Numa bela tarde de sol, João estava tomando o café, quando Pedro o chamou na rua.
“João!” gritou Pedro. “Vem logo!”
“O que aconteceu?” retrucou João com a boca cheia de pão.
“Vamos escrever um conto que se passa em um elevador,” respondeu Pedro, animado e confiante.
“Como assim? Por quê?” perplexo, indagou João.
João e Pedro eram amigos de infância e estavam na sexta série. Jogadores de videogame, tocadores de violão, cientistas e cozinheiros por excelência. Os dois eram muito parecidos, exceto que João torcia para o Palmeiras, e Pedro gostava de colocar fogo nas coisas.
“Desta vez, nós temos que fazer um conto que se passa em um elevador,” explicou Pedro. “É o desafio do clube de contação de histórias desta semana.”
“Eu não estou nesse clube, mas tudo bem. Você já tem alguma ideia?” perguntou João enquanto abria o portão para o amigo.
“É claro: nós vamos ficar no elevador do shopping e contar o que aconteceu,” respondeu Pedro, com a segurança de quem já tinha pensado em tudo.
“Uai,” exclamou João, curioso. “O que vai acontecer? Não será um bom conto se a história não for provocada pelo personagem,” pontuou. “O que você está tramando?”
“Nada, meu caro,” afirmou. “Eu só quero escrever um conto no elevador para cumprir o desafio.”
Não era a primeira vez que Pedro convocava João para um desafio que não fazia sentido. Da última vez, eles haviam ficado duas horas tentando fazer uma moeda levitar por telepatia – aliás, telecinesia. Não conseguiram, mas não se arrependiam.
“Pronto. Estamos no elevador,” disse João. “E agora?”
“Agora nós esperamos alguma coisa acontecer, para escrever.”
“Por que os personagens vão para o elevador? O personagem precisa de uma motivação, que precisa ser internamente coerente, ainda que aparentemente contraditória. Nós não vamos dizer que eles estavam tentando escrever um conto, né?”
“Confia em mim. Alguma vez eu já te chamei para um desafio que não orna? Sem contar o da moeda!”
Enquanto esperavam alguma coisa acontecer, eis que o inesperado acontece: nada. Porém, excepcionalmente nesse caso, o inesperado não contribuía para um bom conto.
“Já sei. Escreve assim:” Finalmente, João teve uma ideia, e começou a ditar. “José era um técnico de elevadores que trabalhava…” Enquanto contava a história, viu de longe a menina mais bonita da escola: Paula, caminhando com o cabelo solto e o vestido cheio de flores coloridas. Após uma rápida olhada, virou-se para Pedro, e viu que o moleque estava quase babando.
“Quer dizer que você inventou essa história de desafio e me chamou na hora mais sagrada da tarde só para ver a Paula?” questionou João.
“Não, não…” Pedro fingia que estava prestando atenção enquanto limpava a boca. “Não é bem assim.”
Recompondo-se, Pedro explicou que o desafio era real, e ele não tinha inventado nada. Porém não negou a outra parte do questionamento.
“Eu não posso ter um objetivo imediato e uma motivação ao mesmo tempo?” desabafou Pedro.
“É claro que pode, aliás, é uma prova de maturidade,” respondeu João, apoiando o amigo. “Vai atrás da Paula e me dá esse caderno aqui,” disse, puxando o caderno da mão de Pedro e escrevendo: “Pedro gostava de Paula, mas não tinha coragem de…”
Enquanto escrevia, concentrado na escrita, João não percebeu que Paula se aproximava.
“Oi, meninos,” cumprimentou Paula, sorrindo.
“Oi, Paula,” responderam, envergonhados.
“Vocês também estão fazendo o desafio do clube de contação de histórias?”
“Ah, quer dizer que você também está no clube?” pensou João. “Agora eu estou entendendo tudo.”
“Pois é, nós estamos refletindo aqui no elevador, procurando alguma musa…” respondeu Pedro, quase se entregando. “Quer dizer, alguma ideia.”
“Quer uma dica? Adiciona um personagem no conto, e faz ele contar uma história ou explicar alguma coisa.”
“Boa ideia. Vamos tentar. Você já tem uma história?” perguntou Pedro.
“Sim, sobre três jovens que ficam presos no elevador, mas descobrem que eram ex-colegas de um psicopata, e precisam desvendar um mistério para sair. E a sua?”
“A nossa era… Nós estávamos improvisando, e agora não sabemos nem qual é o conflito principal, nem qual vai ser a resolução,” responderam.
“Improvisar é muito difícil para quem está começando.”
“Sim, mas ter uma boa ideia com começo, meio e fim também é difícil,” comentou João.
