Sobre o cume de uma colina onde abetos se banhavam no orvalho matinal, esgueirando através de seus ramos gotas solitárias até a ponte que arqueava seu trajeto entre dois pedaços de terra, deslizando pelo parapeito até finalmente caírem em minúsculas e cristalinas cascatas no córrego dum rio, havia um padre que igualmente seguia um fluxo rotineiro e meditativo.
Uma corrente de reflexões.
Vestia-se com uma batina negra como as íris de seus olhos e encarava o céu: manchas brancas se entremeavam com o azul opaco e distante.
Tão longínquas quanto sua fé em Deus.
O padre observava a imensidão afora dos jardins de seu templo sagrado. Perguntava-se se era aquilo que realmente queria. Gostaria de poder viver como os desprovidos de fé viviam, mas não era como eles. Buscava por respostas, e que outro poderia responder tão bem quanto Deus o motivo por trás da bênção — ou maldição — de se ver os mortos?
O padre via fantasmas.
Alguns perambulavam em um cotidiano resoluto, inexorável, como se nada estivesse acontecendo. Outros se lamuriavam. Ainda havia outros que, assim como ele, paralisavam-se, deixando os ventos tempestuosos das próprias vontades levá-los para onde bem entendessem. Era assim que se encontrava, mas estava vivo.
O pior era que o padre estava vivo.
A ciência bajulara de suas habilidades, cada artigo comprobatório contradizendo todas as possibilidades que poderiam conceber um ser que enxergasse, através da vida, o plano dos mortos.
O padre se considerou louco.
Pensou que talvez seu cérebro fosse, assim como aquela ponte que agora observava, apenas um trajeto alquebrado em que vida e morte se beijavam; seus lábios nunca alcançando um ao outro.
E o beijo nada mais era do que um sopro, carregando as gotas chuviscosas que vinham se brindar no sal de seus olhos. Mas inúmeros professores evidenciaram sua lucidez através de testes psicológicos e clínicos. Então recorreu a Deus.
Mas Deus também não o respondeu.
Agostinho de Hipona dissera uma vez que a fé era crer naquilo que não se via. A recompensa dessa fé era ver aquilo em que se cria. Mas se tal reflexão fosse válida, então no que o padre acreditava? Ora, se ele não acreditava em Deus nem na ciência, o que mais restava a ele?
Foi quando a silhueta de uma garota de não mais que seis anos surgiu no outro lado, enevoada e translúcida, debruçando-se no parapeito da ponte.
Somente então o padre descobriu a resposta: a ele restava os mortos, pois o silêncio de Deus e a incompetência dos vivos já não importava quando as almas passadas demonstravam mais animosidade e sabedoria do que aquelas que ainda dispunham dum corpo.
O padre caminhou até a ponte, seus dedos enxugando a madeira que corria o parapeito até que encontrasse aquelas mãozinhas fantasmagóricas.
As gotículas de água atravessavam o corpo da garotinha, seu vestido amarelinho ondulando junto ao vento. Cada pingo refletia o brilho inocente de sua alma e sarapintava o chão com memórias de um futuro que nunca teve.
Um lírio-do-vale se escondia em suas madeixas onduladas.
Ela ria ao ver sapos pulando de lá para cá na margem, mas ignorava aquele que se compadecia a cada momento daquela que poderia ter sido uma radiante vida.
Em seu primeiro templo o padre já via as reminiscências do desalento. Os sapinhos salpicavam uns aos outros enquanto, lá em cima, no montículo oposto, um gato lhes observava, perspicaz, esperando o momento de caçar a sua presa. A menina disse, sua voz tão enevoada quanto seu corpo:
— O sapinho faz splash, o sapinho faz pum!
Então seus olhares se encontraram, e o padre viu medo através das cortinas de seus olhos tão negros quanto carvão. Um susto, um arquejo sem ar. A menina lhe disse, ainda incerta:
— Ô, velhinho, o senhor pode me ver?
E o padre lhe respondera:
— Ora, estou tão velho assim? Acho que posso, de fato, vê-la.
— Que coisa doida, o velhinho é doido da cabeça.
— Bom, vê-la a faz acreditar que sou doido da cabeça?
— Sim, ninguém mais me vê. Só você.
— E por que está aqui, nesta ponte?
— Porque foi aqui que eu vi a mamãe e o papai pela última vez. E foi a última vez que eles me viram.
O padre se surpreendia constantemente sobre como a morte abria o coração das pessoas. A morte era o estopim para a transmissão dos mais afáveis sentimentos. E agora, assim como vira centenas de vezes, era a hora daquela alma. Mas ele gostaria de saber com mais detalhes:
— Você sabe que está morta, não sabe?
