O sol ainda não havia nascido quando Anna estacionou sua moto em frente à farmácia deserta. Mais uma vez, ela estava atrasada. Devido a isso, o Sr. Brum, seu chefe, veio ao seu encontro, furioso. Mas não teve tempo de falar nada. Anna desferiu-lhe um único tiro na cabeça. Brum caiu e o sangue escorria, tingindo rapidamente o chão ao redor.
Anna era uma pistoleira. Matar o velho Brum era parte da sua missão. Por isso, estava há algum tempo trabalhando ali, infiltrada, estudando os passos do seu alvo, esperando a melhor oportunidade. E aquele lhe pareceu o momento propício, além de já estar de saco cheio dele.
Logo a seguir, em frações de segundos e antes que pudesse reagir, Anna ouviu um estampido metálico e seco de tiros ecoando por trás. Foi a sua última lembrança antes de ser atingida pelos disparos e perder a consciência.
Ao recuperar a consciência, Anna se viu nos fundos da loja, ao lado de Sarah, outra funcionária, cuidando dos seus ferimentos. Resgatar Sarah era a outra parte da missão de Anna, mas agora os papéis se invertiam. Agora era a pistoleira quem precisava da ajuda de sua colega de trabalho que estava na área de funcionários quando o tiroteio aconteceu.
Sarah não tinha família – nenhuma que ela lembrasse, pelo menos. Cresceu nas ruas, mendigando para sobreviver. Quase tudo ficava com seu antigo dono, e, quando esse decidiu que a menina havia crescido demais, a vendeu para o Sr. Brum, que esperava lucrar revendendo-a para quem pagasse mais. Enquanto Brum não encontrava um comprador adequado, a jovem realizava todo tipo de trabalho na drogaria, o que lhe garantiu um certo conhecimento em fármacos que, agora, poderia significar a salvação de Anna.
Depois de algum tempo, as duas foram para o salão da farmácia, onde tudo ocorreu. As portas estavam fechadas, Sarah se encarregou disso antes que o primeiro cliente pudesse entrar. Era um problema a menos, mas Brum havia desaparecido. Havia um rastro de sangue de onde o velho caíra até a saída lateral da farmácia.
Era a primeira vez em muito tempo que Anna errava e talvez estivesse ficando velha demais para tudo aquilo. Suas conjecturas foram interrompidas pela reabertura dos ferimentos. Sarah a sentou no chão e a pôs encostada no balcão. Precisava buscar mais medicamento em uma filial vizinha, uma vez que o que tinha ali acabara. Assim foi, não sem antes pedir a um amigo para ficar cuidando de Anna, sem lhe dar maiores detalhes.
Sam era um rapaz gentil e inocente, trabalhava sozinho como mecânico em uma oficina herdada dos pais, do lado da farmácia. Tinha uma paixão secreta por Sarah, que parecia ser secreta apenas para a garota, pois todos da região já sabiam. Como todo jovem apaixonado, aceitou o pedido para cuidar de Anna, mas pensou duas vezes quando entrou e viu sangue para todo lado. Infelizmente, para ele, Sarah já tinha ido quando cogitou mudar de ideia.
Anna se perguntava o motivo de Sarah fazer tudo aquilo para ajudar. Afinal, a pistoleira não havia contado à jovem que estava ali para resgatá-la. Mal se conheciam e, no pouco tempo que trabalharam juntas, quase nunca se falavam. Se questionava também quem poderia ter lhe alvejado pelas costas e, mais perturbador ainda, o porquê do atirador não ter terminado o serviço. E ainda tinha Sam, que agora também estava envolvido sem ter nada a ver com a situação. Estava bastante tenso. De fato, se o pedido não tivesse partido de Sarah, já teria avisado à polícia.
Enquanto estava indeciso sobre se deveria ou não acionar as autoridades, Sam avistou nas câmeras de segurança do estabelecimento cinco encapuzados prestes a arrombar a porta dos fundos. O jovem ficou desesperado, e coube a Anna, quase desmaiada, acalmá-lo. Quando os arrombadores adentraram o estabelecimento, os dois já estavam na oficina, através de uma passagem que apenas Sam conhecia. Mas não adiantou muito.
