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Estou aqui?

A coisa toda começou alguns dias após o ocorrido. A verdade é que, nos primeiros dias, tudo foi muito caótico e estranho e os dias simplesmente voaram. De repente, uma semana havia se passado, mas ele sequer havia percebido. Ele até mesmo se sentia abandonado.

Então, as lembranças vieram, subitamente, sem qualquer relação com qualquer outra coisa que tenha acontecido antes. Como quando ele esperava um ônibus e se lembrou dela passando perfume, na penteadeira de madeira, pouco antes deles irem para uma festa.

Ele achou que era completamente normal, claro; assim são as lembranças, elas simplesmente surgem, a qualquer momento, inoportuno ou não; ás vezes, relacionadas a algo ou completamente estranhas. Quem verdadeiramente sabe como funciona o subconsciente?

Por isso, a vida seguiu. Ele tentou fazer com que tudo continuasse como sempre fora, na medida do possível, considerando a nova situação, mas tentando agir normalmente.

Nada de realmente novo na humanidade.

Essa normalidade, entretanto, não funcionou muito bem. Ou, se a ideia era seguir com a vida, esperando que logo as lembranças diminuíssem, ocorreu o oposto: elas apenas aumentaram. O que começou com uma lembrança por dia, de repente começou a surgir mais uma em um dia, duas no outro, três um pouco depois… E além da frequência elas eram também persistentes; isto é, não adiantava tentar ignorar ou mesmo pensar em qualquer outra coisa, aquela memória de uma cena do passado, subsistia, era como se realmente estivesse acontecendo naquele momento, era a própria vida passada porém no presente. Ele estava cozinhando e uma lembrança surgia de repente, na frente dele, tão real que parecia uma peça de teatro. Ou dirigindo, ou andando na rua, ou… Todos os dias, várias vezes ao dia e em número cada vez mais crescente.

Isso atrapalhava muito sua vida, passou a ser algo próximo de ouvir vozes bem reais ou ilusões completamente realistas. Após mais algum tempo, ressurgiram as lembranças dela falando; antes ele a via, na frente dele, fazendo algo em silêncio, como passando o perfume ou pegando as chaves. Agora eram lembranças de conversas:

“Melhor James Bond? Sean Connery ou Roger Moore?”

“Já viu o que diz o manual de instruções?”

“Gosta de pimenta?”

“Você esta indo muito rápido com o carro, vá mais devagar.”

Absolutamente real, como se ela estivesse do lado dele, ali, no banco do passageiro. Não era somente a voz, era também a presença, e tudo isso causava um efeito cada vez mais assustador nele. Ela se tornou presente tanto em sua vida quanto em sua rotina diária — mais ainda do que quando estava viva. Agora ela estava em todos os lugares: na rua, no ônibus no trabalho, no elevador.

Poderia surgir em qualquer lugar e, a essa altura, com várias aparições ao dia, surgia em qualquer parte, em qualquer lugar e em todos os lugares. Era agora parte dele. E então, em um momento tão bom quanto qualquer outro, a coisa toda escalou um pouco mais. As lembranças reais continuaram sem mudança nenhuma, mas eis que ele começou a sonhar com ela.

A princípio, eram sonhos comuns, como são os sonhos em geral. Havia algo de ligeiramente diferente da realidade, como um céu rosa ou um prédio de ponta cabeça, ou ainda um camelo gigante comendo uma árvore e os dois juntos andando na calçada, como um casal igual a todos os outros casais. Mas, com o passar do tempo, os sonhos foram se transformando. Inicialmente, o colorido for sumindo, as cores que ainda sobraram foram perdendo a vida; o brilho, se acinzentando.

Depois, surgiu uma espécie de névoa, que virou sombra; o horizonte ficou escurecido. Até as roupas passaram a ser assim, meio sem cor, meio sem vida — mas ainda eram sonhos; até que, em algum momento, eles foram ficando violentos: o camelo de antes passou a comer gente e a persegui-los. Não eram mais sonhos, agora chegou a Era dos Pesadelos. Eles eram perseguidos, sofriam, morriam… E então, de repente, ela passou a fazer parte dos perseguidores. Ele passou a ser o único a ser perseguido, sofrer, morrer… E o que era um pesadelo por noite, logo se transformou em mais de um. Tentou alternativas por conta própria: soníferos, exercícios físicos antes de dormir, banho frio, mas nada funcionou.

Um dia, resolveu buscar ajuda profissional, pouco tempo depois começou a frequentar um psiquiatra, esperançoso de que isso pudesse ajudar. Algumas sessões depois e ele começou a escrever em um caderno comum e, pelo menos enquanto escrevia, a lembrança dela deixou de aparecer. Mas os pesadelos continuaram, agora ainda mais brutais do que antes. Ele dormia pouco, passava o dia cansado e com sono, se tentasse dormir durante o dia; nada mudava, tinha pesadelos novamente.

