Numa pequenina cidade, em um bairro menor ainda, numa rua miúda e numa casa ainda mais diminuta havia uma maldade graúda esperando para ser feita.
Numa cadeira que não tinha nome, como todas as outras cadeiras comuns e, ainda seguindo sua genealogia, com quatro pés, jazia uma história triste. Por entre suas farpas e acabamento se encontrava quatro espíritos completamente diferentes em cada canto. As da frente, sempre alegres e orgulhosas, as de trás, marrentas e engenhosas, as pernas direitas sempre boas e gentis, as esquerdas, horríveis e ardis. Com essa combinação, fazia-se o equilíbrio e a cadeira tornava-se de sentar o utensílio; a cadeira da qual estamos falando já tinha muitos anos e já havia dado-se à muitos amigos. Na mesma sala havia dois gloriosos sofás e uma cadeira de balançar, que havia alcançado o egrégio status de ter um nome, havia ela sido comprada por Epaminondas, advogado de renome que todas as tardes ia ao “trono das miúdas” para assentar-se e ler.
Dentre todos os títulos de cadeiras, aquele era singular por interessante motivo, seu nome não lhe era dado pela nobreza daqueles que ali sentavam, mas por sua utilidade singular para a leitura do direito na rua dos miúdos o que era ainda mais acentuada pelo seu leve balançar.
Voltando-se para a simples cadeira, nunca havia nome sido dado para um pé de cadeira. Mas naquela noite de festas o pé traseiro esquerdo foi nomeado de muitos.
Mais cedo, nesse mesmo dia, Epaminondas sentou-se em seu trono e leu algumas páginas de um livrelho que havia comprado por algumas moedas e o jornal da semana, nele falava-se sobre a eleição do novo deputado, amigo de Epaminondas, o senhor Otoni. Para comemorar a eleição de seu amigo, Epaminondas chamou-o e mais alguns rapazes e damas de seu grupo de amigos para ir-lhes à casa e aproveitar a comida suculenta feita pela senhora Yasmin.Sua comida era sempre motivo de elogios mas ela não permitia-se levar por eles e sempre aprendia algo novo em suas receitas.
Dadas cinco horas chegaram os convidados, também acompanhando as cadeiras, agora estava uma pequena mesinha cheia de guloseimas para atiçar a fome antes de matá-la. Nosso pé esquerdo que já havia se irritado com o barulho se tornou ainda mais irritadiço quando uma calça de um belo conjunto se assentou na cadeira e começou a gargalhar com singular risada. Tal risada era a do senhor Otoni, um senhor rechonchudo e com bochechas acostumadas ao riso, sua risada era motivo de ainda mais gargalhadas e seus olhos gentis não podiam exprimir melhor a sua felicidade em estar ali.
Yasmin, esposa de Epaminondas havia preparado a receita favorita de Otoni, sua família mineira sempre levava a melhor em fazer um bom e velho pão de queijo mas os feitos pela Yasmin sua crença tremer a ponto do deputado perguntar:
— Você tem certeza que veio lá de São Paulo mesmo, dona iá-iá?
— Nasci lá, mas minha família havia fugido de Minas por conta de uma dívida – disse Yasmin com as voluptuosidades prosaicas de uma mulher á pouco casada.
— Eu sabia! Não há pão de queijo melhor do que aqueles feitos por um sangue mineiro!
Dados mais alguns minutos de idas e vindas na palavra outra vez badalou a campainha anunciando um amigo de Epaminondas. Era um sujeito magro e sério, alto e envolto em mistério, esse sujeito não era amigo de Epaminondas, quem poderia dizer que em tal dia de festas uma mão que não havia sido convidada a campainha tocaria?
Tal senhor não trazia ares festivos e de companhia mas uma dose de arritmia e outra de covardia, seus olhos não permitiam o acesso ao espírito mas sim a uma sala vazia, sem alma e sem energia para prantos, o sol ainda não se punha mas a noite seguia-o e dava-lhe singular alcunha.
— Uma moedinha ou duas, senhor?
Epaminondas não via uma moeda já havia muito tempo, uma moeda já parecia a ele um item digno de exposições em museus, mas entre alguns vãos aqui e ali uma pequena moeda se teceu, pequena tanto em tamanho quanto em valor, irritado com a qualidade da esmola, o homem bradou:
— Cinco centavos? Você está louco? Eu não quero isso não, pode ficar cô’essa miséria pru’cê O advogado surpreendeu-se com tamanha ingratidão e não aguardou para dar-lhe um sermão:
— Você aparece por cá pedindo e ainda está disposto a reclamar da esmola?
— Eu nem entendo o quê ‘cê fala, mas quero saber uma coisinha mais. Qual seu nome?
Epaminondas não queria responder tal pergunta mas seu amigo, já impaciente, gritou da sala:
— Venha comer Epaminondas! A iá-iá acaba de fazer bolo de fubá!
Yasmin logo chamou também:
— Venha amor, não deixe o senhor Otoni esperando!
Epaminondas, incomodado com sua revelação de identidade à figura, apenas fechou a porta e deixou que a comida tirasse-lhe a memória da cabeça e deixasse ela em um canto empoeirado e esquecido entre as leis e a política.
Epaminondas, inquieto com a distância entre ele e a mesinha, arrastou os sofás para que chegassem mais perto injuriando ainda mais a paz da perna da cadeira. Ali, ela arquitetou um plano para que o barulho se desse fim e sua paz pudesse chegar enfim.