“Até escrever mil palavras é complicado,” completou Pedro.
Os três colegas ficaram conversando e dividiram uma pizza, mas não acharam nenhum evento interessante para o conto.
No outro dia, João desenhava um plano na mente enquanto comia, quando Pedro surgiu na mesa com um pão na mão.
“E aí, João?”
“Opa… Cara, eu fiquei pensando no desafio do clube…”
“Não, cara… Esquece o desafio… Você ainda não entendeu que o desafio era só uma desculpa para me aproximar da Paula?”
“Eu acho que o desafio é uma oportunidade, mais do que uma desculpa, para se aproximar da Paula.”
“Como assim?” indagou Pedro, realmente curioso.
“Ora, você não quer se aproximar da Paula? Então… Nós podemos escrever a história de ontem, mas trocando o elevador por… Por uma taverna!”
“Aí nós não vamos cumprir o desafio.”
“É aí que você se engana… Você deveria saber melhor do que eu que tem vários desafios nesse clube, e alguns só serão cumpridos pelos maiores mestres da contação de histórias, mas nós podemos começar com este aqui: Escrever um conto de amor.”
“Aí eu conto a minha história de amor com a Paula!”
“Exatamente.”
Assim, os amigos começaram a escrever e, duas garrafas de café depois, terminaram a história de um guerreiro que procurava a espada sagrada para salvar a dama do lago, com a ajuda do seu escudeiro.
À noite, os dois foram para a reunião do clube de contação de histórias. João gostava mais de contação de histórias do que de clubes, mas tinha uma missão a cumprir.
Eis que chega Paula, com os cabelos esvoaçando e atraindo todos os olhares. O vestido cheio de flores, desta vez apenas roxas, debaixo de uma jaqueta preta. Atrás dela, fechando a porta, Carlos, colega de Pedro.
“Acho que a dama do lago não precisa mais de salvamento,” concluiu Pedro, resignado. “Não é mais um conto de amor.”
“Veja pelo lado bom. Agora você só precisa de mais 99 contos para se tornar um ficcionista.”
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Avaliações
3 avaliações encontradas.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Gostei do conto, acho que tem uma “sacada” interessante, fazendo um jogo com o grupo do Universo Anthares. Gostei também da forma como foi escrito, mas tive alguma dificuldade com as aspas, acho que teria sido melhor usar travessões. Acho que o desafio foi apenas parcialmente cumprido, o amor é apresentado superficialmente, praticamente apenas citado, está mais para um interesse ou atração de um dos personagens do que amor propriamente dito.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
O conto tem um apelo positivo pela simplicidade. Não é um plot fenomenal, apesar de ser muito comovente por tratar da história do conal (algumas referências que só quem acompanha a muito tempo poderia ter). Mas, não é, para fins objetivos, um plot extremamente impressionante. Não é uma história intrigante, e tem uma proximidade com uma crônica. Os elementos de conflito, clímax e resolução estão presentes e bem definidos.
É, também, a história de um amor não correspondido, e isso cumpre o desafio, mas não em sua integralidade.
O interesse amoroso é o que move a história, mas não é focado nele, por isso, julguei um pouquinho abaixo.
Parágrafos narrativos curtos dão dinamicidade para o texto, o que dá ao estilo um aspecto fluido.
Não há erros gramaticais que mereçam penalização.
A execução tem um pecadinho “relevante”:
*“A nossa era… Nós estávamos improvisando, e agora não sabemos nem qual é o conflito principal, nem qual vai ser a resolução,” responderam.*
Esse “responderam” me causa muita estranheza. Uma resposta grande assim, ser dita pelos dois não parece fazer sentido.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Gostei do plot e da execução. Cumpre o desafio, mas não tem exatamente uma história de amor. A escrita é boa. Muito boa construção de personagens. Paralelamente ao plot do conto, ele é inteiro sobre como escrever contos, o que é muito legal. Daqui pra baixo, só coisas que em breve não estarão no texto, acho:
Verbos dicendi excessivos. A escolha da posição das aspas gera umas coisas estranhas e incômodas, como no parágrafo: “Já sei. Escreve assim:”, onde a fala fecha com dois pontos e não continua, pela interrupção do narrador; e ainda, um pensamento que é descrito também como fala (“Ah, quer dizer…”). Algumas vírgulas desnecessárias antes de “e” são como cacos de vidro no leito de um rio tranquilo: mínimos, mas capazes de cortar a paz da correnteza (kkkk). Tem que rever as reticências, porque quase todas são mais estilísticas do que funcionais. O único “então” do texto parece uma interjeição que precisa de vírgula.