Enquanto o lençol – que parecia radiante, de tão branco – flutuava lentamente vindo em minha direção, eu só conseguia pensar em quão ridícula e irônica era toda essa situação. Logo eu, tão cético que nunca acreditei nem sequer em propagandas de televisão, sendo simultaneamente confrontado não só com a realidade da existência de fantasmas, mas também com quão estereotípica ela era.
Em algum outro tipo de história, esse seria o momento em que o protagonista sacaria seu rifle ectoplásmico, ou executaria alguma combinação mística de gestos e palavras fazendo com que uma espada de pura energia arcana surgisse em suas mãos. Talvez, apontaria uma das mãos e correntes reluzentes, como se fossem forjadas da própria luz do sol, brotariam dos dedos extendidos, ou então lançaria mão de algum aparato tecnológico envolvendo física quântica e dimensões paralelas, prendendo o espírito desencarnado e garantindo a vitória.
Qualquer que fosse o enredo hipotético que uma outra história com este início teria, o que de fato aconteceu é que o lençol concluiu seu trajeto, me atravessou e caiu no chão, de onde não se levantou mais. Tudo escureceu, e quando abri os olhos, o mundo mudou.
Três fatos são relevantes para entender o que acabou de acontecer:
O primeiro é que o protagonista desta história não é nenhum mago, feiticeiro ou coisa que o valha. Ele, ou melhor, eu, não sou o escolhido de uma profecia, ou algum tipo de semideus, ou mesmo o tolo que encontrou um artefato mágico há muito perdido e, por isso, herdou uma grande responsabilidade.
O segundo, incidentalmente, é que não sou um gênio científico e não sou, também, algum tipo de super-soldado ou parte de uma organização secreta que enfrenta o mundo sobrenatural às margens da sociedade, patrulhando a metafórica fronteira entre vivos e mortos com tecnologia de ponta.
O terceiro, e, talvez, mais importante fato, é que o fantasma sou eu. O lençol era só um lençol que se desprendeu de algum varal – talvez fugido de algum estúdio onde estavam gravando um comercial de alvejante – e, impelido pelo vento, veio em minha direção.
Talvez eu devesse voltar um pouco no tempo (Não, eu não tenho poderes mágicos) e começar do começo desse derradeiro (Ou talvez não, já que aparentemente há vida após a morte) capítulo da minha existência.
Tudo começou há algumas horas. Para ser mais exato, e seguindo na linha dos clichês, às 6h13 da tarde de uma sexta-feira, 13 de dezembro de 2013. O clima estava atípicamente frio considerando a estação, e eu fui desperatdo de uma soneca diúrna quando o telefone, um sem-fio super tecnológico cujo sinal alcançava a casa toda, tocou.
Como eu estava sozinho em casa, e sabendo que a maioria das ligações naquele número eram destinadas ou à minha mãe, ou ao meu pai, e tomado da típica preguiça que acomete todos os seres humanos de 19 anos, eu não estava nem um pouco afim de levantar do sofá, muito menos de correr pela casa atrás de um papel e caneta para anotar o recado que certamente seria solicitado que eu repassasse. Decidi não atender.
Até aí, tudo normal. O problema é que assim que o telefone terminou de tocar, ele começou a tocar novamente. Ainda tomado pela minha preguiça, e agora com uma certa altivez, decidi que iria ignorar novamente o telefone. Minha decisão se manteve firme na terceira vez que ele tocou, porém na quarta, comecei a reconsiderar.
“Pode ser que a mãe precise que eu vá ao mercado”, pensei comigo mesmo. “Tô com preguiça, mas se eu não atender vai ser o maior auê mais tarde”. Assim que esse pensamento me ocorreu, decidi exercitar a minha parca sabedoria e me levantei para atender ao telefone.
Como a minha vida é (era?) uma piada, no momento em que coloquei as mãos no dispositivo, ele parou de tocar. Fiquei com a mão nele aguardando a ligação subsequente, que eu tinha certeza que viria, mas depois de alguns minutos, desisti e voltei para o sofá. É claro que, assim que me assentei, o telefone tocou novamente.