— Sim, eu sei.
— Como você morreu?
— Não quero falar com você sobre isso.
— Está bem.
Folhas navegaram mudamente com o vento, e o farfalhar de ramos distantes riu do acaso. Por ser a única pessoa no mundo que podia falar com os mortos desde o mundo dos vivos, poucos fantasmas desperdiçavam a chance de conversar sobre seu passado por acharem que poderiam, através dele — o passado ou o padre, ele não saberia dizer — viver ou se sentirem um pouco menos mortos.
Até mesmo a garotinha não resistiu, o balançar de pés inexistes sustentando a tagarelice alheia:
— Foi numa manhã de domingo. Eu, a mamãe e o papai estávamos brincando no parquinho. Eu disse que queria brincar na beira desse rio e a mamãe falou que precisava falar com o papai no carro, mas eu queria muito nadar logo porque sabia que o papai não ia deixar. Eu queria aprender a nadar pra poder viajar no mar com o papai! Ele é navegador, sabia, tio padre?
Enquanto conversavam, o gato se aproximava dos sapinhos na beira do rio, que em suas vidas alheias mal percebiam o felino. A garotinha lhe dizia, enquanto observavam juntos aquela moldura que precedia o destino final das pobres criaturas:
— Então eu desci. A água tava gelada, mas eu gostava da aguinha, e tinha sapinhos também, e eu sabia nadar. Mas aí veio um moço…
Ela olhou para o gato, que preparava seu bote nos sapinhos. A garotinha se virou. O padre percebeu que suas pupilas haviam desaparecido, e de seus olhos escorria sangue. Ela o observou de cima à baixo:
— O moço se parecia muito com você, até. Usava roupa bem parecida.
Algumas palavras podiam ser tão afiadas quanto lâminas e, por mais que quem sangrasse fosse ela, era o padre que sofria com sua fé hemorrágica. Mas após receber tantas facadas na vida, o sangue engrossara, e o gosto da lâmina se reduzira à fuligem de cujo tétano apenas sua consciência gangrenava. A garotinha continuou:
— O moço disse que ia me levar até a mamãe. Mas ele não me levou até ela. Eu comecei a chamar o papai, mas ele tapou a minha boca com um pano estranho. Tinha um cheiro muito ruim, tio. Aí eu dormi…
O gato pulara, as garras se cravaram na superfície cartilaginosa das carnes de cada sapinho e, enquanto um dos bichinhos se remexia em desespero, o felino se deliciava com o outro. Sua língua áspera deslizou por todo o corpo. O padre perguntou:
— Lembra-se de alguma coisa?
— Eu me lembro de ter gritado, mas o moço tapou a minha boca. Eu sabia onde a gente tava, mas o moço pegou uma faca e… bom, eu me lembro que doeu. Direto nos meus olhos… parecia que eu tinha tomado uma injeção só que no olho!
“Aí, puf, tudo ficou escuro, pra sempre! Eu não lembro de muita coisa da época que eu não era transparente. Talvez de chamar pela mamãe, mas ela não me atendeu. O papai também não. Eu me lembro de chamar por Deus, mas ele não respondeu. Tio padre, você fala com Deus?”
— Sim, mas ele nunca me deu resposta, temo dizer.
— Que coisa, né? O papai do céu nunca responde quando a gente mais precisa.
— Pois é.
— Quando eu abri os olhos de novo, tava aqui. Pulei de alegria, aquela coisa nojenta e borrachuda nem parecia meu corpo. Saí correndo pra casa e pude ver o papai e a mamãe! Eles pareciam um pouco mais velhos, procurando por mim em todos os lugares. Perguntavam sobre mim a todo momento na escola, no hospital e na polícia. Nossa, tio padre, o senhor não tem ideia do quão irritante é ficar chamando por seus pais e eles não te responderem.
— Mas uma hora você se cansou de chamar, não foi?
— Sim. Eu vi a mamãe chorar. Eu vi o papai chorar. Eu vi o vovô e a vovó chorando e sumindo com o tempo; não viraram fantasmas que nem eu… Não sei o porquê disso. Eu vi todos brigando, deixando de viverem por causa de mim. Se eu pudesse pelo menos dizer que estava bem… Com saudades, mas bem.
“Eu vi o papai indo pro fundo do mar viver com as sereias. Ele foi dar um mergulho do alto de uma ponte durante o trabalho. Tava tomando até meu sorvete favorito, de morango, e não lambeu nem um pedaço por mim! Eu fiquei dizendo que ele ia afundar, que era muito fundo! Mas ele não ouviu, como sempre.
