— Ainda aqui, Rodrigo?
— Éééé. Qual o problema, exatamente?
— Já vamos fechar. Paga logo a conta e vai com o seu rabo bêbado pra casa.
— Sabe, Carol, você consegue ser uma desgraçada às vezes.
— Quem tu pensa que é? Meu ex? Sai daqui logo.
E assim, Carol, movendo sua bunda gorda em direção ao balcão de atendimento, me deixou em paz. Sua atitude nefasta é até compreensível, considerando o fato dela já estar nos seus trinta anos, com um filho de algum dos seus vinte ex-namorados, vivendo em um apartamento pútrido, em um trabalho de bosta desses. Boatos circulam por aí de que ela teve que dar para o dono do bar para conseguir esse trabalho, já que haviam relatos dela ser “problemática até demais” em seu último emprego.
As mazelas de viver em uma cidade pequena. Todos se conhecem, de uma forma ou de outra.
E que cidadezinha de merda, devo dizer. O lixo sempre atrasa, os prédios sempre pichados; quando chove, as ruas alagam e a criminalidade está aumentando a cada dia. Está sempre nublado também, como se o sol falhasse em aparecer. Nada dá certo aqui.
Era o que eu achava, pelo menos.
Terminando de olhar para Carol, peguei meus cigarros no bolso do meu casaco e acendi um. Virei-me novamente para a minha mesa e, por alguma razão, uma estranha garota estava sentada do outro lado, sorrindo para mim.
Estava usando uma blusinha preta, uma saia cinza e luvas brancas vazadas que iam até o antebraço. Uma morena magrinha, com cabelos longos e sedosos. Um rosto meigo e afável. Um corpo incrível. Parecia ter vinte, no máximo. Que mulher.
— Eu... te conheço de algum lugar? – Perguntei.
Ela deu uma pequena risada.
— Eu te espero lá fora. – Disse ela.
Então, ela se levantou da cadeira e dirigiu-se para fora do bar. Dei uma olhada por trás para checar o resto de seu corpo. Apesar de não ter muita bunda, suas coxas não eram ruins.
Fora isso, toda aquela situação me deixou confuso. Não faço ideia de quem ela seja ou por que ela sentou em minha mesa.
Difícil ela ter me conhecido por alguém, já que eu não sei o que é uma amizade desde a época do ginasial, e estes tempos já estavam bem atrás de mim.
Talvez ela seja uma puta? Apesar de que eu não pareço um cara muito aproximável. Com esta barba por fazer, este casaco pútrido e esta lata nada atrativa, eu não passo a impressão de que pareço ter dinheiro.
Nada disso fez muito sentido para mim.
Levanto-me da cadeira e dirijo-me para o balcão onde Carol estava, puxo uma nota de 50 da carteira e entrego para ela.
— Escuta, Carol...— Hm? Fala.
— Você... conhece aquela garota que tava sentada comigo ainda agora?
— Que garota? Já tá vendo coisas? Tu geralmente bebe mais que isso antes de começar a ficar doidão.
— Que fofo. Obrigado por nada.
Às vezes me pergunto por que ainda frequento este bar maldito.
Pagando a conta, dirijo-me para fora do bar. Ela estava lá, me esperando.
— Demorou, hein? – Disse ela, novamente dando uma pequena risada.
— Éééé. Eu tava pagando a conta. A garçonete não gosta muito de mim.
Ela então olha no fundo dos meus olhos. Tão lindos, como aqueles diamantes que ficam em disposição naquelas vitrines das joalherias do shopping.
Ficamos em silêncio por alguns segundos e então voltei a falar.
— Então, vai responder à pergunta que te fiz antes?
— Laura.
— Como?
— Meu nome é Laura.
— Ah. O meu é Rodrigo.
— Rodrigo...
Ela deve estar no espectro.
— Então, Rodrigo, eu tava pensando da gente passar ali no mercadinho e comprar algo pra gente beber. O que você acha?
— Hm, tá.
— Bora lá, então!
E assim, Laura e eu caminhamos ao mercadinho. Por alguma razão, fomos até lá com ela segurando o meu braço. Não que eu fosse contra a ideia, mas me pareceu meio estranho ela fazer isso com um cara que ela mal sabe o nome direito. De qualquer forma, decidi não dizer nada.
Entramos no mercadinho juntos e então comprei as bebidas. Eu não tinha bebido o bastante no bar, de qualquer maneira.
Então, fomos até um parque que tinha no local e nos sentamos em um dos banquinhos.
— Quantos anos você tem, Rodrigo? – Perguntou ela.