Irritado, corri, arranquei ele do gancho e atendi, em um tom irritado: “Alô??”. A princípio o telefone parecia estar mudo, mas depois de alguns segundos consegui ouvir, bem distante, uma respiração pesada e ofegante. “É pegadinha??”, perguntei, mais irritado. “tu tu tu tu tu…”. Joguei o telefone de volta na base e resolvi pegar algo para beber na cozinha. Abri a geladeira, peguei um refrigerante e coloquei no copo.
Talvez você já tenha imaginado, mas no momento em que levei o copo à boca, o bendito telefone voltou a tocar. Se eu estivesse menos irritado, teria ficado com um pouco de medo. Como esse pegadista sabia exatamente o momento de ligar para maximizar o meu sofrimento? Será que alguém conseguia me ver dentro de casa, sem o meu conhecimento?
No entanto, eu não estava menos irritado, e esses pensamentos nem me ocorreram. Larguei o copo de qualquer jeito na pia da cozinha e corri até a base do telefone, puxei do gancho e gritei, triunfante: “Vai se ferrar!!”. Imagine, leitor, o quanto eu gelei quando ouvi a voz da minha mãe dizendo “Quando eu chegar em casa, a gente conversa”.
Assustado com a possibilidade da bronca homérica por vir, tomei a pior decisão que poderia ter tomado. Pensei comigo mesmo: “Talvez, se eu estiver fora de casa, ela não se lembre de brigar comigo quando chegar”. Juro que, assim que pensei isso, a porta da sala na qual estava o sofá bateu com força. Esse foi o momento em que eu comecei a me assustar.
Tomei um banho (Frio, pois o chuveiro escolheu queimar assim que a água começou a cair), coloquei uma roupa (Um pouco manchada, já que a colônia pós-barba caiu da prateleira e derramou na minha camisa), peguei os meus fones de ouvido (que estavam inexplicavelmente embolados) e saí de casa.
Vaguei pela cidade por várias horas. Eu acabei de entrar na faculdade, então ainda não tenho nenhuma renda extra que possa ser usada para sair aleatoriamente, sem ocasião. Além disso, não estava muito no pique de ir ao shopping ou algo do tipo. Decidi, quase inconscientemente, caminhar pela cidade, para passar o tempo e esperar a fúria da minha mãe se esfriar.
Foi enquanto estava andando, agora já um pouco desconfiado – Afinal, sempre dizem que sexta-feira 13 dá azar – que ouvi um barulho de pneu cantando. Só tive tempo de ver um caminhão serpenteando pela pista, desviando de um lençol branco e vindo em minha direção. Morri ali mesmo, agonizando no chão após ser atingido por um caminhão. A última coisa que vi foi o lençol, que soprado por algum vento, caía sobre mim.
Enquanto o lençol – que parecia radiante, de tão branco – flutuava lentamente vindo em minha direção, eu só conseguia pensar em quão ridícula e irônica era toda essa situação. Logo eu, tão cético que nunca acreditei nem sequer em propagandas de televisão, sendo simultaneamente confrontado não só com a realidade da existência de fantasmas, mas também com quão estereotípica ela era, mas você já sabe disso.
Foi aqui que nos encontramos pela primeira vez. O lençol me atravessou, o mundo escureceu e etc.
Quando abri os olhos, tomei, pasmem, o maior susto do dia: Eu estava de volta em casa! Olhei para o relógio da parede e ele marcava 6h13. A princípio, achei que tivesse sido um sonho. O fato de que as minhas mãos estavam um pouco mais esbranquiçadas do que o normal, e os vinte centímetros entre os meus pés e o chão com certeza ajudou, porém, o que me convenceu definitivamente de que tudo tinha sido real era o rapaz deitado no sofá da minha sala.