Quando chegaram do outro lado da passagem, um sexto sujeito de balaclava já estava à espera dos dois, com um revólver em punho. Anna estava com a sua Glock na mão, mas estava em desvantagem, pois não a tinha em punho.
Quando o inimigo atirou, Sam conseguiu apenas empurrar a pistoleira, que caiu e acabou largando a sua arma. O mecânico caiu, alvejado por vários tiros, e agora o homem de capuz estava se voltando para Anna, caída no chão. Ela, por sua vez, sabia que era inútil tentar alcançar a sua pistola.
O fim parecia certo, mas, nos últimos instantes, Sam levantou e pegou a primeira ferramenta que viu pela frente.
Anna ainda estava no chão, de onde via o seu algoz tal qual um gigante. Porém, atrás dele, surgia Sam, colossal, erguendo sobre sua cabeça um martelo que parecia ser maior ainda. Utilizava as duas mãos, e era monstruoso. Era como se toda a sua doçura e gentileza tivesse se esvaído e dado lugar à pura selvageria.
O encapuzado muito provavelmente morreu no primeiro golpe, mas Sam continuou, até não sobrar mais nada. E não pararia tão cedo, se Anna não tivesse intervindo. Ao saírem da oficina, um carro preto parou e um velho conhecido mandou que entrassem. Após desmaiar quase que instantaneamente no carro, Anna despertou em um leito de hospital.
Ela não tinha a menor ideia de quanto tempo havia se passado. Ao seu lado, estava Lucas, o motorista. Assim como Anna, ele também era um pistoleiro. Os dois trabalharam juntos algumas vezes e estiveram em lados opostos mais vezes ainda. Chegaram a ter um relacionamento, que acabou tão bem quanto um relacionamento entre duas pessoas desse ramo pode acabar.
Lucas se aproximou de Anna como se fosse falar alguma coisa, mas, antes que pudesse começar, ela o interrompeu:
— Eu sei que foi você quem tentou me matar mais cedo — disse Anna.
— Como? — perguntou Lucas.
— O estampido metálico de uma M1911 é inconfundível e só você usa uma coisa dessas hoje em dia.
Lucas sorriu. Anna não mudara em nada desde a última vez que a viu.
— Você estava de costas, só fui saber que era você quando me aproximei. A propósito, lembra daquela dívida? Considere-a paga. Eu pedi para aquela menina, Sarah, cuidar de você. Não podia te tirar de lá naquela hora, pois estava sendo vigiado pelas mesmas pessoas que me contrataram. — explicou o pistoleiro.
Anna sabia o que isso significava. Um pistoleiro, quando aceita uma missão, não pode voltar atrás. Era o fim de Lucas. Ele, de fato, tinha uma dívida com Anna, mas a saldou com ouro, quando o combinado era bronze. Se fosse o contrário, Anna não faria o mesmo por ele.
— E quem te contratou? — perguntou a pistoleira.
— As mesmas pessoas que te contrataram
— A senadora? – indagou Anna.
— Isso — disse Lucas, mexendo no celular.
— Queima de arquivo?
— Correto. Ordens de cima, procedimento de praxe.
— E o garoto, Sam?
— Desculpe, ele não resistiu.
— E Sarah? — perguntou Anna
— Ela estava desaparecida, mas acabei de receber informações sobre o paradeiro dela. Eu ainda estou no jogo, o nosso contratante acredita que está tudo correndo conforme o plano e que você está morta. Não se preocupe, vou trazê-la de volta. — afirmou Lucas
— Eu vou com você — declarou Anna
— Nem pensar! — disse Lucas — Você vai ficar aqui e se recuperar. Já acertei tudo com o hospital, mas deixei claro que era para liberar você apenas quando estivesse de alta completa.
Lucas saiu, deixando Anna sozinha com os seus pensamentos. Ela não podia deixar de imaginar o que aconteceria se não tivesse tentado matar Brum logo naquele dia. E se tivesse esperado mais um pouco? E se tivesse tentado assassiná-lo antes? Provavelmente Sam ainda estivesse vivo, talvez Sarah estivesse fora de perigo.
Sair do hospital sem ser percebida não foi a tarefa mais difícil do mundo para Anna. Do lado de fora, o velho Brum, em pessoa, estava à sua espera, com um curativo enorme na cabeça, onde a bala ainda estava alojada.
