No coração de Havana, no pequeno bar El Último Mojito, com música ruim, pessoas suadas, bebedeiras, drogas, turistas como eu, golpitas de todos os sexos, bebidas caras e flertes inústeis. Bem, talvez não tão inúteis quanto naquele 7 de março, quando eu ainda tentava me adaptar àquela atmosfera de Havana e a vi chegar, como um desafio irresistível: uma mulher cubana. Uma deslumbrante criatura de pele dourada e óculos escuros, à noite, com um vestido vermelho que parecia um… bem, um crime. Será que eu deveria ir lá conversar com ela?
Ora, isso me faz refletir… A paixão, como um mojito barato em Havana, vem sempre misturada — um pouco de egoísmo aqui, um toque de ressentimento ali, adoçada com promessas que evaporam no calor e sorrisos descartáveis. É fácil se perder no gosto, difícil separar os ingredientes.
Por fim eu não fui, ela veio, mesmo cega. Aproximou-se guiada por uma bengala que tocava o chão com uma delicadeza teatral.
— Santiago? — Ela sabia o meu nome, mas como?
— Às suas ordens, senhorita. — Eu girava o gelo em meu copo vazio.
Clara era o nome da moça e algo em sua voz exalava o tipo de perigo doce que eu adoro. Passamos a noite mergulhados em piadas sutilmente carregadas de flerte e histórias absurdas. Clara era engraçada, afiada e cega. Eu a conhecia melhor que qualquer um ali, justamente por ser de fora, por ter crescido no Chile. Ela com essa papo de, “se eu enxergar-se talvez você seria o meu amor à primeira vista”, eu com “mas eu posso ser o seu amor à primeira voz”. Nós adaptávamos a condição um do outro.
Em Havana, cada pessoa se adapta à natureza das emoções tratando o amor como uma perigosa vaidade. Ah, sim, os cubanos podem ver a vaidade por trás dos interesses mesquinhos. Não podem?
— Você poderia me tirar daqui?
— De Cuba? — ele ergueu uma sobrancelha, disfarçando a surpresa. Eu gosto de fazer jus a minha reputação de homem astuto e bem humorado.
— Bem, não era o que eu ia falar. É que este lugar me sufoca e você… você parece uma pessoa livre… Deixe-me colocar mais bebida para você e depois vamos para um lugar mais íntimo.
Eu sorri. Peguei em suas mãos, apertei seu bumbum e a beijei na boca.
— Talvez eu goste de você e quem sabe você goste do Chile. Dizem que a liberdade tem gosto de ar fresco.
Ela sorriu. A paixão se direciona ao corpo, ao material, à dança, ao tango, ao bolero, e não pode subsistir sem dissonâncias. Antes, parece corresponder a uma confusão. O truque é chamar a paixão de amor! É uma contradição, eu sei. Mas enxergamos os relacionamentos, as paixões e os amores como coisas que elas não são.
Mas era curioso. Enquanto ela servia o copo, olhando para a parede do bar, algo me chamava a atenção… A garrafa parou exatamente no momento certo. Intrigante. Eu sorri.
Eu gostava daquilo. O que sonhamos e desejamos é um entrelaçado de princípios contraditórios, incertos e duvidosos. Lembro-me de tudo o que aconteceu e, hoje, compreendo melhor as experiências que vivi com ela. As desilusões diminuem em nós a força da paixão e modificam nosso senso de vaidade. Assim como nos ambientes apaixonados, há horizontes que mudam com o passar do tempo. E, em todos, o gosto da vaidade nos guia — ora cegando, ora nos instigando a discernir. Foi com esse desejo que eu provei o sabor daquela bela moça na cama. E foi delicioso. Ela derreteu dentro da minha boca. Cada parte delicada e frágil, cada suspiro, intensificado pela escuridão. Eu a saboreei por completo com minha boca. Foi amor à primeira língua! Eu até li para ela um poema de amor de Pablo Neruda…
— Que lindo. Quem escreveu?
— Shakespeare. — Eu menti. Parece muito mais romântico, e este autor ela conhece. Que noite suculenta!
— Sabe, eu me preocupo um pouco. Tenho medo de que você dê uma boa olhada em mim e veja que eu não sou tão perfeita.
Eu sorri e a beijei.
— Não se preocupe. Eu já te olhei por dentro e gostei.
Na manhã seguinte seguimos para o aeroporto, comprei as passagens e embarcamos rumo ao Chile.
— Santiago? — Ela disse.
— O que foi?
— Não. — ela sorriu. — Nós vamos para Santiago, no Chile?
Sim. E nós chegamos depois de algumas horas.
