Por entre as verdes montanhas e vastos picos, surgia o canto fúnebre das aves; d’um lado, havia os bem-te-vis saudando o sol e levando a esperança aos vivos; do outro, corvos portando o alvitre ébrio do Caronte. Também cantavam os tucanos, melodias de tenores e sopranos, para honrar o quadro da vida com belas e sublimes cores. Araras e carcarás fofocavam por entre as árvores tudo que pobr’alma havia sofrido enquanto os periquitos escutavam atentamente aquela melancólica melodia marcando o fim de sua vida.
Em tal floresta viscosa e mucosa, idosa e olhosa, surgiam não só os pássaros para observar o arredar do momento de amar; pequenos roedores espreitavam o sofrimento de perto e aguardavam a chegada do momento terno; os veados não suportavam ver essa cena e para outra peça foram fazer encena. Até mesmo das toupeiras, a tragédia atenção tomou, pois, sua laboriosa cantoria para cavar havia sido substituída por uma baixa canção de ninar.
Por entre os galhos e ramas, podia ver-se uma pequena cabana, onde Ivana havia padecido; grave era sua doença e mais grave ainda estava seu marido: não esperava ele, tão novo, ter de passar por momento tão sofrido. Grande seria sua sorte se não houvesse amanhecido. Ivana já não andava nem falava; seu medo era grande e seu frio nem mesmo a lareira abrasava. O fim estava mais próximo a cada instante; mesmo assim, seu sofrimento era incessante; por entre o canto dos pássaros, havia vindo e por entre a mesma melodia teria fim infindo.
Por entre a dor e o sofrimento, Alviro não tinha solução; sua amada iria morrer, e do fim não há devolução — a única mulher que havia amado em todo seu caminhar sumiria antes mesmo do luar.
— Ó amada mulher! Ao ventre do destino jogo-lhe, pois, o fim aproxima-lhe; que o pai de todas as criaturas te leve a uma morte tranquila e livre de pecados. Aguarde por mim na eternidade, minha amada, pois lá novamente nos encontraremos e infinitamente amaremos.
Agora sozinho, Alviro enterrou sua amada e fez de sua pequena cabana sua última morada. Partiu sob o canto dos corvos, pois a floresta dos sonhos já não podia suportar, e os animais que lhe faziam companhia suas dores não podiam acalentar. Agora, não tinha mais onde morar; por entre o mundo e seus louvores havia de achar um novo lar.
Sua melancolia levou-o a um pequeno rio, onde seus pés o levaram e seus olhos se assentaram. Naquela noite de luar, sua dor não o permitia descansar e suas lágrimas desperdiçadas, como ele, buscariam novo caminho pelo mar.
Enfim descansou, mas o tormento não parou; seus sonhos levantaram em profundos louvores pelos abismos de sua mente e lamentosa lente; surgiram vários horrores em muitas formas, luas e gente. O pouco de sono que conseguiu, campo dos pesadelos se fez, e ao alvorecer de mais um dia acordava, outra vez, o sonho que desfez. Seria ele capaz de amar mais uma vez ou teria sua amada uma alma coroada; entre a vida e a morte, ele não via sorte; sabia que na terra não havia sofrimento mais forte.
Solitário e desgraçado, Alviro já não tinha coisa alguma, e sua tragédia se fazia sonora por entre os passos pausados em rumo à busca de um passado sem futuro, onde sua felicidade romântica podia ser eterna com o fantasma de Ivana, mas o beijo da morte é inevitável e nenhuma alma pode escapar do seu toque frio e possessivo.
Sabendo que seu destino era uma dor insuportável, Alviro usou suas habilidades de carpinteiro para dar rumo à sua última obra, um pequeno bote que seria sua última chance do raiar da esperança ou do inefável sepulcro.
Ao terceiro luar desde a morte de sua esposa, Alviro deu fim à sua última criação; seu bote não merecia nome, pois sua última esperança era passar a eternidade com seu amor diante da morte que o aguardava ao oceano explorar com seu bote.
Lenta e certamente, Alviro atirou-se aos anátemas do destino e jogou sua vida aos ventos e correntes do vasto mar. A história da morte de Ivana viajava mais rápido pelos ares do que pelos ardores de Alviro, e os corvos se encarregaram de levar as notícias às gaivotas, as amantes da prosa nos mares.
Uma delas cantou:
Por entre oceanos agora anda
Por entre memórias alvitre nada
Tua mente vem desalmada
Procurando vestígios de tua amada
Aqui fará-te bem o fim
Falange eterna enfim
Aguarde, pois, sua esposa não achará
E sofrimento eterno não tardará a chegar.
Alviro já não se importava com seu destino; estava imerso em sua felicidade passada e, em breve, estaria imerso na sua eterna morada.
Balila, a sereia, aproveitando do sofrimento do marinheiro, cantou com sua suave voz:
Vem por cá, perdido se fez,
Deixa-te levar pelos mares da infindez,
Busca a mim e acha amor outra vez,
Por cá posso-lhe mostrar a beleza das moiras,
Permite-me acariciar tua carne com minhas preces loiras,
Levo-te por cá e para sempre procurará o lá,
Onde havia jazigo de esperança e não o vão de teus apegos,
E onde não perfurava-te a lança forjada do ferro e de teus profanos erros.