“Eu até vi o moço que me levou morrer. Foi caindo da escada! Tem ideia, tio padre? Muito burrinho. Eu vi que ele se levantou diferente, o corpo ainda estava lá. Gritou de medo e mais uma vez gritou quando olhou pra mim. Eu nunca mais o vi.”
— E sua mãe?
— Ela vem aqui de vez em quando. Tá muito velhinha já, sabe, tio padre? Espero que papai do céu não seja tão mal e leve a mamãe pra junto do papai lá pra pertinho dele.
Não sabia o que poderia ser pior, dizer que Deus não existia, ou que ele pouco se importava e por isso deixou seus fantasmas vagando na terra, por preguiça de vê-los. Mas não havia o porquê de atormentá-la com tais ideias. Ela era uma criança, apesar de sua sabedoria humilhar a maioria de seus correligionários. E como uma criança, ela disse:
— Tio padre…
— Não sou seu tio, garotinha, nem velhinho! Pode não parecer, mas eu tenho trinta anos apenas…
— Se tem cabelo branco já é velhinho!
— Pff…
— Tio padre, você disse que conversa com Deus e ele nunca te responde. Você acredita no papai do céu?
Gostaria que aquela pergunta fosse reflexiva, que aquele tom silencioso do pensamento filosófico se apossasse de seu eu, demonstrando sua sabedoria para com aquela inocente criança. Mas não houvera uma pausa sequer. Ele já sabia a resposta e contava com ela para descobrir mais:
— Não sei, garotinha. Quando eu olho pra cá, quando eu vejo você… Afinal sou o único que conheço que tem essa habilidade de ver os mortos… Eu penso que existe uma força maior. Mas, quando eu também a observo, penso: por que Deus não a levou para o paraíso? Essa dicotomia me atormenta e até hoje procuro uma resposta…
— Não entendi nada do que o senhor falou. Você é doido da cabeça, tio padre!
Ele riu:
— Talvez eu seja mesmo. Desculpe os meus jargões, é que para uma menininha até que você fala bastante bem. Mas e você, acredita?
Silêncio.
Um momento.
O momento.
Um fulgor.
Um esgalho.
Uma gota.
Uma brisa.
Uma.
Só.
Vida.
Essa era verdadeiramente a primeira vez dela pensando sobre. Os primeiros raios de sol atravessavam as nuvens esparsas e refletiam seu brilho no rio que seguia em tom monocórdio através do arco pedregoso.
Ela lhe fitara.
Observara os arredores.
Olhara o céu.
Sentia-se ser e estar.
Uma criança, uma criança refletia sobre o que não emitia reflexo algum, pois não era dotado de fonte alguma além do próprio pensamento a lhe iluminar. Então, disse-lhe:
— Eu acredito no papai do céu, sabe o porquê, tio padre?
— Por quê?
— Porque o que você tem é um dom do papai do céu, não é?
— Acredito que sim. Talvez.
— Então, tio padre, eu acredito nele porque ele deixou que a gente conversasse um pouquinho, e o senhor parece ser bem legal, tio padre.
— Obrigado, eu acho. Eu tenho que ir. Você vai ficar aqui por mais tempo?
— Não, só tô esperando a mamãe, ela vai chegar daqui a pouco… Olha, só porque eu falei! Que coisa né, tio padre?
No final da ponte, uma velha senhora carregava um buquê de lírios-do-vale e a passos calmos e contemplativos começava seu caminhar sobre a ponte. A ponte que ligava amor e desilusão através da estrutura chamada tempo. Onde a juventude do inexorável encontrava o amargo do pudor, a crença encontrava sua ironia. A menina disse:
— Tio padre, o senhor pode me fazer um favor?
— Hmm, acho que sim, o que você quer?
— Queria falar com a mamãe.
— Acho que isso não vai ser possí…
— Eu sei, eu sei. Eu só queria que ela soubesse que eu tô bem.
— Alguns outros já pediram o mesmo, garotinha, não é bem assim. Não se engane, olhe esses outros fantasmas vagando e verá que eles não são o verdadeiro problema. Os vivos que são. Muitos não conseguem lidar bem com a ideia de acreditar em Deus ou… fantasmas.
— Mas eu não tô pedindo pro papai do céu, estou pedindo a você. E, tio padre, se você falasse pra ela que “os lírios-do-vale são quase tão bons quanto o cheirinho de sorvete de morango’’, ela acreditaria…
— Garotinha, eu também já vi muitas almas que me pediram para fazer isso e que tiveram resultados não tão agradáveis. Nem todos recebem bem uma informação como essa.
