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Lisbôa – conto desafio 10

A chuva não foi o suficiente para acabar com o jogo de Bets na quadra do prédio, mas o sol se pondo, a noite caindo e os gritos de Isabel fizeram o grupinho de primos se resignar ao fato de que era hora de voltar para dentro. Ainda mais porque Isabel já havia chamado eles três vezes e naquela vez advertiu: não vou chamá-los de novo!

Teobaldo carregava uma sacola com bolas de tênis, para evitar ser atingido por alguma delas. Passara a tarde inteira zombando de Manu e Nícia porque as duas ainda acreditavam em Papai Noel. Bianca argumentou que elas tinham só sete anos, ainda podiam acreditar nessas coisas, mas o menino estava disposto a destruir seus sonhos infantis naquela tarde como se fosse sua missão fundamental revelar as verdades cruéis do mundo adulto. Matteo andava na frente, fingindo-se de distraído para não entrar na discussão. Com a ponta do taco apertou o botão do elevador e exclamou “ula-lá” quando as portas se abriram imediatamente.

— Última chamada para não apanhar da tia Isa! — gritou ele.

Manu, Nícia, Teobaldo, Bianca e Daiana correram para alcançar o menino, que não segurou as portas do elevador. Ao ser questionado, ele continuou assoviando “Réu Confesso” do Tim Maia, dando de ombros. 

— Vocês não entendem? — perguntou Teobaldo — É impossível ele existe. É simplesmente impossível! 

— Você é besta! — exclamou Nícia.

— Muito! — concordou Manu.

Daiana apertou o botão para o andar de sua casa.

— Pensem só: ele tem que passar pela casa de todo mundo que tem filhos, são pelo menos umas 4 bilhões de pessoas, em uma noite só! Uma noite tem só 8 horas!

— Você é muito besta — disse Nícia, revirando os olhos — Você não sabe que tem um negócio chamado fuso-horário?

— É! — Manu fez coro.

— Claro que eu sei! — retrucou Teobaldo.

— Então, se a gente somar todo o tempo que ele tem de fuso-horário deve dar muito mais que 8 horas!

— Pelo menos umas 30 — completou Manu.

— Meu Deus! — exclamou Teobaldo — Ainda que ele tivesse 40 horas pra viajar ao redor do mundo, ele teria que ir mais rápido que um jato e ele anda num trenó!

— Puxado por renas — retrucou Nícia.

— É. Não esquece das renas — disse Manu.

— Então vamos lá — disse Teobaldo, esfregando os olhos com a ponta dos dedos — ele teria que viajar mais rápido que um jato num trenó puxado por renas. O único problema é que renas galopam a 80 quilômetros por horas. O que é até bastante, mas não é mais rápido que um trenó.

— Dai-me paciência, Senhor! — Nícia, juntando todo o seu dom de teatralidade ajoelhou-se no meio do elevador — Ele não sabe o que fala!

— O quê? — as bochechas de Teobaldo ficaram vermelhas, quando o resto das pessoas no elevador riram — Do que você tá falando, menina.

Nícia se levantou e com as mãos na cintura, perguntou:

— Você é lesado por acaso?

Manu fez um L com o polegar e o indicador e o colocou na testa, cantarolando:

— Lesado! Lesado!

Teobaldo respirou fundo e fechou um punho.

— Téo! — bradou Bianca, com o rosto sério.

Bianca fazia lembrar Geovanna, a madrinha de Teobaldo e por esse motivo ele respirou profundamente mais uma vez e abaixou o braço.

— Elas são renas mágicas e voam!

— Você quer que eu desenhe para você a diferença entre voar e galopar? — perguntou Manu, com uma seriedade sarcástica no rosto.

Até mesmo Matteo parou de assoviar para soltar uma risada. Teobaldo olhou para o amigo surpreso, que deu de ombros e disse:

— Você tá perdendo mesmo.

— Não estou! — retrucou Teobaldo — escuta, ainda que sejam mágicos e voem, ele teria que carregar 600.000 toneladas de presentes tudo num trenózinho qualquer.

— Ele voa acima da zona de gravidade da Terra — respondeu Nícia de imediato.

— Igual a estação espacial — completou Manu, olhando para a prima — é gravidade quase zero. Assim as 600.000 toneladas ficam tão leves quanto uma folha de papel.

— Tão leves quanto o cérebro dele — concluiu Nícia, sorrindo.

Teobaldo respirou profundamente, olhando para o teto do elevador. Entre um andar e outro a luz mudava de intensidade numa fração de segundo e ele falou:

— Ao viajar tão rápido sem nenhuma proteção, ele vaporizaria no ar. As renas do Papai Noel iriam queimar com a ação da atmosfera, da mesma forma que um asteroide faz quando cai na Terra e vira uma estrela cadente. Isso porque ele queima ao entrar na nossa atmosfera, sem contar que o corpo humano não é preparado para encarar tão altas velocidades e o corpo do Papai Noel inteiro iria se desmanchar e virar uma gosma melequenta.

— Gosma melequenta deve ser o que você tem na cabeça — respondeu Nícia.

— Uhum! — concordou Manu, cruzando os braços ao lado da prima.

— O que você não leva em conta é que o Papai Noel tem uma camada invisível protetora mágica ao redor de si mesmo, das renas, do trenó e do saco de presentes. Isso faz com que ele não sofra a pressão que um objeto normal sofre. Como você acha que ele fica na zona de gravidade zero sem perder o fôlego, hein?

— E como você acha que ele não é detectado pelos radares? — perguntou Manu — Como você acha que ninguém derruba o Papai Noel quando ele passa por cima de zona de guerras?

— Seu tosco! — xingou Nícia.

— É Téo, é melhor você aceitar a derrota — disse Daiana, olhando para o mostrador de andares, aguardando a porta se abrir logo.

— Não perdi nada! — o menino insistiu — se ele viajasse tão rápido assim, ele quebraria a barreira do som e iria destruir janelas, balançar portas, arrancar telhados. Ele pode não ser notado pelos radares, mas todo mundo iria notar a casa destruída.

A porta do elevador se abriu com um “pingue” e apontando para cima, Nícia respondeu:

— É simples assim. Os sinos do Papai Noel também são mágicos e ao balançá-los ele anula todos os efeitos sonoros causados pela sua chegada. 

— É assim que ele passa despercebido e não acorda ninguém — completou Manu, com o rosto já entediado pela discussão.

A porta do apartamento de Isabel já estava aberta e um a um eles desceram do elevador, prontos para jantar, contentes em saber que a Fé ainda era mais forte que a Razão.

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