Ele se espantou diante da beleza do céu estrelado, até mesmo soltou um “Meu Deus do céu”; entretanto, era daqueles céticos chatos, ridículos e irritantes, tanto que tentou corrigir dizendo para si:
Não, espera! Não sei. Deixa quieto, estraguei o momento!
O céu estava farto de estrelas, era exuberante, brilhante, era quase poesia, era tocante. O céu era belo o suficiente para que ele soltasse aquela expressão que não combinava com suas ideias.
Porém, esta contemplação deixou Nathanael com um sentimento soturno, trouxe memórias encharcadas de melancolia, embora, por uma ironia essencialmente humana, fossem memórias de momentos alegres.
“Momentos felizes trazem memórias tristes, momentos infelizes trazem memórias cômicas, felizes. Fazemos piadas das desgraças e dramalhões das alegrias já findas.”
Esse pensamento o fez soltar um riso tristonho.
Aquele lindo céu o fez lembrar dos olhos de Katie. Na verdade, embora aqueles fantasmas luminosos fossem exuberantes, nem se comparavam ao esplendor dos olhos de Katie.
Eram olhos belos, escuros, verdadeiros e indescritíveis olhos de abismos. Uma vez que você direcionasse seu olhar neles, era fatal, era como a luz ao ser atraída para um buraco negro, simplesmente inescapável e irresistível.
O olhar de Katie despertava medo, pavor, nervosismo, mas também paixão, sensualidade, desejo e uma vontade de se lançar aos pés dela e aceitar tudo que ela propusesse, pulsão difícil de se controlar.
Katie era engraçada, tinha um senso de humor ácido que encantava e divertia Nathanael. Ela tinha um lindo cabelo curto, com franja, macio e levemente sedoso, além de um sorriso matador.
“O sorriso dela lembra o da Miki Matsubara”, pensou ele certa vez, tentando achar algum comparativo com a doçura e beleza do sorriso dela. Katie era toda formosa.
Os dois eram amigos, mas desde antes de serem apresentados, Katie já tinha um interesse romântico em Nathanael. Eles se conheceram através de um amigo em comum, acabaram por se aproximarem e se apaixonaram.
Katie se declarou, mas Nathanael, embora fortemente atraído por ela, a rejeitou. Ele tinha medo de não dar certo, achava que não servia para esse tipo de coisa, temia estragar tudo, de feri-la, de se ferir.
Continuaram amigos, uma relação de amizade um pouco estranha, diga-se de passagem, afinal, se gostavam, isso criava uma atmosfera não convencional.
Nathanael era um verdadeiro filofóbico. Não é preciso ser dotado de brilhantismo para chegar à conclusão de que as coisas não acabaram bem.
Ele a confundiu, ora demonstrava interesse, ora o contrário. A feriu dolorosamente, dilacerou seus sentimentos.
Na madrugada de uma sexta-feira treze, ela cortou laços com Nathanael por mensagens de celular – que maldita ironia para acontecer a um cético! Logo em um dia de azar. Ela disse a ele:
Eu chorei por você, seu idiota, você é uma pessoa que brinca com os sentimentos dos outros, isso não se faz! Nossa amizade acaba por aqui!
Ele aceitou, se despediu, consciente de seus erros e profundamente arrependido.
Meses depois da última vez que falou com ela, diante daqueles astros mortos, ele sentiu desconsolo, só queria ter a chance de ver aqueles belos e profundos olhos mais uma vez.
Mas ele sabia que estava tudo acabado, ela agora estava namorando um outro rapaz. A “Princepessa”, como ele a chamava, havia se tornado musa de outro poeta.
Então tudo que ele poderia desejar, era que Katie fosse feliz.
Que bela noite estrelada! – disse Nathanael – Estrelas são tão tragicômicas, cadáveres que se pode jurar estarem vivos. Fantasmas espaciais. Talvez esses meus sentimentos sejam isso, último brilhar vivo de coisas já mortas, fantasmas de relações que já acabaram. Espero que ela fique bem e tenha uma boa vida. Eu também seguirei em frente, consciente dos meus erros e tentando melhorar… Não sei se posso me perdoar.