Horrorizado, percebi que o rapaz na verdade era eu mesmo, ainda tirando a soneca diurna. Olhei para o telefone sem fio e percebi que conseguia ver o campo magnético em volta dele. Estendi as mãos e assim que encostei no campo, o telefone começou a tocar. Vi o meu eu do passado acordar e decidi, naquele momento, que iria impedir minha própria morte. Continuei tocando as linhas do campo como se fossem uma harpa, e o telefone continuou tocando até desligar. “Atende, caramba!”, gritei, mas ele pareceu não me ouvir. Toquei novamente, três vezes, até que ele finalmente se levantou e atendeu.
Confesso que o meu plano acabava ali. Assim que ele atendeu, falei “Não sai de casa hoje!!”, mas sem ter certeza que ele estava me ouvindo. Aparentemente não. “É pegadinha?” ele disse, e a vibração da voz dele transmitida pelo telefone perturbou o campo magnético e me arremessou longe. A ligação caiu, e ele foi à cozinha.
Me recuperei do choque e fui tentar novamente, mas nesse momento o telefone voltou a tocar, e, vendo a vibração do campo, decidi não me arriscar. “Ele vai tomar banho, vou desligar o chuveiro”, pensei, e corri/flutuei para o banheiro. Assim que ele entrou no banho, enfiei minhas mãos espectrais no chuveiro e baguncei o campo magnético dele até que ele queimasse, mas o infeliz continuou tomando banho frio.
No quarto, tentei derrubar um perfume e embolar o fone, mas nada que eu fazia parecia ter o efeito que eu queria. Me resignei a tentar salvá-lo na hora, e pelas próximas horas fiquei flutuanto ao lado da minha versão passada. Ele foi se aproximando do local, e, de longe, vi uma senhora extendendo um lençol em um terraço. O lençol era tão, tão branco, que só poderia ser meu algoz.
“É minha oportunidade!” flutuei até à senhora e fiz uma força imensa para tentar aparecer pra ela. Acho que funcionou, mas ela tomou um susto tão grande que soltou o lençol, e ele saiu flutuando em direção ao caminhão que estava virando a esquina e indo em direção ao jovem distraído atravessando a rua. Voei em direção ao lençol, mas quando tentei agarrá-lo, ele só foi jogado um pouco pra longe, bem na direção do para-brisa do caminhão, que desviou do lençol e acertou o jovem. Vi o meu fantasma sair do meu corpo, olhar para cima e ver o lençol atravessá-lo, e tudo escureceu.
Acordei assustado, e meu sonho, que tinha parecido tão vívido, agora já escapulia da minha memória. Naquela desorientação comum de quem acabou de acordar, olhei em volta e parei os olhos no relógio. O barulho do telefone, que me acordou, continuava soando, e o relogio marcava 6h13.
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Avaliações
2 avaliações encontradas.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
SUGESTÕES:
– tirar: “simultaneamente”;
PLOT:
Gostei do plot.
EXECUÇÃO:
– os “3 fatos relevantes” me soaram um pouco redundantes
– o fantasma é excessivamente tonto, pq faz o que já sabia que tinha acontecido e reclama do resultado (como raios ele não percebeu que era tudo culpa dele?)
ESCRITA:
– minúsculo em “(Não,” e “(Ou”; “dizendo “Quando”; (Frio, (Um – Afinal, ‘dia: Eu”;
– sem acento em “atípicamente”;
– desperatdo
– “O problema é que” por “foi que”;
– diúrna
– vírgula em “mãos e assim”
– !!
– , e,
– “É minha oportunidade!”
– sem crase em “até à”
ESTILO:
– muitos períodos longos demais, com muita subordinação, atrapalhando o raciocínio
– “O lençol era só um lençol” não soou bem;
– exclamação em “não tenho poderes mágicos”;
– período ruim: “Talvez eu devesse”;
– “tocar novamente” novamente novamente
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
O plot é muito bom, pois une o paradoxo temporal que causa morte do personagem e entrelaça elementos sutis e interessantes do ponto de vista narrativo que contribuem para o efeito fantasmagórico, ainda que o estilo também cause uma suavização do terror que a trama pode proporcionar por conta disso. A escrita é boa, fluida, mas tem alguns deslizes (nada que uma revisão não possa resolver). No que diz respeito ao cumprimento do desafio, achei extremamente criativo e envolvente.