Você deve achar que somos loucos. Durante algum tempo eu acreditei no que pessoas como você diziam. Eu disse para eles que deveríamos te dar uma chance, porque você não era como os outros homens de jaleco branco que vinham nos visitar. Parte de nós achou que estar ciente da possibilidade seria o bastante para conseguirmos nos aproximar de ti.
Mas você sempre a afasta.
— Não tinha como a gente continuar, não seria ético.
Mentira! Desde quando há algo como ético neste lugar? Amarram o Henrique toda vez que ele tenta brincar com as enfermeiras. Ele não faria mal a ninguém. Agora, o pobrezinho está enclausurado neste poço de infelicidade. É isso que vocês gostam de fazer com as crianças!? Tomaram a infância dele à força! Mas isso não é o pior. O pior é que toda noite ele pergunta para Letícia quando o papai vai voltar para abraçá-lo. O Felipe não gostou de ti desde o primeiro dia, mas eu insisti que seria uma coisa boa que vocês se aproximassem.
Letícia merecia ser amada.
— Eu a amo, acredite em mim! A dor de ter de terminar com isso é muito maior em mim do que nela.
Seu filho da puta! É isso que você faz quando uma mulher se deita contigo? Quando uma mulher se desnuda e entrega o coração dela para ti!? A Mônica não aguenta mais olhar para você, mas eu tive que vir aqui para falar isso na sua cara, de homem para homem. É porque ela nos protege, não é? Vocês querem sumir com a gente, seus bandos de bastardos! Eu não lutei por 15 malditos anos para voltar para os braços da Izumi somente para tê-la arrancada de mim. Eu ainda sei atirar, mas em respeito ao amor que Letícia e Felipe tem por você, eu não faço nada.
— Vocês não têm nenhuma culpa disso não dar certo. Eu que errei.
Ah, olha só agora o patinho volta só não é só aquilo só que a gente pensava só gostava de só fazer as coisas a sós com ela mas e quando o relatório do homem velho apareceu ali na gavetinha sim acha que não percebemos!? Não, ele tem que ouvir, Letícia! Você fica aí varrendo o quarto o dia todo cuidando dos passarinhos cantando para alguém como ele vir, sim, eu sei, querida, mas. Desculpe, a Maria está bem velhinha, já. Você guardou a orquídea que eu te dei quando nos encontramos pela primeira vez.
— Foi o melhor presente que eu recebi, até te beijar.
Por que vocês homens gostam tanto de magoar nós, mulheres? Eu sei do laudo, você não precisa jogá-lo na minha cara. Daria certo, sim. Vai dar certo. O Henrique tá aqui, quer falar com ele?
— Quero.
Só um minuto. Pode vir, não fica com vergonha, ele não vai te amarrar não. Seja rápido. Papai?
— Oi, camarada. Que bom te ver de novo!
Papai, a Letícia falou que vocês não estão mais juntos. Que os homens de jaleco branco estão desconfiados de vocês. Mas deixa só eles mexerem contigo na minha frente, eu vou arrebentar todos eles. Volta com a Letícia, papai, por favor. Você nos faz tão felizes.
— Eu estarei com a Letícia, só não do jeito que você espera. Seremos amigos, grandes amigos… Não, Henrique, por favor, volta aqui…
Ele fica chorando toda noite, sabe? A Izumi pede ajuda para ele de vez em quando, sabe como é mente de criança, né? Difícil de lidar. Mas não tão difícil quanto o coração de um homem. Responda-me uma coisa, então: finja que cada um de nós estivesse em algum canto dessa sala, e eu fosse uma dessas pessoas. Mas não estaria aqui. Você ainda me amaria?
— …
Silêncio, como eu esperava. Eu te conheço como nenhuma outra mulher nesse mundo poderia. Olhe para mim. Não desvie o olhar quando uma dama lhe dirige a palavra. É o nosso rosto? São meus seios? Meus lábios? Meu toque? Shh, eu posso sentar aonde eu quiser, porque este é o meu quarto. Diga-me, são meus olhos? É, eu suspeitei. Eu te enxergo como nenhuma dessas pessoas consegue. Mas não se engane, eu não abro as janelas de minha alma para qualquer um. Todos nós concordamos com isso, porque você tem alguma coisa que me faz lembrar de casa, quando estávamos perdidos de todos, menos de nós mesmos.
— A gente não pode, Letícia. Desculpa ter que te empurrar…
Você me ama. Não é uma pergunta seu idiota, eu sei quando um homem ama uma mulher. Eu vejo isso todo dia. O jeito que o Felipe encara a Izumi no café da manhã. O jeito que o Henrique brinca com a Sofia. Eu sei o que é amor. O que me irrita não é ser taxada. Fui taxada minha vida toda. O que me irrita é você querer negar que sente algo por mim, querer negar as coisas boas que poderíamos te trazer, porque esses homens de jaleco branco que você chama de amigos falaram para você que eu não tenho jeito.
Acontece que eu te amo, seu idiota. Amo tanto que consigo expulsar todos somente para tirar um tempinho para você. Agora eu te peço uma única coisa: leve-me para a fazendinha. Lá nós seremos felizes.
— E se eu conseguir, você vai aceitar as visitas dos doutores? Você acha que o Henrique não terá mais um daqueles acessos de pânico dele?
São os raios, rapaz, eu tive experiência com isso enquanto servia. Algumas crianças ficam assim, tem muita sensibilidade, mas pode deixar que eu fico de olhe nele enquanto tu e a Letícia se amam. Obrigada, Felipe. Viu só? O que me diz?
— Você não pode sair daqui, mas eu posso te levar para algum lugar. Não, eles não vão desconfiar. Não iremos sozinhos. Não posso correr o risco do Felipe olhar torto para alguém de novo e achar que é um terrorista invadindo o perímetro do quartel. Mas você terá de testar o novo tratamento, vai te ajudar.
Eu poderia te beijar agora, mas vou deixar para o nosso passeio. Viram só? Eu falei que ele era nosso. Para onde vamos? Não conheço essas pessoas, nem esse corredor. Ah, com certeza é para um lugar chique. Precisamos de roupa. O Henrique também, tá? Olha, que cadeira confortável. O que é isso? Ah, sim, vai me ajudar com o passeio, doutor?
— Ajuda… Letícia, né? Sim, a lobotomia ajudou diversos pacientes, vocês vão poder voltar para casa logo, logo.
Não fique me olhando desse jeito, seu bobo. Você sabe que eu fico envergonhada. Ah, convenhamos, não precisa chorar também. Vai ser rapidinho. Por você eu faço tudo. Opa… Doeu um pouquinho, achei que… Opa, é… Talvez… Esqueci… Sono… Corredor… Henrique? Silêncio… Não sei… É… Jardim, acho que era isso… Não…
São só as vozes da minha cabeça…
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