Ao avistá-lo, a pistoleira correu para sacar a arma, ao passo que o segurança de Brum fez o mesmo, quase que mimetizando seus movimentos. O velho interveio alegando não haver motivos para aquilo, que a missão de Anna já tinha ido por água abaixo e que não tinham motivos para se matar.
Brum decidiu dar o primeiro passo fazendo com que o segurança guardasse a arma. Ele explicou que Sarah tinha sido sequestrada por um poderoso magnata que iria comprá-la, mas que, no meio da confusão, decidiu simplesmente raptá-la sem pagar nada. O velho, que poderia até perdoar um tiro na cara, mas nunca um calote, queria agora que Anna ensinasse uma lição ao magnata e se ofereceu, inclusive, para levá-la até a mansão aonde Sarah estava sendo mantida refém.
Anna, sem muita opção, concordou e entrou no carro, acompanhada pelo segurança, que a vigiava de perto, temendo qualquer movimento brusco. Foi levada para fora dos limites da cidade, até a maior mansão que já viu. Ao sair do carro, ponderou se realmente era uma boa ideia deixar Brum viver, mas chegou à conclusão de que não tinha tempo para isso.
Os portões de ferro forjado estavam entreabertos. O caminho de paralelepípedos ladeado por fileiras de ciprestes estava pavimentado com os corpos dos seguranças. Ao passar pelos jardins e se aproximar da entrada principal, ela notou uma música vinda de dentro. Era uma balada dos anos 50 ou 60, romântica, suave e com letras emotivas.
Ao adentrar a mansão, Anna vasculhou o lugar, passando pelo hall de entrada, pela sala de estar, biblioteca e salão nobre, encontrando mais alguns seguranças mortos pelo caminho, até chegar na cozinha e se deparar com Lucas, alvejado por diversos tiros, agonizando.
Subiu as escadas, de onde a música parecia estar vindo. Agora estava em um corredor gigantesco com uma infinidade de cômodos. Após algum tempo, parou em um quarto totalmente rosa. Algo a fazia pensar que aquele quarto tinha sido feito especialmente para Sarah. Ao pé da cama estava o magnata morto. Sua jugular estava cortada. Diferente dos outros cadáveres, este não parecia ter sido obra de Lucas. Anna sabia que o seu ex-companheiro não era capaz de cortar nem mesmo uma cebola.
Após andar mais um pouco, Anna chegou na sala de jantar. A mesa era modesta, mas farta. Sobre ela, repousava uma toalha de linho branco. A iluminação das velas e da lareira completavam o ambiente. Sarah estava sentada, sozinha, em um vestido angelicamente deslumbrante adornado com detalhes em renda que se entrelaçavam ao longo do tecido.
A jovem não tinha um arranhão, embora estivesse coberta de sangue, principalmente nas mãos, as quais utilizava para terminar lentamente o jantar. Os talheres estavam intactos: à direita do prato estava a faca, com o fio virado para fora e à esquerda estava o garfo, com os dentes voltados para cima. Na borda da mesa havia um estilete, pingando de sangue.
Sarah olhou para Anna e sorriu, como quem quisesse dizer que estava tudo bem. Anna se deteve e não passou da porta. Mais uma vez, ela estava atrasada.
Você não tem permissão para enviar avaliações.
Avaliações
2 avaliações encontradas.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Achei o plot abaixo do OK, passa a impressão de um primeiro rascunho a ser desenvolvido, mas sem sê-lo, fica apenas com jeito de rascunho. Há também uma certa ausência de verossimilhança em algumas partes, mesmo para um conto de ação.
Está bem escrito, entretanto, desconsiderando as outras falhas. O desafio, que pressupõe cinco arcos de transformação, me parece haver apenas um arco. Sarah, tem um arco, mas os outros personagens não me parecem terem sofrido qualquer transformação. Mesmo Anna, que poderia ter uma transformação, começou e terminou da mesma forma.
Dessa forma considero que houve apenas um arco completo.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
*Revisei e vou anexar abaixo o texto atualizado, depois das observações.
– O narrador contar que ela é pistoleira foi meio seco demais, assim como contar o óbvio: “matar o Brum era sua missão”.
– O segundo parágrafo inteiro é exposição gratuita.
– Em “Sarah não tinha família”, começa uma mega exposição de novo.
