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A lenda do céu escarlate

Dizem que as velhas lendas são apenas isso, lendas; e os antigos mitos, frutos da imaginação popular. Mas eu desafio você a encarar esta história para além da capacidade humana.

Mais um outono na pequena vila da Colina Velha. O sol já ameaçava o seu descanso em um paradisíaco fim de tarde. Parecia que os deuses visitavam aquele lugar simples, e era como se os céus tocassem a terra num beijo apaixonado. Seu Torcato, um homem de sessenta e tantos anos. Corpo robusto, cabelo comprido e não desbotado pelo tempo, e de uma inteligência que se igualava a um leopardo veloz.

Era um amante das velhas lendas e antigos mitos que compunham as remotas civilizações, e buscava desbravar as mais fascinantes histórias de seu povo, pois sempre dizia que se um homem e se um povo não têm histórias, ambos não têm alma.

Cavalgava ele com sua netinha caçula, a risonha Violeta. Apesar de seu nome ser tão doce e gentil, era de uma bravura incomparável. Depois de travar uma batalha como nos épicos livros dentro do ventre de sua mãe, Violeta nasceu Carolina, mas o seu avô a pegou pelas mãos, levantando-a contra a luz do sol e disse em tom profético: “Seu nome será Violeta, ainda que seja doce e delicada, resistirá aos raios do sol e às tempestades, e sua resiliência será conhecida por todos”. Desde então, tinha em seu coração de forma silenciosa, a missão de preparar sua linhagem para enfrentar o mundo. E uma das formas que encontrou para cumprir seu chamado foi contando histórias durante suas cavalgadas tradicionais.

Enquanto cavalgavam de volta para casa, se misturava com a canção que o vento e as árvores formavam, uma outra canção, quase silenciosa, um tanto misteriosa, e um tanto sutil, que se alguém estivesse distraído, não perceberia, mas como Violeta era de uma alma gêmea a do seu avô, não somente ela, mas ambos perceberam e se entreolharam.

Pararam de frente para uma estrada de uns oitocentos metros, que ficava no coração da Colina Velha. Um lugar rodeado por tantas histórias de um passado distante e misterioso.

Mas, uma coisa era fato, algo intrigava aquele lugar, de uma atmosfera enigmática e, durante todo o outono de todos os anos, os céus que cobriam aquela estrada eram tingidos por um vermelho vívido e escarlate. Turistas e mais turistas eram atraídos com força para reverenciar o tal fenômeno desconhecido.

“Você conhece a história de Ferpa e Berlim, Violeta?.

“Não vovô!”

Parados, ainda montados, mesmo com o cair do dia e ainda o céu escarlate tão vivo e cintilante, Seu Torcato começou a contar uma história para sua netinha. Não temeram a nada, pois eram de almas parecidas.

Em um passado não tão distante e em um lugar nem mesmo qualquer, de uma pequena vila como esta, era o centro cultural das cidades que tinham ao seu redor.

Bardos e cantores, dançarinas e atores, se refugiavam em Paradise, porque era como contemplar o além-mundo, e os que vinham dos quatro cantos, afirmavam: “Eu acho que o paraíso é mais ou menos assim!”.

Uma jovem, filha de imigrantes, era possuidora dos mais belos olhos cor de mel, que só os céus eram capazes de desvendar os segredos que escondia neles. Era a mais fiel amante – no sentido poético da palavra e não no pejorativo – de um belo rapaz, atlético, sedutor e de retórica perfeita e convincente. Muitos o chamavam de o Grego, pois sua beleza era como de um deus. Ambos tinham um sonho que virou ambição: ela de ser uma famosa cantora e ele um famoso bardo, um poeta contador de histórias. Ela, Ferpa, ele, Berlim.

Quando Torcato falou aqueles nomes novamente, foi como uma invocação, o formato de uma mão nada delicada se estabeleceu no céu e logo se dissipou, e a silhueta de uma jovem mulher passou como fumaça entre eles. A princípio Violeta se assustou, mas logo manteve a calma, e seu avô tranquilo estava e tranquilo ficou, já estava acostumado em ver tantas coisas estranhas, pois, sabia, que quando se sai para caminhar na chuva, corre o risco de se molhar.

Por mais que os apaixonados tivessem uma beleza singular, e suas combinações fossem como uma zona perigosa, não tinham ciência do potencial que representavam como dupla. Por conta disso, não tinham destaque nas grandes festas, nos círculos artísticos e naquele centro cultural.