A primeira coisa que fez foi tirar os óculos escuros e olhar-me nos olhos. Eu sorri.
— Não está surpreso?
Eu me lembrei do barzinho. Quando Clara propôs encher o meu copo com rum. O som do líquido ecoando no vidro. Não houve pausa, não houve hesitação. Ela segurava a garrafa com firmeza, seus movimentos fluindo como uma dançarina experiente. Um cego sempre verifica o nível com o dedo indicador dentro do copo. Mas Clara servia o rum com o auxílio da visão. Eu não disse nada, pois queria jogar. Um sorriso escapuliu pelos meus lábios. Eu havia descoberto o truque de um mágico, mas decidira esperar pelo gran finale.
No aeroporto, de longe, um homem robusto e de terno esperava a moça, com um buquê de flores nas mãos. Ora, o amor contém elementos de iniquidade disfarçados de harmonia. Em nós, o vício se sobressai, pois a virtude se mancha.
Clara respirou fundo, desviando o olhar pela primeira vez. Apertou os óculos escuros nas mãos, revelando olhos desconfortáveis, mas cheios de vida. Olhos que enxergam e são capazes de amar à primeira vista.
— Santiago… Eu preciso confessar. — Ela jogou os óculos no lixo ao lado, mas hesitou por um instante. — Eu gostei de você, de verdade, mas eu menti. Eu não sou cega. E também… — Ela desviou o olhar para o homem que segurava o buquê. — Eu usei você para fugir de Havana e… eu já sou casada. Me desculpe, de verdade. — ela disse e apontou para o homem com o buquê, que agora nos encarava com uma expressão de pânico crescente.
Eu ri, uma risada baixa e cortante. — Clara, eu sabia. Há tempos.
— Sabia? — Ela gaguejou, visivelmente abalada.
— Ah, claro. Você serviu o rum sem pensar duas vezes. E quando alguém finge ser cego, aprende a tocar o chão. Você nunca soube fazer isso. — Dei um passo para trás, lançando um olhar para o marido dela. — Mas eu fiquei, porque você era divertida e bonita. Eu estava ali por você. Valeu a noitada.
Ela segurou a minha mão. Talvez quisesse medir minhas emoções. Por um instante, senti um tremor em meus dedos. Deveria estar esperando um grito, uma ofensa, ou até mesmo um tapa; mas foi só uma noite e um só jogo.
Fora isso, a minha risada era baixa e cheia de ironia.
A pobre mulher era uma pessoa de cultura tão distante, vaidades tão pequenas e objetivos tão secretamente visíveis que seus pensamentos pareciam translúcidos. Eu sabia que ela se agarraria a mim como se eu fosse a última chance de sua vida para pular fora daquele Regime Cubano.
— Clara, você me divertiu bastante. Não se preocupe, estamos quites.
— Como assim, quites?
Clara começava a entender as coisas.
Eu apertei suas mãos, o marido se aproximou pálido como um fantasma e eu disse:
— Juanito! Que surpresa te encontrar aqui. Espero que tenha aproveitado as hospedagens no Chile. — Fiz uma pausa, molhei os lábios. — Parece que o bumbum já está novo em folha. Pelo jeito se recuperou do… você sabe, aquele pequeno incidente ao Sul de Santiago. Nada como bons cuidados médicos, não é? — Eu pisquei para o homem.
O marido de Clara apertava as flores com tanta força que pétalas caíram.
— Você conhece a Clara? — ele indagou.
A moça me olhou envergonhada. O clima de constrangimento era delicioso.
— Um pouco. Sei que ela tem uma mancha de pêssego na… bem, na pele. Ah, pêssego é tão gostoso.
O silêncio que se seguiu era quase palpável, constrangedor e cômico. Clara olhou para o marido, que tinha largado o buquê e agora suava como se estivesse num tribunal. Eu ajeitei a gola do casaco e caminhei em direção à saída do aeroporto, onde o ar fresco do Chile me aguardava. Parei por um instante, tirei um charuto cubano do bolso e o acendi. O estalo seco ecoando nos corredores de mármore. Enquanto a fumaça subia em espirais preguiçosas, eu dei uma última olhada por cima do ombro. Ah, os apaixonados… O que eu estava mesmo dizendo sobre eles?…
Clara discutia com o marido, que gesticulava freneticamente, as flores abandonadas no chão ao lado deles. Confesso, sorri satisfeito. Quase babei. Mas voltei a observar o lindo céu de Santiago, de um azul limpo, quase irreal. Caminhei sem pressa, assobiando baixinho o meu bolero desafinado.
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