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A Queda

No 2º andar, aperto o botão dourado chamando o elevador; atrás de mim, o lobby meio vazio cheira a loja de perfume e maresia.

São poucos segundos de espera até a porta igualmente dourada se abrir perante mim e eu entrar vagarosamente no elevador. Sinto que estou meio que aproveitando cada minuto das minhas merecidas férias. 

Sob meus pés, um piso de granito ou mármore — ou qualquer uma dessas pedras chiques — acolhe meus passos sem pretensão.

Viro-me lentamente para apertar o botão que irá me levar ao andar -3 — deve ter algum nome especial, mas ignoro —, um anel vermelho brilha ao redor do botão prateado e só então percebo que há mais gente no elevador.

Olho em volta e vejo que, além das paredes laterais prateadas e a grande janela envidraçada de onde é possível ver o saguão iluminado do navio, há a presença de outras quatro pessoas.

Vou até o vidro. Lá embaixo no saguão principal, vejo uma colmeia de gente indo e vindo; alguns sentados sozinhos, outros conversando, casais aqui e ali. Encosto na  barra de proteção, um cano prateado e grosso, viro-me lentamente, ficando agora de costas para o saguão, quase encostado no vidro.

Digo sem pretensão:

— Bom dia.

E ouço as mesmas duas palavras de todos, meio que num grunhido indiferente.

Ainda vejo a porta se fechando, bem lentamente. No meu lado esquerdo, um senhor de idade, com cabelos ralos e brancos, meio amarelados como acontece com alguns velhinhos, veste suspensórios pretos por cima da camisa branca e segura com cuidado uma bengala funcional de plástico, imitando toscamente madeira.

Ao meu lado direito, longe de mim e perto da porta, há um homem alto, com cabelos pretos abundantes e penteados para trás, pele bronzeada, exalando confiança. Ele se faz acompanhar por duas belas mulheres. Uma delas, uma loira de olhos verdes claros e penetrantes, colar de pérolas brancas, que ela dedilha com seus dedos compridos e bem cuidados; seu vestido preto com um decote insinuante e aberto nas costas não tem como passar despercebido — é curto mas nem tanto, vai até pouco acima do joelho, mas meu olhar segue até os pés envoltos por um salto alto igualmente preto.

Ao lado dela, com um vestido também preto e roçagante, está a outra mulher; meu olhar sobe ao longo do tecido ondulante que se amolda ao corpo escultural, até se encontrar com seus olhos azuis, fatais e insinuantes.

Constrangido, eu viro o olhar e percebo seu sorriso provocativo que funciona como um ímã, mas bem sei que ela pode ser uma Medusa, por isso me forço a não olhar de volta, mesmo querendo muito fazê-lo.

Em vez disso, olho para frente, para as portas prateadas do elevador panorâmico, que em breve hão de se abrir no último andar, no subsolo com outro nome. Agora estamos no térreo. É um elevador lento, assim os turistas podem aproveitar a vista do saguão atrás de mim…

Mas, de repente, um estrondo seguido de um chacoalhão; parece que vou cair no chão e, por isso, seguro com força na barra; sinto a mão da mulher loira tocando meu braço enquanto também tenta não cair.

Os outros três não conseguem se segurar em nada e vão direto pro chão duro de pedra.

Algumas luzes se apagam, estamos agora à meia luz enquanto gritos abafados surgem de todo lado, é o resto do navio que pulsa e grita em desespero — enquanto que aqui no elevador, todos estão em silêncio, parece outro mundo, uma quietude suspensa no ar, como uma calmaria antes de uma tempestade. Será?

Eu ajudo o velho a se levantar, sua respiração está acelerada; ele está muito assustado, treme e está suando bastante. Estamos todos inquietos.

O outro homem aperta o botão para abrir a porta, uma, duas, três vezes, mas nada acontece. Ele aperta outro botão para falar com alguém, mas parece que não há ninguém do outro lado. Ou é isso ou algo simplesmente quebrou.

Percebo, então, que essa meia-luz que estamos agora significa que está tudo
apagado. As luzes do navio despareceram, apenas as luzes de emergência estão funcionando, mas não são tão fortes quanto se poderia imaginar.

O elevador dá um outro tranco, cai mais um pouco rapidamente e para. O
homem, então, começa a bater na porta e depois se aproxima de mim para bater no vidro, talvez na esperança de quebrá-lo. Ouço essas batidas, mas nada passa pela minha cabeça. Quero crer que não é indiferença, mas talvez seja. Depois, ele volta para a porta, bate com seus punhos cerrados usando toda a sua força.