– O amigo de Sarah inserido do nada pra cuidar da Anna soa forçado, tirado do bolso.
– O “Infelizmente” enfraquece a situação do rapaz mudando de ideia.
– “Estava bastante tenso” – a frase ficou ambígua.
– Foi no parágrafo “Enquanto estava indeciso” que eu entendi o que está estranho no conto, em geral: o narrador é tão impessoal que faz o texto parecer um relato de noticiário.
– A passagem secreta foi mais um recurso tirado do bolso.
– Ela tinha a glock na mão, mas não em punho?
– Várias falas não precisavam de marcadores.
PLOT: A história não é grande coisa, com reviravoltas que não causam nenhuma sensação. Mas o pior é que as coisas que acontecem soam artificiais.
EXECUÇÃO: A descrição das cenas é pouco verossímil; a estrutura não consegue entregar os eventos na melhor sequência possível; os personagens não estão bem construídos, porque tudo é simplesmente entregue.
ESCRITA: Arrumei pouca coisa de pontuação; o vocabulário se repete algumas vezes, mas nada muito tenso.
ESTILO: O narrador é péssimo: impessoal, sem estilo, genérico, parece um robô; não há muitas figuras de linguagem, nem elabora muito os fraseados. O texto não tem preocupações estéticas.
DESAFIO: Os personagens com arcos que me parecem completos são a Anna e a Sarah. Acho difícil dizer que os outros têm arco fechado, hein?
TEXTO REVISADO
O sol ainda não havia nascido quando Anna estacionou sua moto em frente à farmácia deserta. Mais uma vez, ela estava atrasada. Devido a isso, o Sr. Brum, seu chefe, veio ao seu encontro, furioso. Mas não teve tempo de falar nada. Anna desferiu-lhe um único tiro na cabeça. Brum caiu e o sangue escorreu, tingindo o chão ao redor.
Anna era uma pistoleira. Matar o velho Brum era parte da sua missão. Por isso, estava havia algum tempo trabalhando ali, infiltrada, estudando os passos do seu alvo, esperando a melhor oportunidade. E aquele lhe pareceu o momento propício, além de já estar de saco cheio dele.
Logo a seguir, em frações de segundos e antes que pudesse reagir, Anna ouviu um estampido metálico e seco, de tiros ecoando por trás. Foi a sua última lembrança antes de ser atingida pelos disparos e apagar.
Ao recuperar a consciência, Anna se viu nos fundos da loja, ao lado de Sarah, outra funcionária, cuidando dos seus ferimentos. A colega de trabalho que estava na área de funcionários quando o tiroteio aconteceu. Resgatar Sarah era a outra parte da missão, mas agora os papéis se invertiam.
Sarah não tinha família — nenhuma que ela lembrasse, pelo menos. Cresceu nas ruas, mendigando para sobreviver. Quase tudo ficava com seu antigo dono que, quando decidiu que a menina havia crescido demais, a vendeu para o Sr. Brum, que esperava lucrar revendendo-a para quem pagasse mais. Enquanto Brum não encontrava um comprador adequado, a jovem realizava todo tipo de trabalho na drogaria, o que lhe garantiu um certo conhecimento em fármacos que, agora, poderia significar a salvação de Anna.
Depois de algum tempo, as duas foram para o salão da farmácia, onde tudo ocorreu. As portas estavam fechadas, Sarah se encarregou disso antes que o primeiro cliente pudesse entrar. Era um problema a menos, mas Brum havia desaparecido. Havia um rastro de sangue de onde o velho caíra até a saída lateral da farmácia.
Era a primeira vez em muito tempo que Anna vacilava e talvez estivesse ficando velha demais para tudo aquilo. Suas conjecturas foram interrompidas pela reabertura dos ferimentos. Sarah a sentou no chão e a pôs encostada no balcão. Precisava buscar mais medicamento em uma filial vizinha, uma vez que o que tinha ali acabara. Assim foi, não sem antes pedir a um amigo para ficar cuidando de Anna, sem lhe dar maiores detalhes.
Sam era um rapaz gentil e inocente; trabalhava sozinho como mecânico em uma oficina herdada dos pais, do lado da farmácia. Tinha uma paixão secreta por Sarah, que parecia ser secreta apenas para a garota, pois todos da região já sabiam. Como todo jovem apaixonado, aceitou o pedido para cuidar de Anna, mas pensou duas vezes quando entrou e viu sangue por todo lado. Sarah já tinha ido quando cogitou mudar de ideia.
