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Leite de Ouro

Em terras distantes, onde o sonho da eterna primavera só era interrompido por um único mês de inverno no ano, havia um pequeno reino, seu pequeno tamanho, entretanto, não podia ser confundido com falta de braços e históricos feitos.

Seu rei já alcançava certa idade de fraqueza e miudeza; seus ombros já não eram largos como outrora e sua voz já não alcançava todo o seu palácio com um barítono invejável.

Há muito já deveria ter morrido mas um só desejo o mantém de pé em sua miséria. Vacas com chifres de bode, olhos de sapo, e uma pelagem dourada digna de lendas e mitos, e muitos deles haviam. Era dito pelos trovadores em todas terras onde o vento leste soprava, sobre as vacas que seiva derramava. Sua pelagem de ouro não era sua única iguaria, suas bolsas de leite valiam muito e um balde do leite delas poderia valer tanto quanto desposar-se a mais bela das princesas. O rei lembrava de sua infância, quando ainda era moleque e as vacas abundantes, seus ossos agradeciam todos os dias por poder beber daquele leite. Certo dia, um certo bezerro morreu, foi atacado por lobos da montanha que roeram todos os seus ossos, apenas deixaram um só órgão intacto, uma bolsa de leite dourado que havia sido nutrida por anos e anos com a melhor vegetação do reino.

Chamado de leite divino, muitos homens foram à caça da especiaria culinária. Até que, depois de algumas décadas, não sobrasse nada além de lendas e memórias.

– Tragam-me o leite de uma vaca de ouro! – disse o rei, usando de sua pouca autoridade
restante.

Dito isso, o irmão mais velho e perverso: Múlex começou a preparar seus homens para uma
longa jornada. O irmão mais novo, Goléas, partiu apenas com suprimentos para alguns dias e seis dos
seus mais confiáveis homens.

Posso dizer que a jornada de Múlex foi árdua e difícil, mas a estória D’ele escrita será em
outras páginas.

Após duas semanas de viagem procurando por direções para achar as vacas douradas, Goléas e sua ordem acharam uma pequena construção em traiçoeiro deserto; se tratava da morasa de Íglinax, o oráculo mais certeiro e o menos confiável.

Ao som do galopar dos cavalos a porta abriu-se e revelou uma figura cadavérica e pútrida.

– Não assustem-se pois assim muitos me viram ao passar das gerações, caros viajantes. Sei porque vieram e desde já aviso, de tua jornada só um sairá vivo, e em sua aventura só um terá a glória e o juízo.

Invictos em sua determinação, nenhum dos homens fraquejou diante a profecia da morte.

– Ótimo, vejo que os corvos trouxeram bons ouvintes dessa vez; vocês devem ir até a grande pedra vermelha e seguir as direções do vento por três dias e duas noites, ao chegarem, dois de vocês morrerão um pela espada do outro e, aos outros ouvirão dos ventos seu próximo destino.

Saindo do pântano, os cavaleiros cansados marchavam em luto por seu futuro do qual o oráculo maldito havia profetizado, decidiram dormir em uma pequena caverna, d’onde saíram ainda cedo em direção a pedra vermelha, um monumento ancestral oferecido aos quatro ventos.

Ao chegarem, o vento sibilou um leve sussurro que deu-lhes direções pelo dia e pela noite, pelas águas e pela areia; ao tardar do último dia, havia Góleas e sua ordem chegado a um prado verdejante.

Sugiu do chão uma legião de homens da terra e sangrenta batalha se entornou, enquanto destruíram seus inimigos que tornavam-se areia ao cair, dois rastros de sangue se fizeram visíveis por entre o barro, dois companheiros de Góleas acharam, por entre o corpo de um soldado, várias jóias preciosas e a ganância lhes tomou o corpo. Golpe sobre golpe, lágrima sob lágrima, seus corpos foram enterrados ali mesmo, por entre os corpos de seus inimigos derrotados.

Seguindo sua jornada, chegaram ao alto d’um monte d’onde surgiu àquele que sibilava, o pai dos ventos do oeste tomou sua forma humana e a eles guiou por entre um caminho subterrâneo há muito esquecido atrás de um ou dois arbustos e um grande alçapão de orvalho. Seu trajeto fora silencioso, em luto por seus amigos mortos, cinco viajantes restavam.

Do outro lado da passagem, acharam-se dentro de um castelo rubro, enfeitado com topázios e rubis e adornado com os mais belos tijolos de argila vermelha.