— Então babou-se o que era doce pra mim… Mas, foi bom te conhecer. Se você me der licença, tio padre, eu queria ver a mamãe sozinha…
O padre começara seu regresso em direção ao cume. Mas então se virou uma última vez. A garotinha esticava os dedos e fingia que segurava a mão da velhinha, e juntos elas passeavam.
A missa já estava para começar, e mais uma vez ele pregaria palavras que não acreditava para pessoas que fingiam acreditar.
Deu meia-volta e foi de encontro à senhora.
A garotinha, surpresa, afastou-se. A mulher, de feições meigas e cujas rugas lhe outorgaram a melancolia da perda com a serenidade da comoção, disse-lhe:
— Olá. Bom dia, padre! Como vai?
— Bom dia, senhora.
A menininha se recostara no parapeito, observando-os. Outros fantasmas, acostumados a receberem a garotinha em sua vizinhança espectral, reuniram-se para ver em conjunto a moldura teatral. O padre pôs as mãos sobre o buquê que a velhinha carregava e disse:
— Você acredita em Deus?
Ela hesitou.
O murmúrio do vento se confundira com o murmúrio dos espíritos.
O padre persistiu:
— Não se preocupe, não quero julgá-la. Apenas busco sua sinceridade.
Havia dor nos olhos daquela senhora. Dor essa partilhada por outros milhões, esquecidos como vírgulas na imensidão cronológica do universo. Igualmente suas palavras soaram como alguém já fatigado por uma constante derrota chamada “viver”:
— Então não, padre, não acredito em Deus.
— Eu também não — disse ele, segurando seus pulsos com convicção. — mas acredito em propósito. Divino ou não, eu acredito que haja um porquê das coisas serem da maneira que são. E você?
— Eu também não acredito nisso, padre.
Então ele ressoou aquelas palavras.
O padre disse não o que queria, pois nem mesmo sabia o que ansiava por ou acreditava em, mas sabia o que precisava ser feito.
Ao longo das letras que formavam palavras, das palavras que formavam frases, das vírgulas que congelavam com nevasca magmática um oceano a palpitar, ele viu o rosto daquela senhora: os olhos azuis estupefatos.
A plateia espectral arquejara e abraçara a menininha.
O vento sibilou como um fantasma ele próprio.
Lágrimas escorriam através da velhice para aniquilarem com o sal de suas amarguras o doce da chuva. Contemplou-a. Seus ossos e músculos fraquejaram enquanto ela se debruçava nas próprias mágoas. Ao lado dela estava a garotinha, estampando o sorriso mais feliz que alguma vez ele vira:
— Obrigado, tio padre, eu não sei quanto ao papai do céu, mas acho que o senhor merece ir lá pra pertinho dele.
E a senhora sorriu.
Os fantasmas abriram caminho, como se também eles pudessem ser atingidos, para um homem vivo numa bicicleta que parara, assustado com aquele acesso da pobre coitada.
Os fantasmas aplaudiam o espetáculo e a menininha ria. Transeuntes do plano material, preparando-se para a missa enquanto ali atravessavam, arquejaram de horror, seus pés plantados ante ao lastimável evento que também a eles abraçaria em seu devido tempo.
O sorriso da senhora se transformou em berro: de agonia. De dor. De medo. Os fantasmas, junto a menininha, dançavam e reverenciavam o monge sobrenatural.
O carro de um pastor parou ali perto e com um salto o samaritano correu, pois achavam que em tal instância o trabalho necessário era o exorcismo.
Então berro se transformou em ardor, ardor se transformou em vertigem.
Ela pulou.
Ela dançou.
Ela tropeçou.
Ela chorou.
Ela se sentou, perdendo o equilíbrio e com ambas as mãos no peito…
Ela desmoronou.
A senhora agonizava enquanto, lado a lado, vivos e mortos fitavam o próprio Efêmero diante de si.
A respiração, inconsistente, expurgou suspiros esforçados. Enquanto uma ambulância surgia e os sinos da capela navegavam o ar, a velha senhora convulsionava.
Assim que a sirene navegara, assim que a porta da ambulância foi aberta, assim que os homens e mulheres encararam com suas máscaras o padre, indagando sua fé e seu dever, ele terminou seu soslaio para a alma que acabava de morrer.
Do soslaio movera os olhos para jusante, onde um barquinho translúcido atracava num porto inexistente enquanto seu remador lhe acenava, contente.