Eu olho para o velho e nós dois sabemos que estamos presos nesse elevador. É uma caixa de aço com um vidro grosso e resistente, não há como sair. Mas quando o homem diz “me ajude aqui!”, eu me aproximo e ajudo. Ele ainda não está preparado para perceber ou entender a situação. As duas mulheres estão esperançosas. Ou eu apenas não tenho coragem de dizer “não”.

— Puxe aqui!

Mas é inútil.

— Empurre ali!

É o mesmo resultado, por isso em algum momento eu me canso e digo:

— Pare, é inútil.

Volto para o vidro enquanto as mulheres começam a reclamar, suas esperanças estão morrendo e se transformando em raiva. O homem olha para mim como se eu fosse um conformado, um fraco, um tolo.

As mulheres começam a gritar, estão com raiva, ódio, sensação de impotência e, não sabem disso ainda, medo. O homem grita com elas de volta, mas não consigo ler qual sentimento passa por sua mente. Então com um novo tranco, o elevador mostra que está “vivo” e começa a descer.

De tranco em tranco, estamos descendo; cada um se segura onde consegue, tentando não cair, até que o último tranco nos joga todos para o chão. Agora é evidente que estamos literalmente no fundo do poço. Ficamos parados ainda mais um pouco, todos no chão amontoados como pedras; me levanto devagar, assim  como os outros tentam fazer o mesmo.

Me aproximo do velho para ajudá-lo a se levantar, mas ele diz com voz cansada:

— Não! Quero ficar um pouco sentado. Deixe-me.

Ajudo a loira a se levantar, o homem ajuda a morena. Nesse momento, algumas luzes se apagam, só uma ainda funciona bem, outra fica no pisca-pisca. Está bem mais escuro agora.

As garotas começam a chorar, enquanto nós, homens, ficamos em silêncio.  

Começo a ouvir um barulho meio distante, mas se aproximando rapidamente; está cada vez mais alto, porém não consigo identificar. Gostaria que as mulheres ficassem em silêncio para que eu pudesse ouvir melhor. Mas não tenho coragem de pedir isso.

O barulho está cada vez mais alto e então percebo que é água. O velho também percebe, mas nada dizemos, enquanto esperamos pelo porvir ouvindo os gritos desesperados das duas moças. Não temos que esperar muito para que a água comece a entrar, pouco a pouco, pelas frestas do elevador.

As mulheres, agora em desespero profundo, começam a gritar e a chorar, tudo ao mesmo tempo e o homem igualmente desesperado volta a bater na porta do elevador usando suas últimas forças.

A água entra devagar, mas o fluxo é constante; agora um espelho d’água cobre o piso de pedra e as mulheres gritam com intensidade em uníssono:

— Façam alguma coisa!

Eu, parado e encostado na barra de metal, tendo o vidro intacto atrás de mim, mostrando agora a parede do fundo do poço, vejo o velho procurando algo nos bolsos e penso que pode ser algum remédio, mas logo vejo que é uma garrafinha de bolso, dessas de metal, que ele abre devagar e começa a beber rapidamente.

E as mulheres continuam gritando, enquanto eu não tenho nada nos bolsos para me servir de alento. O homem se vira para elas e diz elevando o tom:

— Calem a boca! Ninguém aguenta mais!

O velho revira os olhos, ninguém aguenta mais. Ele bebe tudo e solta a garrafinha displicentemente.

A água continua entrando, lenta e constantemente.

E as mulheres continuam gritando.

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Plot Execução Escrita Estilo

É um conto interessante, a quebra de expectativa logo no começo funciona para prender a atenção do leitor, embora o narrador, filho mestiço do realismo e do naturalismo, não seja tão interessante assim. Em todo caso, o plot é bem feito, apresentando a tragédia de maneira rápida, irrefreável e cruel.
A execução, portanto, é interessante, ao menos no que diz respeito ao avanço da trama. É uma história simples e que compreende um breve momento na vida de todas essas pessoas. Como tal, não nos aprofundamos neles e nem tem como ser mesmo. O único problema é o narrador mesmo, que, ao que tudo indica, é um bananão. O próprio velho parece ganhar um certo protagonismo em sua atitude plácida diante da tragédia.
Algumas escolhas de escrita poderiam ser tomadas de forma diferente para deixar a leitura mais clara, por exemplo ao invés de -3, o terceiro andar ou ainda “um pouco menos rapidamente”, que soa estranho e poderia ser substituído por “um pouco menos rápido”. Coisas pequenas, que não atrapalham o andamento dessa história e uma rápida revisão já o corrigiria.
Por fim, o estilo cru e direto da narração me lembrou por vezes narrativas realistas e outras vezes narrativas naturalistas. É uma tragédia sendo contada e essas escolhas estéticas se encaixam bem para criar a atmosfera opressora e desoladora que se instala subitamente neste elevador. Cumpre muito bem o desafio, trazendo, inclusive, uma perspectiva diferente ao que foi escrito.

