problemas que prejudicam o plot em si. Ele não é coerente pelo que se segue:
A menina narradora decide contar uma história muito pessoal, difícil de acreditar, digna de risos, a uma fofoqueira. Por qual motivo? Como o texto não conta, deixa o leitor sem respostas.
Depois que há uma dúvida que, numa primeira leitura, levantei, mas que no momento da releitura, foi sanada, e trouxe maiores complicações: a veracidade do que é contato para a narradora/personagem. Se ela está considerando que a Clara é uma fofoqueira e, por isso, quer enganá-la, então, os furos da história devem ser desconsiderados. Se não, o que o texto parece demonstrar, os furos são elementos que prejudicam o plot. Vejamos:

#Clara me olhou com um olhar interessado. Sempre soube que ela era fofoqueira e sabia que estava prestes a me fazer uma pergunta indelicada.

#Clara me indagou se ela tinha aceitado, eu disse que sim. Aliás, era bem óbvio que teria uma resposta positiva, pois logicamente um fantasma sempre perderia a causa num tribunal para um vivo. Podem me chamar de fantasmofóbica, mas é a verdade.

A análise das duas frases é determinante para responder à dúvida que eu mencionei acima. No primeiro momento, há espaço para uma história inventada, para ludibriar. Já na segunda frase, a possibilidade é anulada. A autora acredita no que conta, o que torna o roteiro problemático.

Outro problema apresentado aqui é a questão do quanto ela considera real toda essa situação, e, consequentemente, o quanto ela desenvolve os enunciados. Como no exemplo abaixo:
#Aliás, era bem óbvio que teria uma resposta positiva, pois logicamente um fantasma sempre perderia a causa num tribunal para um vivo. Podem me chamar de fantasmofóbica, mas é a verdade.
SUGESTÃO: Aliás, era bem óbvio que teria uma resposta positiva, pois,* logicamente,* um fantasma sempre perderia a causa num tribunal para um vivo. AFINAL, TODOS OS MORTOS QUERIAM ESTAR VIVOS, E, PORTANTO, TENDEM A FAVORECÊ-LOS EM SUAS SENTENÇAS*. Podem me chamar de fantasmofóbica, mas é a verdade. (Perceba que esse acréscimo simples dá um elemento lógico, que foi proposto).

A invocação da lógica, nesse aspecto, é, no mínimo, injustificada. Não há uma lógica evidente. E, se não há, não deve ser apresentada. O trecho todo colabora para o aspecto cômico, mas não colabora para um roteiro preciso.

ESCRITA

#Aliás, era bem óbvio que teria uma resposta positiva, pois logicamente um fantasma sempre perderia a causa num tribunal para um vivo.
CORREÇÃO: Aliás, era bem óbvio que teria uma resposta positiva, pois,* logicamente,* um fantasma sempre perderia a causa num tribunal para um vivo.

ESTILO

#Clara me indagou se ela tinha aceitado, eu disse que sim.
SUGESTÃO: Transformar em diálogo. Não há nenhuma justificativa para que esse trecho, especificamente, seja apresentado dessa maneira.
“E você aceitou?”
“Claro que sim.”

Plot Execução Escrita Estilo Desafio

Vou comentar enquanto leio.

Fiz a alteração que o anônimo sugeriu (sujeito a contestação).

Alterei uma pela outra:

“Boa noite, o senhor poderia me ver um vinho?”, disse ao garçom.
“Boa noite. O senhor poderia me ver um vinho?”, disse ao garçom.

Deste crime – Do crime
interrogar-lo – interrogá-lo
Porque em euro? – Por que em euro?
Já fazem dois meses – Já faz

Ponto depois de: “senhora gostaria?”; “sua boba”; “woman, Clara”; “realmente assombrada”; “presidente é quem é”; “eu disse que sim”;

Vírgula depois de “Em resposta”; “made woman”; “no primeiro dia”; “No segundo dia”; “assuntos neste plano”; “se ela não quisesse”; “Aliás”; “Além do mais”.

BORA LÁ:

Plot: Gostei bastante!

Escrita: Um tanto sofrida, viu? As próximas análises serão favorecidas pela minha edição, então, permita-me avaliar mal esse critério.

Execução: O enredo é muito bom, exceto pelo final. As duas personagens são bem construídas, assim como a situação da casa assombrada. A trama, porém, não conta muita coisa. É como um resumo da história. Ah, e tem um problema que o texto não resolve, mas não é um furo: como, diabos, os fantasmas depositavam o dinheiro? kkkk Podia ter uma indicação no final, como “já resolvemos isso”, ou “esse foi o maior desafio”.

Estilo: A escrita prejudicou um pouco o estilo. Não há figuras sintáticas diferentes, nem figuras de linguagem fortes pra reforçar o plot. Se isso for melhorado, aumento muito a minha nota.

Desafio: Cumpre literalmente, mas não passa sensação de assombro, como na comédia do Alex. O deboche da protagonista muda o foco do gênero, tornando o conto bem interessante, mas não tão interessante no aspecto do seu cumprimento (que, a propósito, nem era a ideia original, eu sei).

Plot Execução Escrita Estilo Desafio

A mulher conta que ficou rica enganando os fantasmas, mas será que ela está falando a verdade? Acho que essa mulher é muito esperta, isso sim.

A leitura é impactada pela pontuação, começando na primeira frase: “Boa noite, o senhor poderia me ver um vinho [deveria ter um sinal de interrogação aqui]”, disse ao garçom.

Algumas frases estão realmente confusas, por exemplo: “Quebrar uma TV não é tão grave, porque eu não tinha TV e acabo e era obrigada a assistir Globo, que convenhamos não tem qualidade, agora quebrar meu batom favorito?” O fantasma quebrou a TV, mas ela não tinha TV? Qual TV foi quebrada? Ah, agora que eu entendi: “não tinha TV a cabo”.

Sugestão: “Quebrar uma TV não é tão grave, porque eu não tinha TV a cabo, e era obrigada a assistir a Globo, que, convenhamos, não tem qualidade. Agora, quebrar o meu batom favorito?”