Todos os espíritos, incluindo a menininha, foram para lá dar as boas-vindas ao homem que chegara para buscar sua filha. Os vivos, abismados ao verem o padre acenando para o nada, questionaram se para a ambulância outra pessoa deveria ser levada.
A névoa da alma se levantou após muitas oscilações. Enquanto o enfermeiro lamentava e os suspiros de pesar navegavam o mundo dos vivos com o ribombar dos desfibriladores, no mundo dos mortos todos começavam a cantar.
O padre viu naquele orvalho matutino as lágrimas fantasmas de uma felicidade espectral escorrendo pelas suas faces, sorridentes e alegres, enquanto sua mais nova amiguinha irradiava a própria bondade em um eterno festejar.
Um arquejo, um arquejo que misturava todas as emoções em somente poucas lufadas quando o destino terminava de sua malha irônica porfiar.
As enevoadas almas se abraçaram enquanto o remador também se aproximava. O reencontro funesto, depois de tantos anos, havia chegado.
Aquele não seria o dia em que iria para a missa.
Não seria o dia em que falaria com Deus.
Não seria o dia em que altercaria com a Ciência.
Não sabia se anjos existiam, se um Céu existia.
No fim das contas o padre decidiu que não queria saber ou pensar neles. O padre decidiu que se concentraria no agora. “O agora é o paraíso”, pensou, sem saber que aquele seria o último dia de sua vida em que veria os fantasmas. Acenou aos mortos e se virou ao mundo dos vivos, retomando a sua caminhada.
A manhã estava ótima para um passeio.
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Plot Execução Escrita Estilo Desafio
PLOT: O plot é promissor, mas teria que alterar muita coisa na execução pra isso dar um conto filé. O maior problema é que o plot depende da burrice de um profissional de quem supõe-se que domina dois assuntos dos quais o texto não tem a menor ideia, dito por quem conhece ambos (no caso, eu): teologia e filosofia. Mas aqui já entramos no próximo critério.
EXECUÇÃO: Por causa do problema acima, a execução deixou a desejar. O conto tenta desenvolver dois temas que o autor não dá conta (foi mal, Rayhan kkk), e isso prejudica demais na construção do personagem (afinal, ele devia ser um especialista, mas cai em questionamentos extremamente infantis, do nível neoateu toddynho mesmo, coisa de adolescente). Essas desqualificações tornam o personagem inverossímil e discursivamente caricato. Ou seja, soa como uma lacração ateísta (que satisfaria só um público muito desinformado, inclusive). Rayhan já disse que não teve essa intenção e eu acredito. O fato é que ele é ateu e usou argumentos que achou convenientes pra história, o problema é que não colou. Faltou uma sofisticação básica que obriga o leitor a entrar na discussão e, no fim, detonar o conhecimento e a proposta do autor (nesse sentido de uma possível militância).
Dito isso, ok: o protagonista e a fantasminha são bem construídos, a trama avança bem e a ambientação (cenário, tom, etc.) são ótimos. Tem ainda um defeito evidente no roteiro que é a volta do pai no final que simplesmente não interage como esperaríamos, deixando como única explicação o furo de roteiro msm.
ESCRITA: A pontuação está bem revisada, mas encontrei dois probleminhas:
A frase “A ciência bajulara de suas habilidades” tá no mínimo errada, porque o verbo “bajular” é transitivo direto e não permite a proposição “de”. Isso dá a entender até que o verbo foi escolhido aleatoriamente, já que além do erro sintático, o sentido de “bajular” não combina com o contexto.
Tá errada a concordância em “a ele restava os mortos”. Fora isso, não vi mais nada.
ESTILO: Há muitos parágrafos separados sem qualquer justificativa, o que vai enjoando na leitura.
O narrador faz firulas demais, que também não me pareceram justificadas. Me refiro ao monte de metáforas e analogias jogadas aleatoriamente (algumas delas boas). Parece que o narrador quer ser poeta, filósofo, comentarista, teólogo e tudo o que der. E isso soa assim: o autor quer falar coisas que ele acha legais aqui a todo custo.
Pode parecer que isso seria uma crítica para estar na EXECUÇÃO, mas veja: o ESTILO é como o autor trabalha a linguagem a favor da história e/ou pra mexer com as sensações do leitor. A intenção é boa, mas a execução bate na trave.
Além disso, tem muita ocorrência da sintaxe estilo gpt:
– A ciência […], cada artigo comprobatório contradizendo
– caminhou até a ponte, seus dedos enxugando a madeira
– o corpo da garotinha, seu vestido amarelinho ondulando
– A menina disse, sua voz tão enevoada quanto seu corpo
DESAFIO: Cumpre com excelência.