– Alto lá, quem vem aí? – disse rouca voz mas ainda egrégia, mesmo com a idade.

– Somos viajantes de uma terra distante – disse Góleas seguindo a direção da voz e curvando-se perante o ancião ao trono assentado.

– Viemos em busca de uma vaca dourada e de seu leite, para cumprir o último desejo de nosso rei, até aqui o vento nos guiou e sob sua morada, curvamo-nos.

O rei, ressabiado com tal missão decidiu ajudar-lhes com uma condição: um de seus homens ficaria ali, pra caso não voltassem, ele fosse culpado por seus crimes. Aceitando tal condição, Góleas continuou sua missão com seus três homens restantes. -devem ir à floresta do esquecimento e achar o bibliotecário, ele guarda em sua biblioteca todo o conhecimento ali esquecido, para isso, levem estes mantos feitos das folhas da mais alta árvore d’esta floresta, ela protegerá seus corpos do miasma e suas mentes da loucura; mas cuidado! Um simples arranhão no manto fará ele perder sua função e nunca mais lembrarão quem são.

Puseram-se os aventureiros pela reclusa floresta, refúgio de vultos e fantasmagórica feição, o rei havia-lhos dito que o bibliotecário levava consigo uma chama tenebrosa, sua chama roubava a luz do dia e brilhava pela rama ao cantar da noite.

Vendo um feixe distante, Góleas seguiu a luz e enfim achou a biblioteca e seu defensor.

– Há muito não vejo sua raça por essas bandas, enfim acharam um meio de minha floresta explorar? – disse uma voz aguda e rouca da idade por entre um manto que escondia a face da figura mas permitia ver-lhe a magreza por entre os enfeites dourados ao roxo tecido. – Sei o que buscam mas antes d’ele receber, devem um desafio vencer, tragam-me a cabeça da bruxa Criséia a qual aposenta-se ao oeste do pântano. Após isso guiarei-lhos à última tarefa de sua missão.

Em sua jornada através do pântano, vários espíritos avisaram-lhes. Não confiem nem no leste nem no oeste, pois os dois espíritos que o guardam querem tomar de vós a alma e tirar de tua saúde, troça de retalhos.

Mesmo por entre os avisos, Góleas e os guerreiros restantes tinham uma missão que ia para além de suas vidas. E, chegando ao final de um caminho cheio de serpentes, acharam o palácio cinzento de Criséia.

– Daqui não sairei pois não foram os primeiros a vir pela minha cabeça e não serão os últimos a levá-la, mas saibam que aquele que cortá-la sofrerá com tal maldição que corroerá vossas vestes e derreterá sua carne até a morte do espírito. – apresentou-se a bruxa na presença dos viajantes; falava como um espírito de milhares de anos mas sua aparência era encantadora como uma jovem virgem em idade de primaveras e festivais. Um dos homens de Góléas apaixonou-se pela beleza da mulher e jurou defendê-la dos males que a espada podia trazer-lhe; traindo seus amigos e virando-lhes a espada matou o homem à sua direita e levou sua espada consigo como prova de seu amor. Góleas irou-se contra o homem que considerava um de seus irmãos e golpeou a espada do homem com tamanha força que sua espada virou-se contra sua amada, e, arrancando-lhe a cabeça com o golpe certeiro, o homem ali pereceu por sua paixão, derrotado em sua traição.

Sabendo que sua jornada estava chegando ao fim, Góleas levou a cabeça enquanto ela cantava uma leve e melancólica melodia; ao chegar na biblioteca a cabeça falou:

– Traído por um de seus amigos, da maldição pôde escapar, esse homem é digno de dos mistérios vos ouvir falar – e logo desapareceu, fazendo-se um ninho de cobras que voltaram em direção à cabana.

– Entendo, sinto muito pelos homens que com você não voltaram, mas fico feliz que sozinho não voltou, apenas aqueles dignos de escutar essas palavras podiam sair da cabana de Criséia com vida. Vocês deverão escalar o mais alto pico do norte e então abrir este coldre, ele guarda ordens do Sol para que o último de seus bois seja sacrificado e seu leite derramado.

Seguindo suas ordens, mais dois cavalos foram deixados para trás, e os dois homens restantes andaram em direção ao norte por três meses. Ao longo de sua jornada encontraram muitos que buscavam dar-lhes merecida ajuda; Góleas, entretanto, sabendo do destino que aguardava aqueles que o seguiam não aceitou ajuda alguma, nem mesmo uma caneca de cerveja sem pagar.