Durante um arrebol de uma tarde de outono, em Paradise, Ferpa e Berlim, caminhavam indignados, cansados do anonimato e com um desejo latente dentro da alma. E a jovem saiu na frente do rapaz, clamando bravamente: “Eu daria tudo para ser uma cantora de sucesso, e ser conhecida nos quatro cantos desta terra!”.

Berlim não entendeu nada daquela atitude da amada, e ficou parado observando Ferpa. E ela disse: “Vamos, grite, expresse o seu desejo, vai que alguém esteja nos escutando”.

Berlim, a princípio, relutou, mas logo entrou na onda e ressoou as mesmas palavras. Nada aconteceu, e voltaram pra casa decepcionados. Mas, da noite para o dia, Ferpa e Berlim ficaram famosos. Em questão de uma semana já estavam ganhando os cenários do mais importante centro cultural que era Paradise. Os seus nomes estavam estampados em revistas, cartazes, e formavam o casal mais requisitado de toda a audiência.

Em uma das festas mais importantes do outono, Ferpa trajava um luxuoso vestido vermelho que enriquecia suas fortes curvas e com decotes nada extravagantes, e Berlim vestia um tradicional terno preto e uma bengala como acessório.

Foram convidados para se juntarem à uma mesa com outros convidados e, enquanto papo vai, papo vem, bebida vai e bebida vem, um homem vestido de um terno totalmente diferenciado preto e de chapéu cartola, deixou um envelope vermelho sobre a mesa, e saiu andando, se perdendo na multidão.

Ao abrir o envelope e ler de forma com sede ao copo, Ferpa se depara com as seguintes palavras:

“Com a chegada do outono,
o cair das flores, das folhas, vem também.
Um pacto foi selado tendo os céus por testemunhas.
Glória, fama e poder brotam como rosas no deserto,
mas daqui a dez anos, durante a mesma estação, as mesmas Glória, fama e poder embora irão!”

Ferpa, começou a rir em alta gargalhada, sendo o centro das atenções por alguns minutos, pois achou tudo aquilo uma tremenda bobagem. Pensou que o bilhete fora escrito por alguém que passava na hora em que ela e Berlim clamaram aquelas afirmações sob os céus.

De repente, Violeta interrompe seu avô:

“Nossa vovô, eu acho que ela não deveria ter dado risada de uma situação como esta. Tenho a leve impressão de que as coisas não vão ficar bem nesta história”, e Torcato balançou a cabeça em sentido de concordância com a neta. Violeta continuou: “Acho melhor a gente ir embora pra casa, vovô, aqui está um clima mais estranho do que o normal”.

A jovem, geralmente, era muito corajosa para qualquer situação, mas ali hesitou.

E o avô respondeu: “Já iremos, estou quase terminando a história”.

Dez anos se passaram…. Mal Torcato começou a falar, quando algo estranho aconteceu: a terra da pequena estrada começou a mudar de cor, imitou ao céu cor de escarlate, ficando de um vermelho vívido também.

Pegadas de pés delicados começaram a se formar, a canção começou a ficar cada vez mais audível e, no tronco das árvores, um formato de dedos.

“Vovô, vamos embora”, falou Violeta com voz de horror.

“Calma, querida, nada vai nos acontecer. Já estou terminando a história”. E Torcato continuou.

Dez anos se passaram, em mais uma estação de outono, enquanto Ferpa e Berlim caminhavam pelo mesmo caminho que clamaram havia dez anos, indignados pelo anonimato, e que dariam tudo em troca de fama e aplausos.

Um sono profundo os tomou, de repente, e caíram no sono ali mesmo, ambos se apoiando na mesma árvore frondosa. Ferpa dormiu de boca aberta e Berlim deitou sobre seu colo. Uma ave preta e agourenta surgiu do mais alto céu. Indo em direção à mulher, arrancou em um ataque a sua língua, que começou a sangrar sem parar. Ferpa acordou com tamanha dor, e ao constatar o ocorrido, um tremendo ódio tomou o seu coração, pois só conseguia pensar que não poderia mais cantar, e toda glória, fama e poder também seriam arrancados de si.

