– Me passa a chave de fenda.
– Qual?
– Qualquer uma serve.
Após meia hora tentando sem conseguir nada, realmente qualquer uma servia, já havia usado todas as disponíveis, sem sucesso, aliás, sem nada que trouxesse um resultado minimamente aceitável.
O dia começara bem, logo nas primeiras horas da manhã estava evidente que seria um dia ensolarado, quase sem nuvens num céu que se diz ser de brigadeiro.
Agora, mais tarde, não havia nenhuma nuvem mas apesar disso não estava quente, era um dia agradável, bonito, despretensioso.
O correio trouxe uma caixa esperada há tempos, grande mas nem tanto, bem embalada mas nem tanto, foi fácil abrir e retirar tudo que estava dentro.
Separou e começou então a montar, peça por peça com calma e sem afobação. Seguindo o manual começou juntando o encosto e o assento da cadeira de madeira.
Quando comprou demorou para escolher qual modelo realmente gostaria, qual era bonita e útil, achou que essas duas coisas eram importantes: ser bonita e útil. Também queria uma que combinasse com a outra que eles já possuíam, um belo par de cadeiras para o casal.
Foram semanas até encontrar uma que o cativou por sua simplicidade, agora estava tentando montar, parecia simples até começar a colocar os pés.
O primeiro pé foi difícil, mas o primeiro pé é sempre difícil não é mesmo?
Depois as coisas vão ficando mais fáceis, conforme você vai ganhando mais experiência montando seja lá o que você comprou.
– Como está indo agora?
O olhar cansado, em um rosto encharcado de suor dizia tudo: ele estava indo mal e não havia perspectiva de melhora.
– Já tentou colocar de outro jeito?
Sim, ele já havia tentado de tudo. E tudo havia dado errado. Várias vezes, incontáveis vezes, inúmeras vezes. Não era um dia como outro qualquer, era pior.
– Olha o manual, talvez tenha alguma coisa.
Ele pegou o papel, deu uma olhada atentamente, mas hoje em dia não há mais instruções nos manuais de instruções, ninguém mais lê, há apenas imagens em branco e preto, manchas acinzentadas que nada dizem.
Ainda assim ele olhou, longamente, parecia simples, aparafusar os parafusos 1 a 4, nas pernas A a D, na parte de baixo do assento da cadeira. Simples porém não fácil.
Entretanto havia sido fácil até então, até chegar na letra D do manual, a perna esquerda traseira da cadeira de madeira comprada para assistir o pôr do Sol e lembrar como é agradável a vida…
– Podemos tentar colar.
Ele parou, olhou em volta e disse:
– Funcionou bem com todas as outras pernas. Vou tentar mais um pouco.
Mas simplesmente nada daria certo e ambos sabiam disso, há coisas eternamente colocadas no rol das impossibilidades e, o correto encaixe da perna esquerda da cadeira recém-comprada está nesse rol.
– Está bem assim.
Não. Não estava, mas de repente passou a estar. De repente o bom deixou de ser inimigo do ótimo, aliás nesse caso o ruim passou a ser simplesmente bom.
– Sim. Vamos aproveitar.
E desde então, pelo resto da vida, ao se sentar na cadeira ele se lembrava daquele dia e dessa perna que tornava a cadeira meio bamba, quase desconfortável, quase “quase”.
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Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Tive que voltar a este conto e fazer justiça a ele, pois, na live, eu e o Rayhan o reprovamos por não completar o desafio, quando o que houve foi que eu publiquei o conto faltanto o finalzinho.