Ao chegar na montanha, preparados com belos casacos de pele de lobo feitos a mão, subiram a montanha com grande dificuldade, tendo de contornar grandes rochas e tendo de destruir muitos inimigos pelo caminho; ao primeiro dia, lutaram com um grande urso, ao terceiro, tiveram de lidar com uma enorme águia e no tardar do sétimo dia foram atacados por um exército de harpias, seres com corpo da águia e peitoral e cabeça de mulher. Chegando ao pico, enfim, Góleas e seu mais fiel companheiro abriram o Coldre do Sol: “Abra-se o portão e de lá saia o último boi”. A ordem solar veio com um estrondo tão alto que deixou Góleas meio surdo, cego de um olho e dilacerou sua carne com o calor, quanto ao seu amigo, o calor de tal ordem transformou-o em cinzas e os ventos gélidos do norte levaram-no pela montanha, dizem que até hoje pode-se escutar os sibilos desajeitados do homem chamando por Góleas, o homem o qual confiou a vida. Surgiu no pico então, um portão adornado com vários vórtices solares e com duas grandes portas de ouro ostentando um círculo e um semicírculo adornados em prata no centro dos portões. O último dos bois, velho e infértil, se fez aparecer por entre o portal, o brilho de sua pelagem podia ser visto por entre todas as cidades próximas e dizem que o monte parecia uma grande e afiada árvore com uma estrela brilhando em seu epítome.

Góleas, cansado de sua jornada, já não sabia o que fazer, tal animal não tinha por onde o leite poderia ser tirado, por fim, ao encostar no boi, desmaiou em cima de seu corpo velho e cansado. Ao acordar Góleas só pode achar o boi já desvanecido, deixando apenas sua bolsa de leite luzente, seu couro dourado, e seus dois chifres de carneiro; um deles soltava uma seiva brilhante e o outro era perfeito para um berrante. Góleas não podia levantar pois há muito não se alimentava, mas ao olhar para os chifres do boi, descobriu que uma seiva que semelhava-se com o mel saía de sua extremidade, ao beber um pouco do líquido, seu corpo aparentava ter o dobro da força que antes tinha, sua orelha podia novamente escutar o sibilar dos ventos, seu olho novamente podia ver e sua carne ali estava, tão saudável quanto antes de toda sua aventura. Entendendo seu destino, desceu a montanha e viajou para casa vestido com o couro do boi, seu cavalo nunca havia corrido mais rápido e vários viajantes disseram ver um raio amarelo andando por entre os prados. Ao tardar da noite, havia chegado em seu reino, mas seu irmão, Múlex, não havia sido bem sucedido em sua jornada e decidiu aguardar pacientemente pela volta do irmão para roubar-lhe os espólios e apresentar-se ao rei. Tendo sua barrada entrada por uma ordem de 67 homens armados para a guerra, Góleas lutou bravamente derrotando metade do exército com seu escudo e a outra metade com sua espada. Ao tardar da batalha, cheio do sangue de seus inimigos, bebeu um pouco de seu chifre-nectarino e usou o outro chifre do boi para avisar sua chegada. Seu berrante era alto como o estrondo de um trovão e foi usado por muitos anos como condecoração ao rei para liderar exércitos para a batalha.

Ao chegar, seu pai já estava doente e seu irmão já havia tomado o trono há muito, seu irmão conspirou uma segunda vez contra ele e mandou um mensageiro para dizer que o pai havia morrido há muito dado o direito do trono à Múlex. Desconfiado do irmão, Góleas foi ter com seu único amigo que da morte não havia padecido, sua fraca carne não podia lidar com um forte bramido. Ele contou-lhe que o pai estava acamado em um dos cômodos do castelo; e que seu irmão havia conspirado para o exército destruí-lo à sua chegada. Enfurecido pela mentira do irmão, Góleas passou por seus guardas ameaçando-lhes a vida e chegou até o rei.

Vendo seu pai naquela situação, percebeu enfim seu destino, deu a seu pai seu pedido, temendo sua morte, mas ao beber sua velha pele começou a rejuvenescer e seus 70 anos já pareciam um montante muito menor, e enfim gritou o rei como um grande rugido de leão:

– Isso sim que é leite de macho!

