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O Filho Do Vazio – O Amor Que Move Cada Um

A noite caía silenciosa sobre a vila, e dentro da cabana principal, o Chefe Galltrox sentava-se à mesa rústica de madeira, os olhos fixos na pequena carta que recebera do rei. O pedaço de pergaminho tremia em suas mãos, amassado pelo aperto involuntário que ele não percebera.

“Alan será adotado pela família real. O Rei reconhece suas habilidades excepcionais e deseja educá-lo nas artes nobres”, dizia a mensagem com uma formalidade fria, distante, como se fosse apenas mais um assunto burocrático e não algo que arrancava pedaços do coração daquele pai.

O chefe da vila encarou aquelas palavras, enquanto um nó apertava sua garganta e sua mão tremia levemente. A ideia de entregar Alan, seu filho adotivo, ao reino que jamais o conhecera parecia absurda e cruel.

Galltrox lembrou-se do bebê pequeno e frágil que ele havia encontrado abandonado nas ruinas anos atrás, e que criara como se fosse seu próprio sangue. Cada risada, cada lágrima, cada lição aprendida juntos pulsava em seu peito naquele instante. Entregar Alan significava arrancar um pedaço da sua própria alma.

Inicialmente, a raiva tomou Galltrox como uma tempestade violenta. Como poderia entregar seu menino ao Reino. Sua resposta foi furiosa, expulsando o mensageiro com um grito que ecoara por toda a vila.

Horas se passaram, e Galltrox ainda não tinha pregado os olhos. A imagem de Alan dormindo serenamente na cama ao seu lado trazia-lhe uma mistura amarga de orgulho e dor. Sabia que ali estava um menino especial, destinado a coisas maiores do que sua vila simples poderia oferecer. Sua mente era um campo de batalha entre o amor egoísta de mantê-lo por perto e o amor genuíno que desejava ver seu filho prosperar.

Com um suspiro pesado, Galltrox finalmente se levantou, tomado por uma certeza dolorosa. Ele chamou silenciosamente seus melhores aventureiros, homens e mulheres que viram Alan crescer e dariam a vida pela vila, e pediu que levassem Alan até o castelo real antes do amanhecer.

Ao despertar Alan suavemente, Galltrox sentiu o aperto esmagador no peito ao ouvir o menino perguntar, confuso:

— Pai, o que está acontecendo?

— Meu filho… Meu querido Alan — sussurrou, contendo a voz trêmula. — O mundo que o aguarda será grande e cheio de maravilhas, e eu não posso te prender aqui. Mas saiba que, não importa onde esteja, você será eternamente amado por mim e por esta vila inteira.

Alan, ainda sonolento e confuso, abraçou Galltrox com força, sem entender totalmente o que se passava.

— Pai, não quero ir. Quero ficar aqui com você.

Galltrox engoliu o choro, respirando fundo para manter a compostura. Beijou suavemente a testa do menino, sentindo a dor esmagadora daquele gesto simples.

— Um dia você entenderá, meu filho. Agora vá, seja forte e corajoso. — falou Galltrox, sentindo cada palavra rasgar seu coração.

Enquanto os aventureiros partiam apressados pelas trilhas secretas, levando Alan para longe, Galltrox permaneceu ali, sozinho, observando a penumbra do alvorecer engolirem lentamente a figura pequena e preciosa.

Durante o caminho, os aventureiros avançaram rapidamente por trilhas pouco conhecidas, buscando segurança nas sombras das árvores. Mas as notícias já haviam chegado aos ouvidos da Rainha.

A Rainha caminhava inquieta pelo castelo, seu coração atormentado por uma dor que ninguém poderia entender. Há anos havia perdido seu próprio filho, e desde então vivia atormentada pelo vazio. Ao saber sobre Alan, uma criança com sangue raro, capaz de acessar energias além da compreensão, ela enxergou ali uma esperança de trazer de volta aquele que lhe havia sido arrancado cedo demais.