O outro sentimento que se formou em seu coração foi inveja do seu amado, porque os seus dedos ainda continuavam intactos e ele poderia continuar a escrever. Como em um milagre, avistou uma faca pequena, que com ela, arrancou os dedos de quem tanto disse amar. Ambos, tanto ela, quanto ele, perderam muito sangue, e, aos poucos, foram desfalecendo sob o caminho, até que se encontraram sem vida. O pacto que os daria glória, fama e poder, os dariam ostentação momentânea, em troca de algo muito mais caro: suas vidas.

Ferpa e Berlim foram encontrados mortos atirados ao chão. Ela sem a língua, ele sem os dedos, e com os rostos e todo o corpo com a beleza e vida sugadas, como no mais caro assalto.

“Este é o fim da história, Violeta minha”, disse Seu Torcato à sua neta, com uma expressão satisfatória.

Violeta estava com um ar de alguém que acabou de escutar a coisa mais impressionante de toda a sua vida. Ficara com um pouco mais de medo por estar bem ali naquele lugar, mas, ao mesmo tempo, estava tranquila, pois estava acompanhada do homem mais corajoso que conhecia.

Então, montaram no cavalo e começaram a cavalgar pela estrada de oitocentos metros que era caminho para casa. E Seu Torcato disse mais algumas palavras, enquanto iam devagar para apreciar o fenômeno:

“O que não te contei sobre o ocorrido é que, segundo a tradição, todo o pacto e morte de Ferpa e Berlim que ocorreram no mesmo local, foi nesta mesma estrada em que estamos cavalgando, e desde quando Ferpa teve a língua arrancada e cortou os dedos do amado, o céu foi tingido pelo mesmo sangue que tocou a terra, em pleno outono. Por essa razão, sempre quando chega o outono, o céu fica escarlate.”

Violeta continuou firme em seu cavalo, mas parecia não estar ali depois de tudo o que ouviu. Torcato sempre observando sua neta, avistou um casal de mãos dadas, ele sem os dedos e ela com a boca aberta, e sabia quem eram.

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Plot Execução Escrita Estilo Desafio

*Dizem que as velhas lendas são apenas isso, lendas; e os antigos mitos, frutos da imaginação popular. Mas eu desafio você a encarar esta história para além da capacidade humana. *

Não vejo necessidade nenhuma desse parágrafo.

*Seu Torcato, um homem de sessenta e tantos anos. Corpo robusto, *
Entre “anos” e “Corpo” uma vírgula parece servir melhor.
Além disso o resto da frase não tem um verbo e deixou ela deslocada de propósito. Ele vivia ali?

*Violeta nasceu Carolina *
Não entendi. O nome era um, mas foi mudado? Pelo avô?

*“Não vovô!” *
Não, vovô!.

*que só os céus eram capazes de desvendar os segredos que escondia neles. *
Pode tirar o NELES. Fica repetitivo e até redundante.

*tranquilo ficou, já estava acostumado em ver tantas coisas estranhas *
Ponto final depois de “ficou”.

*e suas combinações fossem como uma zona perigosa *
Não entendi o que isso significa.

*Foram convidados para se juntarem à uma mesa com outros convidados *
CONVIDADOS/CONVIDADOS . A repetição do termo causa estranheza. Substitua um, por exemplo, por orientados.
Não há crase aqui, pois o artigo e a preposição estão separados, com o artigo indefinido mencionado.

*um homem vestido de um terno totalmente diferenciado preto*
Esse é um dos exemplos onde a ordem do adjetivo e do advérbio podem influenciar, evitando ambiguidade. O que era diferenciado era o modelo ou a cor? Veja que se usarmos “terno preto totalmente diferenciado” atraímos a característica para o terno, não para a cor.

*Ao abrir o envelope e ler de forma com sede ao copo *
A metáfora exposta causa estranheza por um motivo. Como estão em uma mesa, bebendo, parece uma escolha que leva a outras conclusões. Uma sugestão: “Ao abrir o envelope e ler de forma tão sedenta quanto ia ao copo em sua mão…”

*e Torcato balançou a cabeça em sentido de concordância com a neta. *
Uma observação de estilo: não seria melhor = “…balançou a cabeça concordando.” ?

*A jovem, geralmente, era muito corajosa para qualquer situação, mas ali hesitou. *
A jovem é dita como corajosa desde o início, depois, é dito que ela é parecida com o avô, mas o que é dito e o que é demonstrado destoam. Ela teme DO NADA e muda seu espírito. Talvez, gastar mais algumas palavras na razão que a fez mudar de ânimo sejam essenciais para evitar um plot furado.