— Hm? Trinta e dois.
— Legal. Eu gosto de homens mais velhos.
— Ah, é?
— Sim. Você me parece cansado.
— A vida faz isso.
— Se acha o fodão, não é?
— Não. Por quê?
— Você tem cara de quem olha sempre pra baixo das pessoas.
— Talvez. Não tenho culpa se os outros são imbecis.
— Gostei de você.
— Que bom?
Enquanto isso, ficamos bebendo e bebendo. Comprei para ela um pacote de batatas chips que ela estava bicorando no mercadinho ainda cedo.
— Você existe mesmo? – Perguntei.
— Como assim? – Disse ela, com a boca cheia.
— Eu bati a cabeça quando era adolescente. Costumo ficar confuso às vezes desde então.
— Você é esquizo?
— Não que eu saiba.
— Eu sou real, Rodrigo.
— Não me parece real.
— Você quer sentir?
— Como é?
— Quer me sentir? Você pode me tocar, eu não ligo.
— Não, melhor não.
— Por que não?
— Não tenho tanto dinheiro.
— Não quero seu dinheiro.
— Não quer?
— Não.
Isso me parecia cada vez mais insano. Ela não era uma puta, nem me conhece de lugar nenhum.
O que ela viu em um cara como eu?
Desde a adolescência, eu sempre fui péssimo com as mulheres. Todos os dias era zoado pela minha aparência azeda, pelo meu rosto espinhento. Meus colegas me evitavam e não gostavam de fazer tarefas comigo. Quando arrumei minha primeira e única namorada, descobri que ela me traia com o meu então melhor amigo depois de um ano saindo juntos. Aparentemente ela começou a me trair com ele dois meses depois que começamos a sair.
Nunca consegui entender isso. Não era mais fácil ter terminado comigo do que ter feito uma coisa dessas?
Porém, depois que terminamos, nenhuma garota mais me deu bola, não importa o quanto eu tentasse. Passei o resto do meu tempo de ginasial e de faculdade sem conseguir uma namorada.
Hoje em dia, tenho trinta e poucos, estou em um desk job de merda, sem mulher, filhos, perspectiva de futuro, bebendo noites afora. Que vidinha.
Então, Laura começa a falar novamente.
— Ei, Rodrigo, sua casa fica aqui perto?
— Hm? Fica um pouco. Dá pra ir andando até lá.
— Dá pra eu ir lá?
— Como?
— Na sua casa. Tá começando a fazer frio aqui fora.
— Claro. Bora lá.
Começo a colher as latinhas de cerveja vazia e a metade da garrafa de whiskey que bebi e partimos então para a minha casa. Dou o meu casaco pútrido para ela, já que ela estava com frio.
— Tem o seu cheirinho. – Disse ela.
— Éééé. Eu gosto desse casaco.
— Você tem um cheiro bom. E é bem quente.
Ela está sendo sarcástica, imaginei. Este casaco sempre cheirou a whiskey barato misturado com tabaco e o desodorante em talco que eu uso desde que me entendo por gente.
Chegando em meu apartamento, ela se joga em meu sofá.
— Ah! Isso sim é que é vida! – Diz ela.
— Desculpe a bagunça. Geralmente não recebo visitas.
— Tudo bem. Eu já imaginava.
Isso não torna as coisas melhores.
— Escuta, e a sua casa? – Pergunto.
— Não quero voltar pra casa.
— Você mora sozinha?
— Não, com os meus pais.
— Eles não vão ficar preocupados?
— Eu já sou crescidinha, posso ficar fora de casa. De qualquer maneira, eles não se importam muito comigo.
— Não?
— Não.
— E o que você fazia sozinha naquele bar ainda cedo?
— Ah, eu terminei com o meu namorado faz uns dias. Ando bem triste. Quis sair um pouco.
— Sinto muito.
— Tá tudo bem! Ele era mulherengo. Eu achava que podia mudar ele, mas tava errada.
Depois disso, um silêncio absurdo permeou meu apartamento. Decido colocar um shoegaze para tocar em meu toca-fitas. Botei um Les Rallizes Dénudés.
Mas então, ela voltou a falar.
— Você quer fazer, Rodrigo?
— Hã?
— Transar. Você não me acha bonita?
— Acho, mas... A gente acabou de se conhecer.
— Quem liga?
— Eu ligo.
— Você é viado, por acaso?
— Não.
— Então qual o problema?
Vi que isso não ia chegar a lugar algum, então cedi. Começamos a nos pegar em meu sofá, depois partimos para a cama.
— Você gosta das minhas pernas, Rodrigo?