Seguiu ele a voz. A promessa de um novo amor lhe soava tão doce quanto o fruto primordial; e seu espírito, destruído, levou-se pelas promessas perfídias da língua bifurcada da maléfica Balila.
Balila não tardou por se aproveitar de seu último erro e transformou-o em mais um espírito vagante de seus recifes, onde seria atormentado pela eternidade e seria pungido por todos os seus anos perdidos.
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4 avaliações encontradas.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Parece-me um texto poético, escrito para ser poético, que se mostra com o tema de amor ao fundo, apenas como desculpa para poder ser poético.
Tem um enredo com uma certa criatividade, o conto está bem escrito e a ideia foi bem executada, com estilo coerente. Mas é um conto de amor? Ele amava a esposa? E a sereia foi uma paixão? Fiquei com a impressão de ser um conto mais próximo de tristeza e paixão, do que de amor.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
#De um lado, os bem-te-vis saudando o sol e levando a esperança aos vivos; ao outro, …
CORREÇÃO: De um lado, os bem-te-vis saudando o sol e levando a esperança aos vivos; do* outro,
#waltz
SUGESTÃO: se é o uso de uma palavra estrangeira, use algum destaque (itálico, de preferência).
Quanto aos demais erros gramaticais, vou me valer da análise do Lucas. Não são suficientes para considerar uma penalização ao escritor. Escreve bem, parece ter um domínio adequado do vernáculo. Estou analisando o texto revisado. Portanto, não é justo penalizar pelo que me é apresentado.
Já em relação ao estilo, preciso dividir a análise em dois aspectos. Quanto à linguagem excessivamente poética, não me sinto capacidade a analisar. Não conheço a técnica, a dificuldade e o propósito. Porém, sou um leitor, e se há propósito, ele deve ser para quem lê (no mínimo). E, há uma musicalidade agradável. A prosa poética tem lá seu valor estético. Mas é, também, justamente a minha crítica. Ela conta pouco. Ela enfeita uma história que não é contada, e demora-se no que não é necessário. Um roteiro simples pode ser poetizado para ressaltar a emoção, a beleza, o drama. Mas se não se demora nisso, torna o desenvolvimento prejudicado. Portanto, o próprio estilo reflete na execução.
Eu, como um confesso não fá da poesia, vejo no texto uma desculpa para poetizar. Não só há poesia expressa nas linhas, como há rimas em grande parte do texto. E elas não me agradam enquanto no propósito de contar a história. Têm seu valor, seu lugar, mas na prosa não me agradam. Não por isso, seria justo tirar muitos pontos do estilo.
E quanto ao desafio: qual é a história de amor sendo contada? Eu vejo o desfecho da história de amor, não a história de amor em si. O homem perde sua esposa, fica biruleibe e vai pro mar. Acaba morrendo por conta de uma sereia loira. Veja que, nesse aspecto, o plot e o desafio são relacionados. Há, claro, uma história de amor que é levemente tocada. Mas Não se conta nada sobre o amor aqui. O amor não foi construído ou vivido. Ele é remanescente e dá efeitos em uma alma que sente a dor da perda. Parece-me um tema diferente.
Análise em 26/02/2025
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Vou comentar enquanto leio.
Pus vírgula depois de: “vastos picos”; “toupeiras”; “galhos e ramas”; “esperava ele”; “tão novo”; “mesmo assim”; “canto dos pássaros”; “o canto dos corvos”; “Agora”; “um pequeno rio”; “a vida e a morte”; “sem futuro”; “merecia nome”; “Lenta e certamente”; “em breve”; “de seus recifes”
Ponto e vírgula depois de: “esperança aos vivos”; “momento de amar”; “nem falava”; “cada instante”; “lamentosa lente”; “não via sorte”;
Ponto depois de: “fazer encena”; “tão sofrido”; “podiam acalentar”; “Seguiu ele a voz”;
Troquei:
surgiam / surgia
haviam / havia
Demora um pouco pra ter alguma coisa da história. Os dois longos primeiros parágrafos são bonitos, mas não têm nada da trama ou dos personagens. Ou seja, estão sobrando.
BORA LÁ:
Plot: É difícil fazer bons plots de amor; este aqui é bom. Apesar de eu reconhecê-lo como bom, passa longe do meu gosto. Não sei o que fazer ainda.
Escrita: Bastante correção na pontuação. Bons neologismos.
Execução: Há uma boa construção do personagem, mas o texto perde muito tempo com as construções poéticas, muitas delas sem motivo.
Estilo: Muitas boas aliterações e rimas. O texto é bem estiloso e combina com a proposta.
Desafio: Cumpre bem até demais, 10 de 10.
Os problemas com as pontuações e o meu gosto pelo plot vão dar uma prejudicada na nota. :/
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Uma parábola muito legal, cheia de metáforas musicais. Porém eu não sei se a lição está coerente com o texto, afinal, Alviro (ou seria Arvélio?) só se aproximou da sereia depois que a sua amada havia morrido. Eu não chamaria essa aproximação de falso amor.