Sem que o Rei soubesse, ela convocou o comandante do décimo segundo batalhão, um homem leal que nutria por ela um amor secreto e jamais correspondido.

— Marche imediatamente até a vila. Capture Alan Billtrox vivo e elimine qualquer resistência — ela ordenou, sua voz transbordando urgência e autoridade implacável.

— Minha Rainha, a vila não representa ameaça. Não deveríamos informar ao Rei antes de tomar uma decisão tão drástica?

Ela deu um passo à frente, encarando-o com uma intensidade esmagadora, mostrando toda sua determinação e desespero contidos em seus olhos.

— Está questionando minhas ordens, comandante? Preciso lembrar-lhe de sua lealdade à coroa e ao trono?

O comandante abaixou o olhar, ela estava muito próxima, quase como se fosse intencional. Então, ele engolindo suas dúvidas, e respondeu com firmeza:

— Não, majestade. Será feito como ordena.

Sem escolha, o comandante reuniu rapidamente seus soldados mais confiáveis e partiu. Ainda na madrugada, pouco antes da chegada dos aventureiros ao reino, Alan foi interceptado numa emboscada. Os aventureiros lutaram bravamente, mas não puderam impedir que o menino fosse capturado.

Na noite seguinte, Alan viu-se amarrado por correntes enormes com runas cintilantes presa em dois enormes monólitos. Ele estava no Vale dos Espreitadores, um lugar nas redondezas do Reino onde a escuridão era absoluta. Mesmo com a Lua cheia no céu, sua luz parecia incapaz de romper as trevas densas que cobriam o vale, revelando apenas brilhos sutis, como olhos famintos observando das sombras.

Rodeado por figuras ocultistas que sussurravam palavras estranhas. Ali, aterrorizado e perdido, Alan entendeu pela primeira vez que estava no centro de algo muito maior do que jamais poderia imaginar. Enquanto a Rainha surgia entre as sombras, Alan pensou no rosto caloroso de Galltrox com desespero, sussurrando entre lágrimas:

— Pai… por favor, me ajude…

A Rainha avançou, trazendo consigo uma taça com um líquido escuro e viscoso. Seus olhos refletiam uma dor profunda, mas também uma determinação feroz.

— Alan, seu sangue carrega a essência de dois povos divinos, duas raças imortais e celestiais, e apenas você pode abrir o caminho para o retorno do meu filho. Perdoe-me, mas meu amor por ele é maior que qualquer remorso.

Alan tentou suplicar, mas nenhuma palavra escapou de seus lábios. A Rainha ergueu a taça, entoando palavras de um idioma antigo e sombrio. Subitamente, do chão atrás do menino, surgiu uma fissura e garras negras feitas de névoa saiam dela, que avançaram avidamente em direção ao menino.

— A Fenda Abissal — murmurou a Rainha, em meio ao cântico com um olhar de fascínio e anseio.

O garoto gritou enquanto sentia algo precioso sendo arrancado de si. Seus olhos brilhavam a cor de sua essência, como se fosse dois faróis, e quando abriu a boca o brilho azul celestial de sua essência reluzia de seu interior.

Um grito rompeu a escuridão densa que envolvia o vale. O grupo de aventureiros, cansado e ferido após atravessar inúmeros perigos, irrompeu pelas sombras do bosque, desembainhando armas com bravura. Sua chegada foi recebida com surpresa pelos ocultistas, que se voltaram rapidamente para enfrentá-los.

A batalha eclodiu feroz e desesperada. Espadas se chocavam em meio a um caos de sombras e gritos. A Rainha, com olhar impassível, ergueu o braço onde reluzia seu bracelete, invocando uma névoa negra que tomava formas variadas — lâminas, flechas, dardos. Cada ataque comandado por ela atingia impiedosamente os bravos aventureiros.