O rei então contou sua história de infância para seu filho e disse que o oráculo do sol havia-lho visitado e dito que apenas o único filho que pudesse trazer o leite dourado de um boi-solar poderia reinar o trono para sua era de ouro. A primeira ordem de Góleas ao receber a coroa foi nomear seu pai como seu conselheiro; sua segunda, expulsar seu irmão e todos aqueles que serviam a ele; dessa expulsão, surgiria um reino sombrio e maligno ao norte do qual até mesmo pensar em seu nome e seus habitantes poderia trazer maldições e espíritos malignos à tona.

Já acabam-me as páginas e a tinta, desse reino surgiram muito mais histórias que se pode contar em páginas roídas e encardidas, pelas musas essa história deve ser levada e pelos mensageiros de sua música, bela imagem será espalhada, desde o homem que teve sua redenção pela morte de tudo que lhe era querido, até o homem que morreu no portão do céus por sua língua afiada e linguajar ardido.

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2 avaliações encontradas.

Plot Execução Escrita Estilo

Achei no geral ok e pode-se dizer ok como um todo. Mediano. A ideia do enredo é um pouco acima do mediano, execução, estilo, escrita, estão acima do mediano mas nada além.

Talvez tenha tido um pouco de dificuldade em me conectar com o conto, ficou parecendo um conto de fadas, sem a magia desse tipo de escrita e com uma tentativa de erudição que torna a leitura menos agradável que poderia ser.

Um pouco acima do mediano no geral.

Plot Execução Escrita Estilo

*O texto revisado está anexo ao final.

– Pow, Hiel kkk que diabos é “falta de braços e históricos feitos”? Vou sugerir algumas alterações no texto revisado.

– Troquei “corpos de seus inimigos” por “restos…”, já que eles viravam areia quando morriam.

– Sugiro fortemente arrancar a frase, com zero sentido, “Sua fraca carne não podia lidar com um forte bramido”. Ter uma rima não melhora a falta de conexão.

– Essa inserção no final foi aleatória demais, jogada: “dessa expulsão, surgiria um reino sombrio e maligno ao norte, do qual até mesmo pensar em seu nome e seus habitantes poderia trazer maldições e espíritos malignos à tona”.

PLOT: Gostei da premissa e os acontecimentos. Tudo muito criativo.

EXECUÇÃO: Tem um pouco de infodumping, algumas inserções totalmente aleatórias e umas descrições que não fazem muito sentido. A ambientação é boa. Os personagens não são bem desenvolvidos, porque o autor gastou tempo demais pensando no fraseado. Me soou como um avô contando uma história.

ESCRITA: Tive que corrigir bastante pontuação, alguns tempos verbais e concordância. O estilo forçado, tentou criar erudição, mas bateu na trave, gerando umas coisas sem sentido, como “guiarei-lhos” e falsas contrações, que já são naturais, tipo “d’ele” em lugar do obviamente já existente “dele”. Aliás, tem muita êclise errada, no lugar de próclise.

ESTILO: Alterei alguns termos repetitivos. Mas tem ótimas frases e muitas metáforas interessantes. As estruturas frasais dão um tom interessante ao conto, mas forçou a mão em muitos momentos. Ainda assim, pra seguir a intenção autoral no estilo, em uma alteração, onde havia termos repetitivos, eu inseri um “fê-la”. Há muitas rimas também. O texto tem muita preocupação estética que, apesar dos vacilos, vai melhorar a pontuação.

TEXTO REVISADO

Em terras distantes, onde o sonho da eterna primavera só era interrompido por um único mês de inverno no ano, havia um pequeno reino. Seu pequeno tamanho, entretanto, não podia ser confundido com falta de feitos históricos.

Seu rei já chegara a certa idade, de fraqueza e miudeza; seus ombros já não eram largos como outrora e sua voz já não alcançava todo o seu palácio, com um barítono invejável. Há muito, já deveria ter morrido, mas um só desejo o mantinha de pé em sua miséria: as vacas com chifres de bode, olhos de sapo e uma pelagem dourada digna de lendas e mitos — e muitas delas haviam.

Era dito pelos trovadores em todas terras onde o vento leste soprava, sobre as vacas que seiva derramavam. Sua pelagem de ouro não era sua única iguaria, suas bolsas de leite valiam muito e um balde do leite delas poderia valer tanto quanto desposar-se a mais bela das princesas.