— Sou vidrado em pernas.
E que pernas eram aquelas. Algo que só modelos teriam.
É incrível os pensamentos que passam na cabeça de um homem enquanto estamos no “modo macaco”. Ainda mais pelo fato de estar completamente doidão.
Comecei a imaginar uma vida com Laura. Como seriam os nossos filhos. Que nome dar para eles. Que valeria a pena ir para o meu trabalho de merda todas as manhãs com ela ao meu lado. Construir algo, mesmo que mínimo, juntos. Que eu poderia roubar por ela. Morrer por ela. Matar por ela.
Muitos pensam desta forma sem nem chegar onde estou agora.
Em meio aos seus resfolegares e gemidos, ela me pergunta:
— Rodrigo, você me ama?
— Eu... Eu te amo, Laura.
Ouvindo isso, ela sorri e dá uma pequena risada.
— Eu também te amo, Rodrigo.
Há quanto tempo eu não ouvia estas palavras. Nunca pensei que as ouviria novamente. É realmente algo que move uma pessoa. Capaz de mover montanhas, até. Algo que destrói o mais ruim dos misantropos, como eu. E ela não parava. Continuamos a transar por horas. A noite ainda era uma criança. Aquela mulher era insaciável. Foi a melhor noite que tive em anos. Décadas.
Acordo na manhã seguinte. Minha cabeça parecia ter dobrado dez vezes de tamanho. Aparentemente eu vomitei ao lado da cama. Não me recordo disso. Ela não estava mais lá.
— Merda, seu idiota. Idiota! – Pensei.
Verifico minha carteira. Meus cartões e meu dinheiro ainda estavam lá. Suspiro de alívio. Passo a mão pelo meu corpo. Nenhuma cicatriz além das unhas que ela passou nas minhas costas. Sem órgãos tirados. Tudo me parecia confuso. Ainda mais confuso do que ontem. Tento me lembrar de tudo que aconteceu. Das coisas que eu disse. Das conversas que tivemos. Não deixou um número de telefone. Nenhum e-mail. Um endereço. Nada.
Ela só queria transar comigo? O que ela realmente queria? Será que ela vai voltar? Todas estas perguntas só me deixavam com mais enxaqueca. Tomo uma aspirina e saio para a varanda do meu apartamento para fumar.
Dois anos se passaram desde aquela noite.
— Rodrigo.
— O que é, Carol?
— Eu...vim te avisar que vou me casar em dois meses. Se você quiser, pode comparecer à cerimônia.
— Éééé? Beleza. Tentarei ir.
— Obrigada! Eu venho te entregar um convite depois.
E assim, Carol, com sua bunda gorda, se dirige ao mesmo balcão de atendimento. Hoje em dia, depois que arranjou um otário para bancar o seu filho, ela parece bem mais contente em vir para o seu trabalho sujo de garçonete. Bem, pelo menos ela não anda mais enchendo o meu saco.
Às vezes me pergunto por que diabos ainda frequento este bar maldito.
Peguei-me pensando em Laura novamente.
Desde aquele dia, ando cada vez mais miserável. Nunca encontrei alguém como ela.
E bem, realmente nunca encontrarei.
Afinal, ela se foi.
Alguns dias depois de ficarmos juntos, li no jornal local que uma garota havia se jogado de um edifício-garagem. A reconheci na hora. Não encontrei lágrimas. Aparentemente levou-as junto. Só Deus sabe o que se passava na mente daquela garota para que sua última noite neste mundo podre fosse comigo. Ou para que ela decidisse se jogar daquele jeito.
Pensando nisso, lembrei-me de uma coisa. Depois que terminamos de transar, eu estava acariciando sua cabeça enquanto nos abraçávamos. Sua cabeça estava sobre o meu peito. Então, ela me disse:
— Eu vou sentir sua falta, Rodrigo.
— Como assim? Você já sabe onde eu moro. Pode vir aqui de novo depois.
— É...
Peguei meus cigarros no bolso do meu casaco e acendi um. Olho pela janela.
Como sempre, o sol falhou em aparecer.
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Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Meus comentários já foram postos nesta outra live:
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
No geral, é um texto competente. Possui falhas, mas as falhas não impedem de aproveitar aquilo que ele tem a oferecer. Algumas frases e cenas clichês contribuíram para uma suavização do clímax, o que eu vejo como algo negativo. O autor sabe retratar bem um personagem decadente, mas acho que se perde em algumas redundâncias desnecessárias. Como um desafio, eu acredito que o amor retratado aqui poderia ter sido melhor executado, mas ele o cumpre de maneira digna.