Depois de todas as barrigas estarem cheias as mulheres foram para um cômodo falar sobre o casamento de Yasmin e os homens continuaram na sala para discutir sobre as últimas novas da semana.
A conversa dançava entre três bigodes, uma barba cheia e duas caras limpas. Os três bigodes não vêm ao caso, mas a barba de Otoni não se dava muito com a cara limpa do doutor Roberto, médico amigo de Epaminondas, era um senhor grande e saudável, sua voz competia em igual força com a de Otoni e suas opiniões sempre aparentavam contradizer aquilo dito pelo deputado.
Após muita conversa, algumas comparações filosóficas e uma ou duas conclusões poéticas sobre a política diária os homens começaram a despedir-se e a cadeira finalmente podia executar seu plano, Otoni decidiu ficar mais um pouco, como sempre fazia, para discutir finanças com seu amigo; fizeram isso ali na salinha mesmo onde a mesa estava cheia de restos do café.
Antes de dar o toque final e fechar o último tenor da ópera é necessário voltar um pouco ao largado que havia tocado a campainha, saber o nome de Epaminondas já era algo muito bom para ele mas receber um a mais apenas aumentou sua perversidade. Entre uma rua e outra, dois quarteirões ao lado da casa de Epaminondas, o homem preparou um trabalho maldizente e maligno. A descrição do trabalho não vem ao caso, e descrever isso aqui seria impugnar até mesmo a folha que aqui escrevo, ao nascer do luar, dois trabalhos haviam sido feitos na encruzilhada, e sua maldade não tinha limites. Após terminar sua maldição, o homem voltou para sua vida perdida e pérfida.
Mais tarde, voltando para casa, o senhor Roberto percebeu na mesma encruzilhada os trabalhos, deu-se o trabalho de chutar um, mas o outro parecia distante o suficiente para que não estivesse disposto mudar sua rota, voltou para casa sem preocupações e aproveitou as memórias da conversa como quem ainda não terminou de pôr cada argumento no lugar.
Já agora, Epaminondas e Otoni estavam seriamente discutindo sobre uma sensação ruim que havia recaído sobre eles:
— Também está sentindo isso, meu amigo?
— Uma sensação que precede coisas ruins… — disse Epaminondas.
Rapidamente, correu para o cômodo em que as mulheres estavam e perguntou se todas estavam bem, atrapalhando suas conclusões sobre o vestido de uma que havia saído mais cedo que as outras por conta de um encontro que teria com um figurão.
Epaminondas então perguntou-lhes sobre a sensação ruim e enquanto algumas responderam que estavam sentindo, outras não sentiam nada; todos, entretanto, se preocuparam com a moça que havia acabado de sair, surgindo um novo tópico de fofocas e especulações.
Percebendo que as especulações não passariam de futilidade, Epaminondas fugiu do recinto e voltou a ter com seu amigo.
Epaminondas tirou um bom e velho whisky de uma seção do armário logo atrás de Otoni.
— Eu não lhe chamei só para comer um pouco, meu amigo, aproveite este aqui que já faz 80 anos comigo para festejar de vez sua candidatura!
Entre uma virada de copo e outra e muitas gargalhadas, a perna esquerda da cadeira se fazia ainda mais enfezada. E então, aproveitando-se do estado ébrio dos dois senhores, ela cometeu seu Magnum Opus, aquilo que lhe daria infâmia pela cidade inteira e faria-lhe o primeiro pé de cadeira a ter não só um, mas vários nomes; ela quebrou.
Caindo para trás, Otoni bateu sua cabeça em uma quina do armário e sua morte foi noticiada por toda a cidade.
A absurdidade na situação causou vários rumores que seu amigo havia o matado e sua versão da história foi muito desacreditada, entretanto, com o apaziguar dos nervos todos entenderam a infelicidade do acidente.
Entre as cadeiras este foi um dos maiores feitos de um pé esquerdo de toda a história das cadeiras, aquele maldito pé havia entrado no panteão das cadeiras, pois, não tendo muitos feitos, até mesmo um feito vil como aquele podia ser visto como motivos de vangloreios, mas é claro, apenas entre as cadeiras, os tronos e sofás ficaram horrorizados com a barbárie que haviam presenciado.
Dentre todas as desgraças, a única que convém aqui eu contar-lhes, é que um pé esquerdo nunca havia sido tão importante para a política local d’uma minúscula cidade.
Cá dois meses Epaminondas havia assumido o posto de seu amigo falecido e, depois de descobrir sobre os trabalhos da encruzilhada, buscou incessantemente o homem que havia amaldiçoado Otoni e nunca o encontrou.
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2 avaliações encontradas.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Plot: Me soa aleatório.
Execução: Personagens bem construídos; boa ambientação; bons temas.
Escrita: Bem mal pontuado; as frases longas estão ambíguas.
Estilo: Texto altamente literário; narrador um pouco fraco.
Desafio: A perna não move a trama, nem sentimos sua “pressão” em várias cenas.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Gostei muito do conto, pois ele trata de vários personagens em seu cotidiano e, mesmo levando o desafio, não se apressa; toma seu devido tempo para construir o tom da narrativa, apresentar os conflitos e dar vasão ao clímax. O que mais gostei foi o estilo, que denota muita habilidade, criatividade e, mais importante, divertido; parece que foi um conto que divertiu muito quem o escreveu. Os erros de ortografia atrapalham, mas nada que uma revisão não resolva e, o cumprimento do desafio me foi satisfatório.