O rei se lembrava de sua infância: quando ainda era moleque, e as vacas abundantes, seus ossos agradeciam todos os dias por poder beber daquele leite. Certo dia, quando um certo bezerro morreu, foi atacado por lobos da montanha que roeram todos os seus ossos, apenas deixando um só órgão intacto: uma bolsa de leite dourado que havia sido nutrida por anos e anos com a melhor vegetação do reino.

Chamado de “leite divino”, muitos homens foram à caça da especiaria culinária. Até que, depois de algumas décadas, não sobrasse nada além de lendas e memórias.

— Tragam-me o leite de uma vaca de ouro! — disse o rei, usando de sua pouca autoridade
restante.

Dito isso, o irmão mais velho e perverso, Múlex, começou a preparar seus homens para uma
longa jornada. O irmão mais novo, Goléas, partiu apenas com suprimentos para alguns dias e seis dos
seus mais confiáveis homens.

Posso dizer que a jornada de Múlex foi árdua e difícil, mas a fama d’ele escrita será em outras páginas.

Após duas semanas de viagem procurando por direções para achar as vacas douradas, Goléas e sua ordem acharam uma pequena construção em traiçoeiro deserto; tratava-se da morada de Íglinax, o oráculo mais certeiro e o menos confiável.

Ao som do galopar dos cavalos, a porta se abriu, revelando uma figura cadavérica e pútrida.

— Não se assustem, pois assim muitos me viram ao passar das gerações, caros viajantes. Sei porque vieram e, desde já, aviso: de tua jornada, só um sairá vivo, e em sua aventura, só um terá a glória e o juízo.

Invictos em sua determinação, nenhum dos homens fraquejou ante a profecia da morte.

— Ótimo! Vejo que os corvos trouxeram bons ouvintes dessa vez. Vocês devem ir até a grande pedra vermelha e seguir as direções do vento por três dias e duas noites. Ao chegarem, dois de vocês morrerão, um pela espada do outro, e os outros ouvirão dos ventos seu próximo destino.

Saindo do pântano, os cavaleiros cansados marchavam em luto por seu futuro do qual o oráculo maldito havia profetizado. Decidiram dormir em uma pequena caverna, donde saíram ainda cedo em direção à pedra vermelha, monumento ancestral oferecido aos quatro ventos.

Ao chegarem, o vento sibilou um leve sussurro que deu-lhes direções pelo dia e pela noite, pelas águas e pela areia; ao tardar do último dia, havia Góleas, com sua ordem, chegado a um prado verdejante.

Surgiu do chão uma legião de homens da terra e sangrenta batalha se entornou. Enquanto destruíram seus inimigos, que tornavam-se areia ao cair, dois rastros de sangue se fizeram visíveis por entre o barro. Dois companheiros de Góleas acharam, nas vestes de um soldado, várias jóias preciosas; e a ganância lhes tomou o corpo. Golpe sobre golpe, lágrima sob lágrima, seus corpos foram enterrados ali mesmo, por entre os restos de seus inimigos derrotados.

Seguindo sua jornada, chegaram ao alto dum monte, donde surgiu, àquele que sibilav; o pai dos ventos do oeste tomou sua forma humana e a eles guiou por entre um caminho subterrâneo havia muito esquecido, atrás de um ou dois arbustos e um grande alçapão de orvalho. Seu trajeto fora silencioso, em luto por seus amigos mortos; e cinco viajantes restavam.

Do outro lado da passagem, acharam-se dentro de um castelo rubro, enfeitado com topázios e rubis e adornado com os mais belos tijolos de argila vermelha.

— Alto lá! Quem vem aí? — disse rouca voz, mas ainda egrégia, mesmo com a idade.

— Somos viajantes de uma terra distante — disse Góleas, seguindo a direção da voz e curvando-se perante o ancião ao trono assentado.

— Viemos em busca de uma vaca dourada e de seu leite, para cumprir o último desejo de nosso rei. Até aqui o vento nos guiou e, sob sua morada, curvamo-nos.

O rei, ressabiado com tal missão, decidiu ajudar-lhes com uma condição: um de seus homens ficaria ali, para que, caso não voltassem, fosse culpado por seus crimes. Aceitando tal condição, Góleas continuou sua missão com seus três homens restantes.

— Devem ir à floresta do esquecimento e achar o bibliotecário, pois ele guarda em sua biblioteca todo o conhecimento ali esquecido. Para isso, levem estes mantos feitos das folhas da mais alta árvore desta floresta; eles protegerão seus corpos do miasma e suas mentes da loucura. Mas cuidado! Um simples arranhão no manto fará que ele perca sua função, e nunca mais lembrarão quem são.