Plot Execução Escrita Estilo

Cumpriu o desafio, mas com algumas linhas fora do elevador (esse tem sido o padrão). O estilo limpo (que eu gosto) foi prejudicado pela pontuação um pouco descuidada. O plot não chega a ser óbvio (apenas pessoas aflitas trancadas no elevador) por causa do que acontece mais ao final, deixando um pouco mais interessante. A execução é melhor que o plot, mas sofre pela limitação dele na construção de personagem e de subtemas (acho que não tem nenhum, e olha que o Ugo costuma fazer!). Eu não sei ainda como vai ser a minha história pro desafio 10, mas já estou vendo que vai ser difícil superar a limitação de espaço. Abaixo, tudo que observei da escrita que dá pra arrumar e que, em breve (imagino), terá sido revisto. Resolvendo isso aí, eu melhoro a nota da escrita.

Ponto faltando depois de: “vagarosamente no elevador”, “Vou até o vidro”, “estamos no térreo”, “suando bastante”, “do outro lado”, “está tudo
apagado”, “rapidamente e para”, “pela minha cabeça”, “Depois”, “todos para o chão”, “ajuda a morena”, “pisca-pisca”.
Ponto e vírgula faltando depois de “chamando o elevador”, “indo e vindo”, “compridos e bem cuidados”, “está a outra mulher”, “com força na barra”, “está acelerada”, “estamos descendo”, “aproximando rapidamente”.
Vírgulas faltando depois de: “No 2º andar”, “atrás de mim”, “sob meus pés”, “algum nome especial”, “e vejo que”, “no saguão principal”, “No meu lado esquerdo”, “funcional de plástico”, “roçagante”, “Constrangido”, “Em vez disso”, “Mas de repente” (antes e depois de “de repente”), antes e depois de “por isso” em “vou cair no chão e por isso”, “falar com alguém”, antes e depois de “então” em “Percebo então” e “homem então começa”, “essas batidas”, “novo tranco”, “De tranco em tranco”, “a se levantar”, “Nesse momento”, entre “homens” em “enquanto nós homens” , “meio distante”.
Ponto ou ponto e vírgula depois de “chacoalhão”.
Não tem reticências depois de “atrás de mim”.
Sugiro traço depois de: “passar despercebido”, “enquanto que aqui”.
Na sequência da frase “No meu lado esquerdo, um senhor de idade […]”, sugiro tirar o “às vezes”, porque essa expressão exigiria uso de vírgula antes depois pra isolá-la, e isso já no meio de uma oração subordinada, o que ia deixar a frase com tanta vírgula que… enfim. Além disso, já tem “alguns” em seguida, que torna o “às vezes” redundante.
O parágrafo “Ao meu lado direito […]” tem TANTA subordinação que, no final, a gente nem percebe a conexão do “se faz acompanhado” com o resto. Sugiro: “Ao meu lado direito, longe de mim e perto da porta, há um homem alto, com cabelos pretos abundantes e penteados para trás, pele bronzeada, exalando confiança. Ele se faz acompanhar por duas belas mulheres.” (e o restante viria na sequência, assim: “Uma delas, uma mulher […]”).
Próclise em “porta igualmente dourada abrir-se”.
Na frase “Constrangido, eu viro o olhar […]”, tem uma sequência de duas conjunções adversativas com “mas”. Dá uma conferida, não tenho sugestão.
Ênclise em “me viro lentamente”.
Sugestão pra consertar frase ambígua: “Sob meus pés, um piso de granito ou mármore – ou qualquer uma dessas pedras chiques – acolher […]”
Não entendi a construção: “Viro-me lentamente para apertar o botão que irá me levar ao andar – 3, deve ter algum nome especial […]”. Esse 3 aí, pq tá depois do traço?
Sugiro a seguinte estrutura: Mas quando o homem diz “me ajude aqui!”, eu me aproximo e ajudo.
Tem “simplesmente” repetido muito perto uma vez da outra.
No segundo “O homem então”, sugiro tirar o “então”. Também em “Começo então”.
Em “O velho também percebeu”, o tempo verbal deveria ser “percebe”. Em “Ele bebeu tudo” seria “bebe”.
Sugiro trocar a vírgula por “e” em “algo nos bolsos”. Também o “mas” em “mas começa a beber”.
A construção adequada para “A água continua entrando, lentamente e, constantemente” é “lenta e constantemente”.