Anna se perguntava o motivo de Sarah fazer tudo aquilo para ajudar. Afinal, a pistoleira não havia contado à jovem que estava ali para resgatá-la. Mal se conheciam e, no pouco tempo que trabalharam juntas, quase nunca se falavam. Se questionava também sobre quem poderia tê-la alvejado pelas costas e, mais perturbador ainda, o porquê do atirador não ter terminado o serviço. E ainda tinha Sam, que agora também estava envolvido sem ter nada a ver com a situação. De fato, se o pedido não tivesse partido de Sarah, já teria avisado à polícia.
Enquanto estava indeciso sobre se deveria ou não acionar as autoridades, Sam avistou nas câmeras de segurança do estabelecimento cinco encapuzados prestes a arrombar a porta dos fundos. O jovem ficou desesperado e coube a Anna, quase desmaiada, acalmá-lo. Quando os arrombadores adentraram o local, os dois já estavam na oficina, através de uma passagem que apenas Sam conhecia. Mas não adiantou muito.
Quando chegaram do outro lado da passagem, um sexto sujeito de balaclava já estava à espera dos dois, com um revólver em punho. Anna estava com a sua Glock, mas estava em desvantagem, pois não a tinha em punho.
Quando o inimigo atirou, Sam conseguiu apenas empurrar a pistoleira, que caiu e acabou largando a arma. O mecânico caiu, alvejado por vários tiros, e o homem de capuz se voltou para Anna, caída ao chão. Ela, por sua vez, sabia que era inútil tentar alcançar a sua pistola.
O fim parecia certo, mas, nos últimos instantes, Sam levantou e pegou a primeira ferramenta que viu pela frente.
Anna ainda estava no chão, de onde via o seu algoz tal qual um gigante. Porém, atrás dele, surgia Sam, colossal, erguendo sobre sua cabeça um martelo que parecia ser maior ainda. Utilizava as duas mãos; era monstruoso. Era como se toda a sua doçura e gentileza tivessem se esvaído e dado lugar à pura selvageria.
O encapuzado muito provavelmente morreu no primeiro golpe, mas Sam continuou, até não sobrar mais nada. E não pararia tão cedo, se Anna não interviesse. Ao saírem da oficina, um carro preto parou e um velho conhecido mandou que entrassem. Após desmaiar quase que instantaneamente no carro, Anna despertou em um leito de hospital.
Ela não tinha a menor ideia de quanto tempo havia se passado. Ao seu lado, estava Lucas, o motorista. Assim como Anna, ele também era um pistoleiro. Os dois trabalharam juntos algumas vezes e estiveram em lados opostos mais vezes ainda. Chegaram a ter um relacionamento, que acabou tão bem quanto algo entre duas pessoas desse ramo pode acabar.
Lucas se aproximou de Anna como se fosse falar alguma coisa, mas, antes que pudesse começar, ela o interrompeu:
— Eu sei que foi você quem tentou me matar mais cedo — disse Anna.
— Como? — perguntou Lucas.
— O estampido metálico de uma M1911 é inconfundível e só você usa uma coisa dessas hoje em dia.
Lucas sorriu. Anna não mudara em nada desde a última vez.
— Você estava de costas, só fui saber que era você quando me aproximei. A propósito, lembra daquela dívida? Considere-a paga. Eu pedi para aquela menina, Sarah, cuidar de você. Não podia te tirar de lá naquela hora, pois estava sendo vigiado pelas mesmas pessoas que me contrataram.
Anna sabia o que isso significava. Um pistoleiro, quando aceita uma missão, não pode voltar atrás. Era o fim de Lucas. Ele, de fato, tinha uma dívida com Anna, mas a saldou com ouro, quando o combinado era bronze. Anna não faria o mesmo por ele.
— E quem te contratou? — perguntou a pistoleira.
— As mesmas pessoas que te contrataram
— A senadora? — indagou Anna.
— Isso — disse Lucas, mexendo no celular.
— Queima de arquivo?
— Correto. Ordens de cima, procedimento de praxe.
— E o garoto?
— Desculpe, ele não resistiu.
— E Sarah? — perguntou Anna.