O psiquiatra parou de trabalhar antes de resolver esse problema e ele tentou outros, porém nenhum deles foi capaz de ajudar. Até escrever estava mais difícil, mais cansativo. Uma noite, ele dormia profundamente e teve outro pesadelo: estava em uma casa, que ele nunca havia estado antes, não sabia se era dia ou noite, tudo era meio escuro, ele sentiu que estava sendo perseguido e que precisava sair dali, mas era uma casa sem portas e as janelas eram pequenas, ele não conseguia sair, mas sabia que precisava sair.

Reparou então que algo vermelho escuro escorria das paredes parecia sangue ou tinta, dai ele ouviu um barulho, se virou e ela estava perto dele, então, quando ele ia falar alguma coisa ela se aproximou, um punhal preto apareceu em sua mão e ela o cravou no seu peito, atravessando seu coração. Nesse momento em que ela o matou, ele acordou assustado e suado, acendeu a luz de abajur e olhou em volta, olhou para o próprio peito procurando sangue, como se aquilo fosse de alguma forma real, aos poucos foi percebendo que aquilo havia sido apenas mais um pesadelo. Sentou-se na cama, o coração ainda batia forte, o suor ainda brotava abundantemente, havia um gosto metálico na boca, não de sangue, porém de sede, por isso ele se levantou e foi até a cozinha para tomar um copo de água.

Já na sala ele parou, olhou para as duas cadeiras de madeira que acompanharam o casal por um bom tempo, baixou os olhos para uma das pernas de uma das cadeiras e suspirou. Mas então ele percebeu que havia algo de diferente, não era uma lembrança, nem imaginação ou mesmo parte de um sonho que talvez se transformasse em pesadelo, era algo mais: se tratava de uma presença.

O ar mudou, a luz mudou, algo estava acontecendo, diferente de tudo o que havia acontecido até então. Ele andou pela sala, procurando algo, tentando entender o que estava acontecendo. Quis evitar as cadeiras, mas no fundo sabia que era ali que estava o que quer que ali estivesse, se aproximou com cuidado e olhou de frente, havia uma sombra, que virou um vulto e depois uma pessoa.

Sua esposa ali estava agora, olhando para ele, como se viva estivesse. Ele então disse, tentando se mostrar calmo:

— Tenho pensado em você com frequência.

— Não. Eu é que tenho me feito presente.

Ele esperou um pouco, pensando no que deveria dizer; hesitou enquanto ela olhava fixamente para ele e, por fim, falou de forma tímida:

— Há algo que você queira? Digo, de mim.

— Agora? Justo agora? Vai me oferecer ajuda? E naquele dia?

— O que quer dizer? Foi um acidente!

— Foi?

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Avaliações

1 avaliações encontradas.

Plot Execução Escrita Estilo Desafio

PLOT: Parece promissor.
EXECUÇÃO: A execução do plot é que ferra tudo, especialmente por isto: o texto é uma continuação de outro. Essa pressuposição do outro conto faz com que os personagens não sejam minimamente desenvolvidos (pois isso foi feito na primeira parte), deixando a gente perdido também com relação à trama, que demora um horror pra aparecer, porque, no início, há só uma longuíssima descrição de memórias que o personagem vai tendo, sem nenhum indicativo de absolutamente nada do que pode ser (já que está pressuposto do outro conto). Ou seja, não funciona como conto isolado nem a pau. Além disso, a primeira parte, que era pra ser uma apresentação sutil da presença fantasmagórica (que vai escalando até o fantasma aparecer de fato), é extremamente enrolada. Por não termos contexto nenhum, parece um texto sobre nada (essa foi precisamente a minha sensação, inclusive porque tive que ler o texto antes da primeira parte, então fiquei totalmente perdido). O final também é complicado, porque, além de todo esse problema (não existe um começo, nem uma trama em toda a primeira parte, muito menos construção de personagens), está ABERTO. Powwww, meu kk. A forma como a coisa escala é legal, mas não faz nem cócegas diante dos problemas.
ESCRITA: A pontuação estava bem zoada e deu um trabalho lascado de tanta coisa pra revisar. Muita vírgula faltando e muitas vírgulas no lugar de ponto e vírgula, ponto, dois pontos e travessão.
ESTILO: É pouco literário, mas tem todos os elementos que a gente espera (ou precisa) pra um suspense. O narrador ficou um pouco genérico; podia ter se valido bem de monólogo interior e fluxo de consciência (que eu não gosto, mas nesse caso parece que cairia bem).
DESAFIO: Cumpre perfeitamente o desafio.