As coisas não estavam indo muito bem no cenário geopolítico. Sistemas econômicos em crise, presidentes populistas no poder, rumores de guerra e um futuro incerto assombrava aquela geração.
…
Eram férias de verão. Tina já tinha terminado suas tarefas domésticas, e resolveu sentar-se um pouco nos degraus da frente de sua casa para tomar um ar.
Foi quando viu um belo rapaz passar, gentil, com um andar de alguém seguro e que ajudava sua mãe com as sacolas de compras.
Nunca o tinha visto antes por ali, devia ser novo no bairro, e ficou sabendo que ambos eram mãe e filho, porque escutava a conversa entre eles.
Tina se lembrou das palavras que sua avó sempre lhe dizia: “Quer conhecer um rapaz? Veja a forma como ele trata sua mãe”. Isso foi tão automático e tão quase aleatório em sua mente, que ficou intrigada com seus próprios pensamentos.
Dali em diante, muitas vezes, se pegava pensando no rapaz. Curiosa para saber onde ele morava, passava pelas ruas e avenidas tentando adivinhar qual era a sua casa.
Chegando o final das férias antes de iniciar o ano letivo, Tina foi aproveitar no culto da mocidade de uma igrejinha tradicional que ela frequentava.
Alguém sentou ao seu lado bem enquanto o líder da juventude orava para iniciar a pregação.
“Quem é?”, pensou enquanto estava de olhos fechados, e sentindo uma presença se aproximar, abriu os olhos e se deparou com o mesmo rapaz que passou em frente a sua casa ajudando a mãe com as escolas, algumas semanas antes.
Se cumprimentaram apenas acenando a cabeça. Nada além disso.
Depois de uma manhã dominical, Tina pegou o seu caderno de anotações e começou a registrar o que escutou na igreja: “De tudo o que se deve guardar, guarde o seu coração”, “O coração humano é enganoso”, “As emoções podem aprisionar, mas a verdade liberta” (e tais palavras foi o início de uma semeadura que transformaria a inteligente garota em uma forte mulher. Desde nova, Tina começou a entender coisas na vida que pessoas mais velhas, mesmo levando uma vida inteira, nunca entenderiam).
E ainda acrescentou: “Eu não quero um amor de apenas uma estação. Quero um amor resiliente, capaz de resistir a crueldade do frio, de sobreviver ao sol escaldante do deserto, de se refazer quando as folhas caem e de trazer cura à terra estéril”.
Essas palavras autorais não eram sobre laços familiares ou de amizades, mas, além disso. Revelavam muito do seu caráter.
Enquanto andava pela mercearia depois do terceiro dia de aula, para sua surpresa, encontrou o mesmo rapaz, que era três anos mais velho do que ela e já tinha terminado os estudos básicos.
Ele a cumprimentou e continuou o seu caminho.
Tina comprou o que tinha que comprar e voltou para casa. As sacolas estavam pesadas, dava para se perceber quando se passava por ela. Mas, para sua surpresa, o rapaz surgiu do nada. Ofereceu ajuda, ela ficou resistente a princípio, pois não queria dar o braço a torcer, tentando mostrar que aguentava cumprir sua tarefa sozinha. Ele foi mais teimoso do que ela, percebia pelas caras e bocas que precisava de uma força. Ele ajudando carregar as sacolas com toda gentileza, e ela só conseguia lembrar do que veio à sua mente quando o viu a primeira vez: “Quer conhecer um rapaz? Veja a forma como ele trata sua mãe”. E ali, se iniciou um encontro de almas.
Os dias foram se passando, os meses, e a cada momento que viviam juntos, a cada ida até a padaria, a cada caminhada pelo calçadão da praia, a cada pôr do sol, a cada instante que ficavam calados sentados um ao lado do outro, um amor sincero e genuíno nascia e amadurecia entre eles.
As trocas de cartas, as canções que se dedicavam, as risadas que provocavam, tudo isso era apenas o fruto de uma paixão misturada com a escolha diária que faziam para um estar ao lado do outro.
Projetos futuros, conversas sobre filhos, planejamento de casamento, uma casa no interior e uma outra em frente a praia. O que fariam no próximo final de semana, quem escolheria o próximo passeio, e simples palavras de afirmação, não podiam faltar esses assuntos em suas conversas. E muitas vezes um olhar, apenas um olhar puro, sincero e intenso. Era como se duas almas se conhecessem tão verdadeiramente, a ponto de palavras não conseguirem descrever o que aquilo significava. Era mágico e sublime ao mesmo tempo.
Parecia que aquilo nunca iria acabar, era eterno. Era como estar no paraíso, caminhando sobre nuvens feitas de algodão. Era suave e leve, era sincero e genuíno. As portas celestiais tinham sido abertas para eles, e mesmo sendo tão novos, o amor se manifestava palpável para ambos. Mas, como nada dura para sempre, e o de repente bate em nossa porta, ele bateu justamente naquela hora e lugar.