Em meio ao combate, a Rainha dirigiu-se cruelmente a Alan, revelando a terrível verdade:

— Seu povo insignificante será destruído antes que o sol nasça, garoto! Não restará ninguém daquele chiqueiro para buscá-lo!

As palavras dela perfuraram o coração de Alan, como se fossem mais afiadas do que qualquer lâmina. Lágrimas de uma cor azul celestial começaram a escorrer por sua face, brilhando intensamente ao refletir a dor que agora dominava seu peito. Uma raiva profunda e poderosa começou a emergir, alimentada pelas memórias amorosas daqueles aventureiros que agora se sacrificavam por ele.

Ele lembrou-se dos momentos em que lhe ensinaram a caçar, a ler, a proteger os mais fracos. Viu os sorrisos encorajadores, sentiu novamente o calor fraterno que compartilhavam com ele. Cada perda sentida naquela batalha multiplicava sua dor, mas também fortalecia seu coração.

Com um grito de dor, Alan sentiu algo explodir dentro de si. A essência azul celestial, antes absorvida pelas névoas negras, começou a retornar com uma força avassaladora. Os olhos do garoto brilharam intensamente, preenchendo todo o vale com uma luz poderosa e transcendente.

Subitamente, ele sentiu que a energia negra que antes tentava consumi-lo se rendia ao seu poder, sendo absorvida e transformada em algo novo, mais forte, mais profundo. Seus olhos se inundaram de uma escuridão pulsante, cheia de raios e fagulhas, como uma tempestade iminente.

— Não machuque meus amigos! — disse entredentes com um olhar feroz.

Com uma força sobre-humana, Alan ergueu-se, rompendo as correntes presas aos monólitos. Olhou para as correntes, que pareciam mais fortes do que imaginava, as runas cintilando em dourado, começou a ser consumida pela essência abissal que o garoto dominava. Agora, as correntes pareciam extensões do seu próprio corpo, obedecendo plenamente à sua vontade.

— Não machuque o meu pai! — gritou encarando a rainha, como um predador encara sua presa.

Ele avançou determinado contra a Rainha, lançando as correntes em sua direção com precisão sobrenatural. A Rainha tentou resistir, mas não pôde escapar da fúria que movia o menino. Em meio a um último grito desesperado, ela foi lançada para dentro da fenda abissal que havia criado, a mesma que ela pretendia usar para trazer seu filho de volta.

Em uma fração de segundos, enquanto era arremessada, ela apenas encarou as profundezas do abismo, uma única gota eclodiu de seus olhos antes de ser engolida pelo abismo com um sorriso e de braços abertos. A fenda se fechou com um estrondo seco, encerrando para sempre aquela obsessão.

Alan caiu ao chão, exausto. Sentia o peso das correntes em seus braços, o corpo dominado pelo cansaço da batalha. Fechou os olhos e, por um instante, algo poderoso e misterioso pulsou em seu interior. Uma visão nítida se formou em sua mente:

Galltrox, coberto por ferimentos, respirava com dificuldade, encostado na parede de uma cabana quase destruída. Ao seu redor, os corpos caídos dos bravos guerreiros que protegeram a vila até o último suspiro. Mas, lentamente, das sombras das casas e dos abrigos subterrâneos, mulheres, idosos e crianças emergiam, vivos e prontos para socorrer os feridos. A vila havia sobrevivido.

Talvez esta visão não fosse real, mas naquele momento Alan respirou aliviado, sentindo uma conexão profunda com seu pai, como se seu coração estivesse conectado diretamente ao dele.

Com lágrimas silenciosas, Alan finalmente deixou o corpo desabar no chão frio. Não havia mais medo ou dúvida em seu coração; Os ocultistas se dispersaram na escuridão quando sua rainha morreu. A criança relaxou lentamente, entregue ao merecido descanso, enquanto a noite aos poucos dava lugar às primeiras luzes da manhã.

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