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Momento Z

Diante de meus olhos uma multidão de iletrados e ignorantes, sub-humanos, incapazes de realizar a mais básica, simples e comum das atividades, tais seres, possuidores da mais pura arrogância juvenil, consideram-se, entretanto, adoráveis intelectuais ou qualquer outra coisa de igual magnitude, mesmo estando longe disso, obviamente. Estou falando, é claro, dos meus alunos.

Não queridos, certamente, porém alunos, incrédulos da necessidade de ler e refletir, imagino que possivelmente seja uma questão de incapacidade intelectual severa perceber a realidade com a clareza necessária que tal situação demanda.

A mim, entretanto cabe a tarefa diária ou quase diária de olhar para esse abismo de ignorância e tentar extrair qualquer coisa útil para a sociedade ou para o futuro. Não são selvagens, basta ler Robinson Crusoé com o seu Sexta-feira para perceber que não se trata disso, aliás longe disso, não, estou falando especificamente de “estudantes”.

Supostamente, a elite aqui está, ou seja, aqueles que se consideram sabedores do conhecimento dos mais variados assuntos, os quais nunca estudaram, pois isso lhes parece penoso demais, beirando o inaceitável, aliás, certamente inaceitável para essa parcela de idiotas.

A mim cabe fazer algo bom com essa massa de imbecis, esses completos idiotas de merda. Eu disse “completos” e não perfeitos, a perfeição passa longe de tais subintelectuais, sub capacitados, sub qualquer coisa decente.

Espera-se que eu seja uma espécie superhumana, que seria a única espécie capaz de tirar leite de pedra desses inúteis, ora chamados estudantes.

Sou um mero professor, rodeado de idiotas e por isso, talvez seja eu, afinal de contas, considerado algo além do que sou. “Acima da média” alguns dirão, sim, é verdade, porém a média é muito baixa, por isso, ser acima da média, neste caso trágico, torna-me, na melhor das hipóteses um medíocre.

Tornar-me-ia animado, empolgado ou esperanço caso os demais professores percebessem o tamanho da tragédia em que nos encontramos, eu certamente e infelizmente me encontro.

Entretanto, quando tenho o desprazer monumental de entrar na sala dos professores, percebo que eles são quando muito na melhor das hipóteses ligeiramente superiores que os alunos ou provavelmente nem isso.

Alguns, por uma perspicácia instintiva, muito provavelmente, entendem que há algo errado, mas não sabem o que é, diria que são ex-alunos idiotas, um pouco menos idiotas, que por um acaso da vida tornaram-se professores e por aqui estão, balbuciando tolices. Os demais apenas balbuciam as tolices de sempre.

Dessa forma eu repito….

— Professor?!

Será que o iletrado dirá que não entendeu algo perfeitamente claro proferido de maneira sublime por minha pessoa? Ou nem isso ele pode fazer?

— Não sei se está acompanhando o noticiário?

Dois ex-alunos meus trabalham nessa área, lembro-me perfeitamente deles: eram péssimos, de tal maneira que assisti-los seria uma ode a mediocridade.

— Não.

Ele parou, olhou para os colegas como se tivesse prestes a dizer algo inteligente, algo capaz de mudar vidas. Bem sei que é uma impossibilidade que um idiota desses diga alguma coisa decente, porém seus colegas idiotas acreditam que algo assim é possível:

— A gente aqui vê sempre.

Percebe-se.

— A gente tá no meio duma emergência aí.

— Não estou ouvindo o alarme de incêndio e não vejo a água caindo do teto.

Pude perceber que não era a resposta desejada, isso bastaria para qualquer pessoa minimamente normal, não para um sub-humano.

— É outra emergência aí.

—Tenho certeza que o alto-falante da universidade anunciaria uma emergência e qual o procedimento a seguir neste caso.

Achei que isso seria o suficiente para silenciar o sub-humano, porém ele continuou com seu palavreado inútil:

— Está ai no jornal entendeu? O mundo tá falando disso aí. Vai mudar tudo ai entendeu?

Com dificuldade fui capaz de entender que o sub-humano à minha frente está excitado com algo além de sua capacidade de compreensão.

— Não é aula de geopolítica, de tal maneira que é melhor continuarmos aqui e depois, poderá discutir sua questão com o respectivo professor.

— Mas, mais é que é, é agora isso aí, entendeu? Talvez seja melhor terminar a aula uns minutinhos antes, aí, entendeu?

Que audácia! O idiota está atrasado para alguma outra coisa e quer que eu ignore meu trabalho.

— Claro. Creio ser possível fazê-lo. Vamos voltar agora ao assunto desta aula.

Usei todos os minutos disponíveis, pude ver a cara dos idiotas quando foram percebendo que eu não encurtaria minha aula. A tristeza estampada no olhar de cada um deles conforme os minutos foram passando…

Claro que eles poderiam levantar e ir embora, isso dificultaria a vida deles comigo, especialmente na correção das provas e trabalhos, porém, se realmente fosse uma emergência, sair da sala é que seria importante, demais considerações seriam desimportantes.

Na sala dos professores percebi que meus colegas também comentavam sobre o assunto, com a superficialidade típica de quem se informa unicamente através do noticiário. Apesar disso pude ouvir com certa clareza a repetição das manchetes:

— Há uma preocupação mundial.

