“Um segredo que a vida tem?
Ser passageiro
e um observador de trem”
Hei, tudo bem?
Te avisaram sobre esta viagem? Não? Vai ser assim mesmo.
Mas vem cá, você não recebeu nenhum e-mail, nenhum direct no Instagram, nenhuma mensagem no WhatsApp, nenhum telegrama, nenhum papiro dentro de uma garrafa, nenhuma pomba branca ou algo do tipo avisando? Não mesmo? Tem certeza? O sistema de comunicação da empresa deve estar com algum defeito. Esses dias ocorreu um probleminha quase da mesma natureza, mas ainda bem que deu tudo certo.
Bem, você ganhou um sorteio. Levante as mãos aos Céus e agradeça, pois os preços são um pouco salgados, são o olho da cara. Entendeu a piadinha? Não? O olho da cara. Que piadinha sem graça. Antigamente as pessoas achavam mais graça nas coisas.
Você tem bastante coisa pra conhecer.
O que foi? Está com uma cara estranha, parece que viu um fantasma.
Diz uma coisa: você passa mal, vomita, toma dramin quando vai viajar de ônibus? Não? Ufa, que notícia ótima, porque esses dias um passageiro vomitou e quase teve um surto, mas no final, deu tudo certo.
Nossa, por que você está sempre com esta cara? Que cara? A cara de quem comeu e não gostou.
Só algumas recomendações sobre a viagem:
Você precisa se agarrar bem firme. Infelizmente na empresa se trabalha ainda com métodos primitivos. Quantas empresas de viagem transcendental têm seus carros próprios para viagens no tempo e no espaço? É inacreditável.
Cada viagem leva cinco minutos colocando em comparação com o relógio dos humanos, mas a sensação é que leva uma vida inteira. Mas relaxa, você não vai morrer.
E por último: tem certeza que não tem problemas com vômito durante trajetos longos? Não mesmo? Olha lá, heim. Se segure firme e acalme o coração.
Morreu? Passa bem? Está respirando? Ufa, ainda bem que aguentou a primeira viagem.
Conhece este lugar? Não? Como assim? Em que mundo você vive? Não assiste filmes, séries, televisão, noticiário ou algo do tipo?
Bem, sabe aquela casa? É de uma família que tem um rapaz zeloso.
Ele trabalha muito, muito mesmo. Busca dar o melhor para sua família, toda comodidade possível. Fazer com que seus filhos estudem em boas escolas, comam do bem e do melhor. Ter internet, roupas de qualidade, aparelhos de última geração, e por aí vai. Você deve estar entendendo.
Olhe ele lá, consegue enxergá-lo? Ele é bonitão, não é? É hora de lavar o carro.
Ele tem muito orgulho de tudo o que conquistou.
Só que faz tempo que seus filhos não conhecem o abraço de seu pai e sua mulher não sabe o que é um beijo de seu marido.
Sabe aquela comida que ele coloca na mesa? Faz tempo que ele não sabe o que é apreciar a delicia dela e faz tempo que ele não desfruta como deveria de todo o seu suor.
Portanto, toda conquista é ilusão, é correr atrás do vento.
Se agarre para a próxima viagem.
Olha lá, é aquela mulher de setenta anos. Não parece, não é? Ela está se admirando e se contemplando no espelho, deve estar pensando qual será seu próximo procedimento estético.
Acredita que ela deixa a janela do seu quarto bem escancarada para que todos a vejam sentada na sua penteadeira, passando seus cremes caros e penteando seu cabelo, só para que pensem o quanto ela é vaidosa?
Isso lembra muito uma história da Mitologia Grega. Reconhece? Mas essa história não acaba bem.
Ela vive corrigindo os mais novos quando dizem: “obrigado, senhora”, e retruca um: “a senhora está no céu”.
Quando lembra que é uma aposentada, viúva e avó, sempre quase surta, queria ter parado nos seus vinte e poucos anos.
O tempo lhe sufoca, o medo dos cabelos brancos lhe fez congelar na estrada da vida enquanto tinha o sol brilhando lá fora em pleno verão. Tudo é sobre ela. Tudo é sobre sua fonte da eterna juventude.
Portanto, a juventude é ilusão, é correr atrás do vento.
Está tentando adivinhar qual será a próxima viagem? Vem, vai matar sua curiosidade.
Está vendo aquele par de olhos tão tristes? Ele não tem mais vontade de nada. Não consegue nem mesmo olhar para o alto e ver que está um dia lindo lá fora.
