A indiferença olímpica atirou, sem o arco de Apolo, suas flechas do caos ao alvo de sempre: o flagelo mundo dos mortais. Dessa vez, aos olhares de Zeus e dos demais, dois deuses, Hades e Morfeu – príncipes do mundo dos mortos e dos sonhos, respectivamente –, residentes no olímpio, litigaram em uma batalha quase homérica, se não fosse motivo desta: discutir o limiar entre o sonho e a morte.
Morfeu, em primeiro ato, retirou Hades do trono de maneira abrupta, lançando-o sobre o chão gelado do olímpio; ele, em seguida, preparando o seu duro pé, guiou-o ao ventre deste, que se encurtou de dor. Assim que os efeitos do golpe cessaram, esticou seu grande corpo ao chão e levantou-se diante de Morfeu; deferiu-lhe, de maneira rápida, um soco em sua face. O seu pescoço mal se inclinou e ele riu em resposta, jogando Hades em direção à Clotos, uma das moiras que, naquele momento, fazia o fio.
Ajoelhado ao lado de Clotos, que o auxiliava como possível, Hades se levantou com as mãos atrás, que portavam o fio da moira furtado enquanto esta o ajudava a se levantar, e correu em direção ao Morfeu, que estava enfado de tudo; este, porém, animou-se quando sentiu os fios em volta do seu longo pescoço, mas era tarde: o fio, como o objeto que trespassa a água em sua forma liquida, rasgou o pescoço do lutador sonhador, retirando o sustento de sua cabeça.
Com a cabeça tinta de Morfeu, Zeus empurrou Hades para fora do olímpio; tirou, depois, a mancha de sangue do fio e devolveu à moira, que o recebeu com consternação, porque o efeito dessa luta resultou em uma gravidade incomensurável: findou-se o limiar entre sonho e a morte – o que era incerteza é certeza agora.
Zeus, entendo as consequências que moira dizia em soluço, modulou os efeitos da fusão entre os dois mundos a partir da luta, de modo que toda a humanidade não se esvanecesse. A partir deste marco, quem dormiu irá para a morte e, se morrer, para o sonho.
Todos os Deuses que estavam presentes, naquele instante, trocaram suas indiferenças pelo medo das incertezas, pois, após a ilíada e a odisseia, esse seria talvez o acontecimento que acabaria com ambos os mundos. Nunca um conflito, com grandes efeitos, aconteceu no mundo.
Após o mortal duelo, aquilo que já foi um deus prostava no suntuoso chão do olímpio, marcando-o com seu negro sangue; Zeus o confrontava, olhando para aquele corpo sem face, e, sem querer abrir a primeira vala no lar dos deuses, carregou-o para terra, a fim de enterrá-lo.
Enquanto olhava a cova no cemitério de Catra, uma turba o impediu de continuar; ele parou atrás de um mausoléu, então. Olhava, pelas frestas, aquela multidão em torno do corpo, que pertenceu ao rei Kaelion – morto por decapitação também. Todos choravam pelo rei de Catra, de amigos até inimigos. Era uma lamúria em peregrinação.
Concluído o cerimonial fúnebre, Zeus, para esconder o corpo de deu Deus entre os mortais, enterrou o resto do Deus dos sonhos junto ao Kaelion, após todos saírem, exceto Hades, que o via às escondidas fazendo tal conduta ardilosa. Ele presenciava, ao longe, a conduta ardilosa; ria pela emoção de poder ludibriar Zeus.
Após o filho de Cronos terminar, Hades desenterra o corpo e o leva para terra do rio Lete, a fim de enterrá-lo para, em seguida, ressuscitá-lo. Assim, segue em direção ao local pretendido, carregando aquilo que já foi um corpo de Deus entre seus braços.
Quando jogou a última pá de terra, que seria a transição do cadáver para vida, runas antigas brotaram do solo fértil do rio Lete, tremendo aquele rígido chão que se abria em volta do corpo, o qual era erguido por longas e grossas raízes de oliveira. Kaelion, assim, ressurge; Hades, consternado, encara-o, inadmitindo que pegou o corpo errado.
Com pretensões de por fim ao que não começou ainda, Hades retira sua espada longa e a enfia no peito de kaelion, que ( de maneira inesperada) a segura com a ferida, impedindo que aquele a retire. O deus do submundo, então, percebe que já estava morto quando usou sua espada; tudo era um sonho, assim.
Dreomortis, a junção do mundo dos sonhos dos mortos, expandia-se, ocupando o vácuo parcial da terra, bem como trazendo a morte dos sonhos e o sonho dos mortos. A realidade se esvaneceu em meio ao novo mundo, cujo líder é Kaelion, que deixou a coroa para ser um espectro de Limiar, porque não é vivo nem morto; sua qualificação é distorcida, quase dismórfica, causando confusão em quem a confronta. O líder deste mundo, no entanto, é detentor de poderes incomensuráveis.
Outra linha, em consequência, começou a se tecida por Clotos, que foi avisar Zeus. Este pediu-lhe seu apoio: dar um nó na linha nova para que ela não fique completa, tornando possível a existência, por ora, entre os mundos – Dreomortis, o mundo mortal e o olímpio.