— Ninguém sabe o que fazer.

— Em breve medidas urgentes…

Tais frases tiradas de manchetes sensacionalistas não me ajudaram a entender a situação. Por isso infelizmente tive que entrar na conversa, algo que sempre evito, por uma simples questão de sanidade.

—Trata-se exatamente do quê?

Pude perceber os olhares trocados entre os demais professores, eles estavam assustados não com a calamidade que aparentemente se avizinha, mas com o fato de que eu não assistia o noticiário. Ninguém parecia querer me responder, porém após um certo silêncio constrangedor, uma mocinha recém-contratada, resolveu arriscar:

— É uma epidemia nova.

— Do quê?

— Ninguém sabe ao certo, mas……

Ela, de repente, ficou em silêncio, assustada com o que estava pensando, receosa com o que estava prestes a dizer:

— Parece que houve uma mutação do raiva canina. E está afetando os humanos.
— Excelente! Vamos todos subir no telhado e latir?

Mas ninguém pareceu entender meu gracejo. Meu humor refinado é incompreensível para aqueles que possuem uma mentalidade ou um senso de comédia infantil. De qualquer forma fiz algumas perguntas para tentar compreender a situação:

— Onde está acontecendo isso? Sintomas? O que realmente acontece? Paciente zero? Número de infectados? Forma de transmissão? Ninguém soube responder. Fiz outras perguntas e continuei sem quaisquer respostas. Por fim me calei, logo vi que era inútil continuar.

Prossegui para dar a última aula do dia e percebi que o caminho, até a sala estava vazio, parecia até mesmo uma sexta feira. Acabei cancelando a aula por falta de quorum, simplesmente não apareceu ninguém. Coloquei os ausentes em uma lista especial, se for uma emergência mesmo eles não sofrerão qualquer consequência, caso contrário… Mas agora isso tudo é passado, estou em casa, as aulas estão suspensas, o mundo parado, parece que realmente estamos passando por uma emergência generalizada mundial. O pior é que realmente é uma mutação da raiva canina, achei que as pessoas, fossem enlouquecer e pouco depois morrer, mas não é o que está acontecendo, a humanidade passa por um processo de, vejam só, zumbificação.

Achei que o fundo do poço em matéria de zumbificação se tratava dos meus alunos. Ledo engano, há algo pior agora. Poderia ser um filme o que está se passando: há hordas de infectados, que se parecem com zumbis, agem como zumbis e atacam os não infectados, os que são como eu. Por vezes eles se atacam, lutam entre eles, mas ninguém sabe o suficiente sobre esse assunto.

“Ninguém” entre aspas, pois os humanos estão diminuindo e os zumbis aumentando, há cada vez menos pessoas para pensar em uma solução, Estou plantando agora uma horta no jardim de casa, trabalho constante, porém devo pensar no que está por vir e a perspectiva não é das melhores. Estou preparando a terra, onde antes era grama, um belo gramado foi agora substituído por alface, batata, cenoura, batata doce…. Mas ouço então um barulho na cerca do vizinho, o qual nunca tive qualquer apreço, porém me aproximo com cuidado, munido de uma pá, grande, ainda assim uma simples pá; a divisória é uma espécie de mistura de madeira, tela de arame e cerca-viva. Sempre achei ruim, mas esse vizinho idiota nunca me deixou mudar isso.

Já perto dessa cerca ouço um barulho de folhas sendo esmagadas e há algo se movimentando na cerca viva. Só então percebo a tolice da minha ação, o melhor é voltar para casa, trancar a porta e esperar. Quando me viro e começo a caminhar de volta para minha casa, sinto algo me agarrar, olho assustado para trás e vejo um zumbi preso na cercaviva.

Me desvencilho dele e corro para casa, entro e tranco a porta, olho para meu braço e vejo que está arranhado e sangrando, Será que fui contaminado? O que fazer agora? Ninguém sabe ao certo, eu largo a pá no chão, tiro a camisa, jogo álcool na ferida, arde muito e eu continuo jogando álcool, depois água oxigenada, depois passo sabonete, com um certo desespero. E o que fazer agora?

Espero.

Espero por algo que sei que é inevitável, ainda que deseje um resultado diferente. Mas desejar não significa nada, especialmente em um caso igual a esse.

É a espera da morte, em uma versão pior, é a espera da zumbificação, não é uma certeza, ainda me resta uma esperança, caso contrário muito provavelmente escolheria tirar a vida.

Sinto agora uma queimação aí entendeu?

Sinto que minhas idéias estão meio, aí, entendeu?

É do jeito que é tudo aí, entendeu?

Parece que estou me transformando em um aluno meu, aí, entendeu? Sei que estou aí como eles, em breve me faltará isso aí, apenas a consciência disso aí entendeu?

Daí, aí, serei um zumbi, entendeu? Aí? Entendeu?

— Quero! Quero cabeça.

É, aí, entendeu?

— Daz-dã é blah!

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1 avaliações encontradas.

Plot Execução Escrita Estilo Desafio

Plot bom demais e execução quase à altura. A pontuação do texto tá zoada. O estilo é bom. Cumpre o desafio sem nenhuma dúvida, mas sem sofisticação.