*Um sono profundo os tomou, de repente, e caíram no sono ali mesmo *
SONO/SONO. Sugestão: e adormeceram ali mesmo.

*O pacto que os daria glória, fama e poder, os dariam ostentação momentânea, em troca de algo muito mais caro: suas vidas. *
Acho que fica melhor não mencionar o óbvio.

O desfecho de Ferpa e Berlim não é crível. A ave arrancar a língua, sem que ela acordasse? Que sono foi esse que ela não despertou com o bater das assas? Mas, vamos aceitar e ir para o mais improvável: como ela arrancou todos os dedos do amante, sem que ele percebesse? Ele ficou esperando, como alguém esmaltando as unhas?

*O que não te contei sobre o ocorrido é que, segundo a tradição, todo o pacto e morte de Ferpa e Berlim que ocorreram no mesmo local, foi nesta mesma estrada em que estamos cavalgando *
Essa parte é muito óbvia, até mesmo para a criança Violeta. O resto é interessante.

*Torcato sempre observando sua neta, avistou um casal de mãos dadas, ele sem os dedos e ela com a boca aberta, e sabia quem eram. *
Não ficou claro como ele os viu. Ele estava observando a neta e os viu? Talvez tirar essa informação de que ele observava a neta não afeta em nada o desfecho, e ainda dá mais coerência.

Outra coisa importante: qual a razão de mencionar os 800 metros duas vezes. Tem alguma importância que escapou da minha leitura.

CONCLUSÃO

Em termos gramaticais, há pequenos deslizes pelos quais não acho que devo penalizar.
Porém, em termos de estilo, há repetições de palavras, como apontei, mais de uma vez, e escolhas de inversão da ordem direta (sujeito e predicado) diversas vezes. Isso atrapalha a leitura, pois não é uma característica do escritor, já que não faz isso toda vez, torando a técnica arbitrária.
Há também comparações que não fazem sentido para o leitor médio (e que podem ter significado regional, mas não é claro para quem não é da região, como é típico dessas expressões). Algumas metáforas são deslocadas ou descabidas. (e olha que eu gosto de metáforas).
O plot tem furos no seu clímax, mas é uma ideia legal, que pode ser remendada.

Plot Execução Escrita Estilo Desafio

O plot é o conto de uma lenda e a exeução, um tanto previsível. Mas tem muitas descrições boas de ler pelo texto inteiro. O estilo fez diferença e não sobrou (exceto por alguns detalhes). A escrita está boa, com alguns detalhes pra arrumar também. O desafio foi cumprido de forma satisfatória.

OBSERVAÇÕES AO LONGO DA LEITURA (vou tirar tudo que for revisado):

– Eu disse esses dias (em live) que não gosto de contos que começam fazendo referências a si mesmos; este começa assim. Vamos ver.

– É, “bravura incomparável” achei demais. Falou muito, mas não provou o ponto. Ao contrário, mais à frente, quando poderia ter mostrado, aconteceu o seguinte: “A jovem, geralmente, era muito corajosa para qualquer situação, mas ali hesitou.”.
E logo em seguida: “‘Vovô, vamos embora1, falou Violeta com voz de horror”.

– Hei, “algo intrigava aquele lugar”? O lugar estava intrigado? kk

– A explicação sobre “fiel amante” indica que deveria ter escolhido outra palavra ou um contexto melhor pra não precisar explicar.

– “retórica perfeita e convincente” é redundante.

– Achei muito estrana a comparação “uma inteligência que se igualava a um leopardo veloz”. É uma confusão de categorias ou um leopardo veloz é mais inteligente? kk

– Em “situação como esta”, o demonstrativo adequado seria “aquela”, já que ela não participa do evento ou, no máximo, “essa”.

VÍRGULAS
Não tem vírgula aqui: “pois, sabia, que” / “singular, e suas” / “Ferpa e Berlim, caminhavam” / “sucesso, e ser” / “da amada, e ficou” / “aconteceu, e voltaram” / “a mesa, e saiu andando”.

DUAS EXPRESSÕES
Em “enquanto papo vai, papo vem”, a expressão não combina com o tempo verbal da oração, que está no passado (e, sim, eu sei que isso faria com que a expressão ficasse estranha, mas esse é outro problema).

Ficou também muito estranha a adaptação da expressão em “de forma com sede ao copo”.