Pertence a uma linda jovem, que foi deixada pelo namorado. Ele prometeu amor eterno, e tudo o que soube fazer foi lhe dar a sua ausência quando ele era tudo o que ela mais precisava.
Mas quando esses jovens vão aprender que nada é eterno? nem mesmo eles são. O pra sempre deles dura um instante.
Ela tem toda uma vida pela frente. Tão promissora, capaz, inteligente, se destaca fácil por onde passa. Meiga, doce, educada, tão culta. Olha a beleza dela, parece que foi esculpida pelos deuses do Olimpo. Qualquer rapaz que se preze daria tudo para ter o seu coração. Mas não, decidiu parar sua vida por alguém que não presta. Onde esses jovens estão com a cabeça?
Alguém pode lhe avisar que esse sentimento um dia vai passar, e ela vai se arrepender tanto, amargamente, por ter desperdiçado uma parte da sua vida que não volta mais? E quem dera ela desse ouvidos a isto.
O amor é bom quando ele é recíproco. E o amor surdo de nada adianta, por mais que você grite, grite e grite, ele nunca vai te escutar, suas palavras serão brutalmente jogadas ao vento. E o propósito do amor é somatória, não subtração.
Portanto, pessoas são ilusão, é correr atrás do vento.
Calma, já está terminando. Eis que vem a última viagem.
Está vendo aquela criança tão doce, tão meiga, tão amável? Não se engane, por dentro ela esconde muito egoísmo.
Não se esqueça, antes de ser criança, ela é um ser humano. Sua raiz continua sendo a mesma de um adulto de setenta anos, não é porque é criança que não tem maldade.
Sua mãe lhe deu um pacote de bolacha e lhe ensinou a dividir. Quer ver que vai encontrar um amiguinho na rua e não vai partilhar?
Dito e feito, não dividiu.
Dizem que criança que não divide a comida, na barriga vira aranha. É verdade esta história? Não? Mas acha que há um fundo de verdade nisso? Também não?
Até colocam a culpa no fato da criança crescer sozinha, não tendo irmãos.
Talvez essa criança vai ter dificuldades em aprender a palavra limites.
Lembra daquela história de que o alimento do povo no deserto, por conta de não se contentar, virava mofo?
Então, é bom se alimentar sem ganância, mas quando se junta mais do que se pode, já sabe, não é?
Portanto, aquilo que alimenta o corpo é ilusão, é correr atrás do vento.
Este é o fim da viagem. Você vai ficar na porta de sua casa.
Gostou da experiência? Mais ou menos? Talvez você não entenda agora, só lá na frente.
Tudo aquilo que te foi mostrado não é que a vida não vale a pena, ao contrário, a vida vale muito.
Mas só vale a pena se cada coisa estiver no seu devido lugar.
As conquistas, como o melhor alimento, a melhor casa, o melhor carro, a melhor roupa são benéficas, se estiverem dentro do seu lugar.
A juventude é boa, mas envelhecer é melhor ainda. O tempo é o fio condutor pelo qual a vida passa. No “haja o tempo” ocorreu o nascimento da morte. A morte e o tempo são irmãos gêmeos. Por isso é necessário entender que a juventude não é eterna, se não a tolice também não teria fim, e ninguém suporta os idiotas.
Já os amores também são passageiros. É preciso aprender a separar, a distinguir, a paixão do amor. A paixão é aquela flor que nasceu, não resistiu ao clima e logo morreu. O amor não, ele é aquela flor que nasceu, lutou contra o clima, e sobreviveu não só a uma estação, mas durante o ano todo. Mesmo assim, as pessoas não são eternas, por mais que elas amem, se vão, pois não são maiores do que a vida.
E a comida? O que falar da comida? Quer melhor exemplo do que a comida para demonstrar como tudo é ilusão?
Pois bem: você trabalha duro durante toda a semana para ter dinheiro e ir ao mercado. Compra seu alimento, chega em casa e o prepara. Após preparado o come, estava com bastante fome. Depois disso, a saciedade desaparece e todo o ciclo recomeça. Percebe como a comida é ilusão? Ela está em sua mão, depois escorrega como água.
A vida é uma ilusão, em seu sentido transitório, passageiro, curto, efêmero, vapor.
Aqui agora se está e amanhã não se está mais. Só o agora é real, pois nem o passado e nem o futuro permanecem. O tempo não pertence ao homem.
Mas qual será o segredo da vida? Ser passageiro e observador de trem.
Chegou o portão da sua casa. Fique bem.
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