— Ela estava desaparecida, mas acabei de receber informações sobre seu paradeiro. Eu ainda estou no jogo; o nosso contratante acredita que está tudo correndo conforme o plano e que você está morta. Não se preocupe, vou trazê-la de volta.
— Eu vou com você.
— Nem pensar! Você vai ficar aqui e se recuperar. Já acertei tudo com o hospital, mas deixei claro que era para liberar você apenas quando estivesse de alta completa.
Lucas saiu, deixando Anna sozinha com os seus pensamentos. Ela não podia deixar de imaginar o que aconteceria se não tivesse tentado matar Brum logo naquele dia. E se tivesse esperado mais um pouco? E se tivesse tentado assassiná-lo antes? Provavelmente Sam ainda estivesse vivo, talvez Sarah estivesse fora de perigo.
Sair do hospital sem ser percebida não foi a tarefa mais difícil do mundo para Anna. Do lado de fora, o velho Brum, em pessoa, estava à sua espera, com um curativo enorme na cabeça, onde a bala ainda estava alojada.
Ao avistá-lo, a pistoleira correu para sacar a arma, ao passo que o segurança de Brum fez o mesmo, quase que mimetizando seus movimentos. O velho interveio alegando não haver motivos para aquilo, que a missão de Anna já tinha ido por água abaixo e que não tinham motivos para se matar.
Brum decidiu dar o primeiro passo fazendo com que o segurança guardasse a arma. Ele explicou que Sarah tinha sido sequestrada por um poderoso magnata que iria comprá-la, mas que, no meio da confusão, decidiu simplesmente raptá-la sem pagar nada. O velho, que poderia até perdoar um tiro na cara, mas nunca um calote, queria agora que Anna ensinasse uma lição ao magnata e se ofereceu, inclusive, para levá-la até a mansão onde Sarah estava sendo mantida refém.
Anna, sem muita opção, concordou e entrou no carro, acompanhada pelo segurança, que a vigiava de perto, temendo qualquer movimento brusco. Foi levada para fora dos limites da cidade, até a maior mansão que já viu. Ao sair do carro, ponderou se realmente era uma boa ideia deixar Brum viver, mas chegou à conclusão de que não tinha tempo para isso.
Os portões de ferro forjado estavam entreabertos. O caminho de paralelepípedos ladeado por fileiras de ciprestes estava pavimentado com os corpos dos seguranças. Ao passar pelos jardins e se aproximar da entrada principal, ela notou uma música vinda de dentro. Era uma balada dos anos 50 ou 60, romântica, suave e com letras emotivas.
Ao adentrar a mansão, Anna vasculhou o lugar, passando pelo hall de entrada, pela sala de estar, biblioteca e salão nobre, encontrando mais alguns seguranças mortos pelo caminho, até chegar na cozinha e se deparar com Lucas, alvejado por diversos tiros, agonizando.
Subiu as escadas, de onde a música parecia estar vindo. Agora estava em um corredor gigantesco com uma infinidade de cômodos. Após algum tempo, parou em um quarto totalmente rosa. Algo a fazia pensar que aquele quarto tinha sido feito especialmente para Sarah. Ao pé da cama, estava o magnata morto. Sua jugular estava cortada. Diferente dos outros cadáveres, este não parecia ter sido obra de Lucas. Anna sabia que o seu ex-companheiro não era capaz de cortar nem mesmo uma cebola.
Após andar mais um pouco, Anna chegou na sala de jantar. A mesa nada modesta estava farta. Sobre ela, repousava uma toalha de linho branco. A iluminação das velas e da lareira completavam o ambiente. Sarah estava sentada, sozinha, em um vestido angelicamente deslumbrante adornado com detalhes em renda que se entrelaçavam ao longo do tecido.
A jovem não tinha um arranhão, embora estivesse coberta de sangue, principalmente nas mãos, as quais utilizava para terminar lentamente o jantar. Os talheres estavam intactos: à direita do prato estava a faca, com o fio virado para fora; à esquerda, o garfo, com os dentes voltados para cima. Na borda da mesa havia um estilete, pingando sangue.
Sarah olhou para Anna e sorriu, como quem quisesse dizer que estava tudo bem. Anna se deteve e não passou da porta. Mais uma vez, ela estava atrasada.