Puseram-se os aventureiros pela reclusa floresta, refúgio de vultos e fantasmagórica feição. O rei lhes havia dito que o bibliotecário levava consigo uma chama tenebrosa; sua chama roubava a luz do dia e brilhava pela rama ao cantar da noite.

Vendo um feixe distante, Góleas seguiu a luz e, enfim, achou a biblioteca e seu defensor.

— Há muito não vejo sua raça por essas bandas. Enfim acharam um meio de minha floresta explorar? — disse uma voz aguda e rouca da idade, por entre um manto que escondia a face da figura, mas permitia ver-lhe a magreza por entre os enfeites dourados ao roxo tecido. — Sei o que buscam, mas antes dele receber, devem um desafio vencer: tragam-me a cabeça da bruxa Criséia, a qual aposenta-se ao oeste do pântano. Após isso, eu os guiarei à última tarefa de sua missão.

Em sua jornada através do pântano, vários espíritos lhes avisaram. Não confiem nem no leste, nem no oeste, pois os dois espíritos que o guardam querem tomar de vós a alma e tirar de tua saúde em troça de retalhos.

Mesmo por entre os avisos, Góleas e os guerreiros restantes tinham uma missão que ia para além de suas vidas. E, chegando ao final de um caminho cheio de serpentes, acharam o palácio cinzento de Criséia.

— Daqui não sairei, pois não foram os primeiros a virem pela minha cabeça e não serão os últimos. Mas saibam que aquele que cortá-la sofrerá com tal maldição que corroerá a veste e derreterá a carne até a morte do espírito.

Asssim apresentou-se a bruxa aos viajantes; falando como um espírito de milhares de anos, mas com aparência encantadora qual de uma jovem virgem em idade de primaveras e festivais. Um dos homens de Góléas apaixonou-se pela beleza da mulher e jurou defendê-la dos males que a espada podia trazer-lhe; traindo seus amigos e virando-lhes a espada, matou o homem à sua direita e levou sua espada consigo como prova de seu amor. Góleas irou-se contra o homem, que considerava um de seus irmãos, e golpeou a espada do homem com tamanha força que fê-la virar-se contra sua amada; e, arrancando-lhe a cabeça com o golpe certeiro, o homem ali pereceu por sua paixão, derrotado em sua traição.

Sabendo que sua jornada estava chegando ao fim, Góleas levou a cabeça enquanto ela cantava uma leve e melancólica melodia. Ao chegar na biblioteca, a cabeça falou:

— Traído por um de seus amigos, da maldição pôde escapar; esse homem é digno dos mistérios, ouvi-lo falar — e logo desapareceu, fazendo-se um ninho de cobras que voltaram em direção à cabana.

— Entendo. Sinto muito pelos homens que com você não voltaram, mas fico feliz que sozinho não voltou. Apenas aqueles dignos de escutarem essas palavras podiam sair da cabana de Criséia com vida. Vocês deverão escalar o mais alto pico do norte e então abrir este coldre; ele guarda ordens do Sol para que o último de seus bois seja sacrificado e seu leite derramado.

Seguindo suas ordens, mais dois cavalos foram deixados para trás, e os dois homens restantes andaram em direção ao norte por três meses. Ao longo de sua jornada, encontraram muitos que buscavam dar-lhes merecida ajuda; Góleas, entretanto, sabendo do destino que aguardava aqueles que o seguiam, não aceitou ajuda alguma, nem mesmo uma caneca de cerveja sem pagar.

Ao chegar na montanha, preparados com belos casacos de pele de lobo feitos à mão, subiram a montanha com grande dificuldade, precisando contornar grandes rochas e tendo de destruir muitos inimigos pelo caminho. Ao primeiro dia, lutaram com um grande urso; ao terceiro, tiveram de lidar com uma enorme águia; e, no tardar do sétimo dia, foram atacados por um exército de harpias — seres com corpo da águia e peitoral e cabeça de mulher. Chegando ao pico, enfim, Góleas e seu mais fiel companheiro abriram o Coldre do Sol: “Abra-se o portão e de lá saia o último boi!”. A ordem solar veio com um estrondo tão alto que deixou Góleas meio surdo e cego de um olho, e dilacerou sua carne com o calor. Quanto ao seu amigo, o calor de tal ordem transformou-o em cinzas e os ventos gélidos do norte levaram-no pela montanha — dizem que até hoje pode-se escutar os sibilos desajeitados do homem chamando por Góleas, o homem o qual confiou a vida. Surgiu no pico, então, um portão adornado com vários vórtices solares e com duas grandes portas de ouro ostentando um círculo e um semicírculo adornados em prata no centro dos portões. O último dos bois, velho e infértil, se fez aparecer por entre o portal. O brilho de sua pelagem podia ser visto por entre todas as cidades próximas e dizem que o monte parecia uma grande e afiada árvore com uma estrela brilhando em seu epítome.