Com o nó na linha feito pela moira, Dreomortis não se expandiria, não abarcando o mundo dos mortais e dos Deuses; isso, assim, evitaria o Crescimento do poder de Kaelion, exceto se ele destruísse os mundos – o que parecia ser seu desejo. Com dissonância, por ora, do poder temporal e do seu poderio militar – composto por uma hoste de criaturas ( pesadelogrifos, sonâmbulos perpétuos, amalgamas oníricas, sussurrantes) – , ele resolveu avançar em direção aos mundos com o auxílio do último poder.
No olímpio, Zeus falava com Clotos pela última vez; ela estava desaparecendo. O surgimento do Dreomortis rompeu com o destino, afetando- a.
Enquanto se esvanecia, trocou o adeus pelas duras falas de alerta ao filho de crono. O limiar entre o sonho e a morte é fixado pelo corpo; este, somente, é capaz de delimitá-los. Mate-o; verá depois. Clotos sumiu sem terminar, deixando Zeus com os olhos sob o chão do olímpio.
Duro será a batalha que não é delimitada pelo destino e que fleta com a sorte. Nenhuma linha guiará o caminho dos guerreiros; sangue e sorte, apenas. As pontas das lanças e a destreza será, embora de poucas influências, o referencial que guiará Zeus de encontro ao Kaelion. Haverá, assim, um único evento neste novo cenário: a luta.
Zeus, de maneira indireta, enfrentou Kaelion: convocou o exército de Centauros. Eles marcharam em direção ao conflito, no vale dos véus cinzentos. Lutaram contra as amalgamas oníricas – entidades deformadas, composta por objetos e paisagens; são criadas da fusão dos sonhos com almas perdidas, sua forma modulada conforme os medos de quem a observa. Sentir algo, é perigoso em seus ambientes. Elas possuem um filtro das almas, analisando-as e descobrindo seus medos.
Tomados pelo orgulho excessivo, levando-os a subestimar os inimigos, os centauros perceberam que o vale dos véus cinzentos era, em sua substância, as amalgamas oníricas, cujo solo era íngreme e pantanoso, obliterando qualquer reação deles, que ficaram em estado de letargia até o momento em que as arvores caíram sobre seus torsos. Sangue e lodo se fundiram, deixando a marca da tragédia. Cessou o barulho de cascos.
Indiferente ao fato, Zeus chamou os homens das montanhas altas imediatamente; ordenou-lhes para marcharem ao leste, para tomar Creta das garras dos Sussurantes – entidades invisíveis que se revelam apenas em vulto e sombra, oriundas das palavras não ditas e dos segredos que as pessoas levam para túmulo. Sem sucesso, no entanto. As criaturas invadiram as mentes dos homens, arrastando-os para o medo e dúvida. Ficaram paralisados até o momento em que suas cabeças perderam o sustento.
Duas tragédias, assim, perturbavam a indiferença olímpica de Zeus, que cultivava a raiva, enquanto olhava a estranha trinca que mudava de local no suntuoso chão do olímpio: antes, ela estava na parte superior; depois, mudou para o meio. Ele percebeu que estava tomado pelos sonâmbulos perpétuos; são indivíduos que morreram sonhando, mas suas almas não conseguiram fazer a transição. Atacaram Zeus, lançando ilusões de que ele estava em seu lar, mas estava na frente de Kaelion, que pediu para que eles se retirassem.
Não havia mais obstáculos; nenhuma tragédia se colocava em relação ao conflito que estava para acontecer: Zeus frente ao Kaelion, face a face, sem nada para poder mudar.
Poucas palavras preenchiam o duro e sanguinário Combate. Pela primeira vez, aquilo que não era um Deus lutava de igual ( e até superior) contra o filho de cronos, que se espantava. Kaelion, de maneira rápida – ocultando-se em frete ao Deus – pegou-o pelas costas, agarrando-o pelos ombros, curvando suas rígidas costas como uma parábola.
Sem ar, Zeus ficou; olhou, quase que tomado pela completa escuridão, o rosto Kaelion. Este, então, pegou seu cabelo longo, passou entre as mãos e, com a espada de Hades, passou no pescoço do filho do cronos; o sonho chegou.
Morfeu caiu do alto da Oliveira; acordou, com o barulho, Zeus do sono profundo que o cometeu após deitar-se com Hera; esta, então, pediu-lhe desculpas, afirmando que tal medida era necessária para que Posseidon intervisse na guerra de Troia. O conflito deveria ser equilibrado para os aqueus.
Zeus, de maneira indiferente, deixou-a; foi para olímpio, sem resignar-se com Poseidon e Morfeu. Sua mente guardava os sonhos que acabara de ter somente. O filho de cronos sentiu-os de maneira profunda, quase indizível. Pensava, tão somente, se aquilo era fruto da sua fértil mente, induzida por Morfeu, ou se era um presságio. Pensava, de maneira aflita, se a sua linha podia ser cortada.
Tudo isso não era um sonho bobo, sobretudo quando ele viu um Veilante, patrulheiros do limiar da morte e do sonho; são entidades que patrulham o curto campo entre os mundos.
Zeus sonhou para morte; mas se despertou dela.
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