Contemplava o céu, começou a pensar que seria lógico que houvesse um Deus, claro que o contrário também é verdade, seria lógico tanto existir um criador, quanto não existir. Pensou em uma ideia que lhe parecia divertida. Imaginou Deus como sendo um escritor em um escritório, ventilador ligado, Sol batendo forte, mangas arregaçadas, debruçado sobre uma máquina de datilografia, criando e guiando a trama desse universo.
“Se Deus for um escritor”, pensou Nathanael, “Então posso simpatizar com ele e o perdoar por todos os males. Afinal, tudo não passaria de ilusão e quem sabe se seu mundo real, o que vive Deus, não for tão ruim quanto o nosso, seríamos um espelho distorcido dele e de sua realidade. Se posso perdoá-lo, se ele existe, então quem sabe se não posso perdoar a mim mesmo também?”.
Sorriu, um riso levemente melancólico, achava aquele exercício de imaginação divertido e, no momento, um pouco reconfortante, talvez ele mesmo pudesse ser perdoado por um ser de inteligência superior, talvez tudo não passasse de uma história e tudo que lhe aconteceu, ou a qualquer outro, até ali era apenas um desenvolvimento de personagem.
“Bobagens, ou talvez não”, pensou ele rindo de seus pensamentos. Sentia muita saudades de Katie, gostava de sua companhia, de suas piadas, do fato dela quase sempre rir das piadas dele. Tinha saudades de conversar com ela, mas também de se sentar ao seu lado sem precisarem se falar, só ficarem juntos. Lhe fazia falta não poder mais admirá-la.
Começou a pensar se faria tudo diferente caso pudesse voltar no tempo, mas isso lhe trazia perguntas que ele se sentia um tanto incapaz de responder. O que faria de diferente? Como faria? Seria melhor evitar que ela se aproximasse, para que assim ele não a ferisse? Seria melhor abordar, com o aprendizado de agora, uma postura diferente? Mas qual e quais as novas consequências?
Ele pensou que, na verdade, mesmo se tivesse outra oportunidade de corrigir seus erros acabaria em um resultado similar, ele se aguentaria em dúvidas, possibilidades e possíveis consequências, caindo na mesma confusão, sem saber decidir coisa alguma.
“Somos livres, escolher é difícil, eu fiz a pior escolha, escolhi não escolher. Agora tenho de arcar com as consequências”, foi o que passou na mente de Nathanael.
Era inútil pensar em viagens no tempo, até chegou a se lembrar de uma frase que ouviu em um episódio de Bojack Horseman, a frase dizia: “O ponteiro do tempo só marcha para frente”.
O que posso fazer – disse Nathanael a si mesmo – é buscar o que todos os organismos buscam, melhorar, evoluir, se adaptar. Ou evoluo ou destruo e sou destruído. Será que Katie também está contemplando esse céu? É… Lembrarei dela por muito tempo. Queria lhe pedir perdão, mas já acabou, não adianta criar cenários do que poderia ser ou fazer. Amor é uma coisa estranha, como posso me apegar a algo que me fere tanto? A essas memórias e sensações? Como posso desejar tanto algo que sei que não devo e talvez sequer mereça? “Siga em frente, siga em frente”, é o pensamento que me vem à mente e é o que pretendo fazer, se culpar eternamente não diminui o que fiz e não resolve nada.
Seu olhar fitou o céu uma última vez antes de ele tomar o caminho para casa, estava cansado, mas um pouco mais calmo. A vida era uma sucessão de absurdos e escolhas, na verdade, a própria existência já era um absurdo. Nesse curto instante, tudo era tranquilo, levemente entristecedor, reconciliado, os sentimentos eram aproveitados e reconfortantes, já não o torturavam ou acusavam. Sentiu uma saudade nostálgica, bela. Nesse curto instante sentiu que a indiferença do universo o confortava, tudo o abraçava. Durou pouco, retomou seu caminho. Na manhã seguinte a rotina continuaria, precisava descansar um pouco e seus pensamentos estavam fixados na imagem de sua cama e nas lembranças que teve com Katie. Amanhã recomeçaria a rotina, a constante rima da vida.
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