Góleas, cansado de sua jornada, já não sabia o que fazer, pois o animal não tinha por onde o leite pudesse ser tirado. Por fim, ao encostar no boi, desmaiou em cima de seu corpo velho e cansado. Ao acordar, Góleas só pôde achar o boi já desvanecido, deixando apenas sua bolsa de leite luzente, seu couro dourado, e seus dois chifres de carneiro — um deles soltava uma seiva brilhante e o outro era perfeito para um berrante. Góleas não podia levantar, pois havia muito não se alimentava. Mas, ao olhar para os chifres do boi, descobriu que uma seiva que assemelhava-se com o mel saía de sua extremidade, e ao beber um pouco do líquido, seu corpo aparentava ter o dobro da força que antes tinha; sua orelha podia novamente escutar o sibilar dos ventos; seu olho novamente podia ver; sua carne ali estava, tão saudável quanto antes de toda sua aventura. Entendendo seu destino, desceu a montanha e viajou para casa vestido com o couro do boi.

Seu cavalo nunca havia corrido mais rápido e vários viajantes disseram ver um raio amarelo andando por entre os prados. Ao tardar da noite, havia chegado em seu reino, mas seu irmão, Múlex, não havia sido bem sucedido em sua jornada e decidiu aguardar pacientemente pela volta do irmão para roubar-lhe os espólios e apresentar-se ao rei. Tendo sua barrada entrada por uma ordem de 67 homens armados para a guerra, Góleas lutou bravamente, derrotando metade do exército com seu escudo e a outra metade com sua espada. Ao tardar da batalha, cheio do sangue de seus inimigos, bebeu um pouco de seu chifre-nectarino e usou o outro chifre do boi para avisar sua chegada. Seu berrante era alto como o estrondo de um trovão e ainda seria usado por muitos anos como condecoração ao rei para liderar exércitos para a batalha.

Ao chegar, seu pai estava doente e seu irmão já havia tomado o trono havia muito. O irmão conspirou uma segunda vez contra ele e mandou um mensageiro para dizer que o pai havia morrido e dado o direito do trono à Múlex. Desconfiado do irmão, Góleas foi ter com seu único amigo que da morte não havia padecido. Ele contou que o rei estava acamado em um dos cômodos do castelo e que seu irmão havia conspirado para o exército destruí-lo à sua chegada. Enfurecido pela mentira do irmão, Góleas passou por seus guardas ameaçando-lhes a vida e chegou até o rei.

Vendo seu pai naquela situação, percebeu enfim seu destino: deu a seu pai o pedido, temendo sua morte, mas, ao beber, sua velha pele começou a rejuvenescer e seus 70 anos já pareciam um montante muito menor. E enfim, gritou o rei como um grande rugido de leão:

— Isso, sim, é leite de macho!

O rei contou sua história de infância para seu filho e disse que o oráculo do sol o havia visitado, e dito que apenas o único filho que pudesse trazer o leite dourado de um boi-solar poderia reinar o trono para sua era de ouro. A primeira ordem de Góleas ao receber a coroa foi nomear seu pai como seu conselheiro; a segunda, expulsar seu irmão e todos aqueles que serviam a ele; dessa expulsão, surgiria um reino sombrio e maligno ao norte, do qual até mesmo pensar em seu nome e seus habitantes poderia trazer maldições e espíritos malignos à tona.

Já acabam-me as páginas e a tinta; deste reino surgiram muito mais histórias que se pode contar em páginas roídas e encardidas. Pelas musas, essa história deve ser levada e pelos mensageiros de sua música, bela imagem será espalhada. Desde o homem que teve sua redenção pela morte de tudo que lhe era querido, até o homem que morreu no portão dos céus por sua língua afiada e linguajar ardido.