…
Sete horas da manhã de um domingo, que deveria ser um domingo tranquilo e o dia de Tina e seu amado passarem juntos, todos acordaram assustados com a notícia de que o país estava entrando em guerra. Uma guerra mundial.
Os reservistas deveriam se apresentar na base do quartel da sua cidade o mais rápido possível. Estavam sendo convocados.
A moça deu um salto da cama, como quem não pode perder mais um minuto para resolver um problema. Pegou suas coisas, escovou os dentes, arrumou o cabelo e colocou a primeira roupa que encontrou e foi até a casa do seu rapaz.
Ele se assustou com tantas batidas na porta, batidas desesperadas, pensando que era a polícia vindo o buscar, mas não, estava enganado e aliviado ao mesmo tempo. Era Tina que não sabia o que fazer.
Quando ele a viu ali, parada, inerte, com lágrimas nos olhos, sem saber o que fazer, ele a abraçou, e ela desabou em seus braços.
“Vai ficar tudo bem. A guerra vai acabar, nós iremos vencer, e eu voltarei para casa, e ficaremos juntos para sempre… Vai ficar tudo bem… vai ficar tudo bem”. Era o que ele repetia tantas vezes para ela, enquanto ela chorava muito.
Ele tentava encontrar as melhores palavras para consolar o coração de sua garota, mas era como se nada do que ele dizia resolvesse alguma coisa.
Ficaram em silêncio por algum instante, enquanto ele passava as mãos em seus cabelos que estavam encostados no peito dele. E ela olhou em seus olhos e disse:;
“Você promete?”
“O que, meu bem?”
“Que vai ficar tudo bem? E que um dia você vai voltar para ficarmos juntos?”
“Prometo! Você tem minha palavra.” Respondeu ele com o coração temeroso.
Chegou o dia de sua partida. O dia de ir para a guerra.
Toda a sua família o acompanhava e, sua garota, mais uma vez, enterrava a cabeça no peito do rapaz, querendo que aquele momento congelasse no tempo.
“Tenho que ir. Está na hora”.
O abraço que deram um no outro foi a primeira dor dilacerante que sentiram na vida. As palavras não saíram, um nó na garganta, as muitas lágrimas falaram por si.
Ele tentava ser forte para tranquilizar a todos, mas seus olhos diziam algo que o coração temia. Disse as seguintes palavras: Eu amo a todos vocês. Vamos nos falando por cartas. (Ah, o adeus, é a maior tragédia que a humanidade já pôde experimentar).
Passou-se um mês, e as cartas do soldado setenta e nove chegavam para sua namorada e para sua família, e as cartas da sua família e da sua namorada chegavam para ele.
Dos dois lados da realidade se contavam sobre o dia-a-dia, os dilemas, as dificuldades, as experiências. Falavam sobre Deus, sobre a importância da fé nos momentos difíceis, e como a própria fé é a responsável em levar pessoas à sobrevivência nos momentos mais frágeis da vida.
No segundo mês, seguiu-se o mesmo curso, as mesmas idas e vindas, as mesmas trocas de palavras e fotos envoltas dos papéis e envelopes. As mesmas esperanças e medos, certezas, que a fé depositava naqueles corações, misturadas com a incerteza de um futuro que não conheciam.
Quando, mais uma vez, o de repente bate à porta.
No início do terceiro mês, pararam de receber as cartas do soldado. Buscaram ter os pensamentos mais positivos possíveis. Talvez, ele deveria estar cheio de serviço para realizar, ou estava sem papel e sem caneta para escrever e responder suas cartas, ou dera problema nos correios, mas, logo, voltaria a dar sinal de vida.
Mas, o destino tinha outros planos, e Deus sabia o que estava fazendo. Em uma manhã de quarta-feira, no início da segunda quinzena do terceiro mês, a família recebeu uma correspondência contendo as seguintes poucas palavras:
“O soldado setenta e nove morreu em fronte de batalha. Lutou como um bravo guerreiro para defender sua pátria e sua família. Ele merece toda honra possível. Que descanse em paz”
…
“Você me prometeu que voltaria. Você me prometeu um pra sempre. Mas, enquanto o sempre existir, você será o meu eterno amor”, disse Tina, anestesiada por toda a dor que sentia. E continuou a falar enquanto todos tinham a sua atenção naquele enterro do soldado setenta e nove: “Você é o meu amor resiliente. O amor que irá durar durante as quatro estações do meu viver. Te olharei nos olhos todos os dias, e os seus olhos nos meus. Você será sempre uma parte de mim”.
Mas os dias nunca mais seriam os mesmos para Tina, a Marta Matarazzo.
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