Como ele deixou que o jogo chegasse a esse ponto? Durante o último set inteiro, Benjamim se perguntou isso e continuava pensando nisso; e quanto mais pensava, mais suava e quanto mais suava, mais sentia a raquete escorregar da sua mão. Mais um saque e voleio de Theus, o seu rival, e ele iria jogar a raquete na cabeça loira daquele metido. Benjamim tinha o jogo ganho — 2 sets a zero — e quando se viu num lugar onde nunca esteve, perdeu completamente o controle. Deixou Theus empatar e agora os dois estavam no Tie Break mais acirrado do regional inteiro. Que poético isso acontecer na final, não é?
O jogo de Theus era previsível e fácil de vencer, mas Benjamim se perdeu mais uma vez; mais um segundo lugar, mais uma derrota para Ishiguro, seu professor, que amargava ser conhecido por treinar eternos segundos lugares. O menino olhou para o lado e o viu morder o lábio inferior; olhou para o outro lado, onde estava a sua família e viu seu irmão mais novo, mastigando de boca aberta um salgadinho de queijo. Benjamim sentiu o cheiro daquilo, mesmo estando longe. Quando ouviu o barulho da bola se chocar contra a raquete, nem pensou duas vezes: apenas balançou os braços com raiva, devolvendo um slice violento que ele nunca tinha sido capaz de executar — não importava quantas vezes Ishiguro tentasse ensinar — e fez a bola raspar na rede, caindo a menos de um metro dentro da metade rival da quadra.
Surpreso com sua própria reação, Benjamim olhou para a raquete e depois para o treinador. Ele já não mordia mais os lábios, mas também não exibia nenhuma expressão clara de surpresa, pois usava óculos escuros e um boné que cobria quase todo o seu rosto. Benjamim suspirou antes do próximo saque. Sua mente parecia vazia e movia-se de um lado para o outro, como se tivesse acabado de alongar. Quando o saque veio, ele já sabia que logo viria um voleio e, ao rebater, correu para o centro da quadra, onde, segurando a raquete com as duas mãos, devolveu o voleio por cima da cabeça de Theus até o fundo da quadra, marcando o Match Point.
Automaticamente, largou a raquete no chão, girou em torno de si mesmo e gritou como nunca havia gritado na vida, sentindo todo o peso daquela partida se abater sobre o seu corpo. Já não importava mais que ele era o garoto tímido e retraído que andava pelos cantos do clube esportivo de um jeito estranho, levantando piadas de mau gosto e apelidos sem-graça dos garotos mais velhos. Agora ele era o campeão e podia se fazer ouvir; seu espaço estava determinado: era toda aquela quadra, todo aquele campeonato, toda a sua vida.
Ao ver o seu primeiro campeão em mais de duas décadas desde que havia se aposentado, Ishiguro, o outrora samurai — conhecido por seus slices matadores, definidores de partidas — abaixou a cabeça segurando o choro que surgiu de algum lugar dentro de si que ele não conhecia.
Sua aposentadoria não foi desejada, vinha de uma acusação falsa de dopping; ele venceu na justiça muitos anos depois, mas nem todo o dinheiro do mundo o faria recuperar o tempo que perdeu fora das quadras. Ele passou muitos dias em casa, sozinho, murmurando para si mesmo vingança, olhando para as fotos antigas com ressentimento; os troféus já haviam sido leiloados. O trabalho de técnico veio como uma tentativa de recuperar a própria sanidade — uma vontade de dar a volta por cima, de estar ali nos campeonatos, encarar os figurões da Federação, olhá-los nos olhos e vencê-los.
Só que isso nunca aconteceu.
Não só porque ele nunca conseguiu ser um bom professor, mas também porque os figurões não estavam mais lá. A Federação era só uma instituição sem face e sem corpo, sem alma e sem essência. Sua vingança era vazia, sua rebeldia era vã, seus objetivos eram inalcançáveis e suas ambições, ilusórias.
Quando se deu conta disso, chorou sozinho enquanto tomava banho; não voltou ao trabalho por semanas. Perdeu alunos, dinheiro, respeito; até mesmo sua esposa decidiu voltar a morar com a mãe. Ele, sozinho novamente, decidiu fingir que se movia e voltou a dar aulas. Ensinava um saque e voleio cretino que ele sabia que qualquer um poderia aprender e, talvez por isso mesmo, conseguiu algum espaço dentro dos torneios. Os alunos, o dinheiro, o respeito e até mesmo a mulher voltaram, mas a que preço? O do conforto medíocre.
Quando uma chama se acendeu cinco anos antes, ele tentou ensinar algo mais do que isso; tentou fazer seus alunos avançarem para além das quartas-de-final. Falhou. Não uma, nem duas, mas incontáveis vezes. Os alunos buscavam algo mais e o abandonavam tão logo percebiam suas limitações. Ele se encarava no espelho, buscando descobrir o que faltava. Fez cursos de metodologia e até mesmo considerou entrar na faculdade, mas Benjamim o ensinou que quem faz o professor são seus alunos. Ao invés de tentar moldá-los, Ishiguro deveria observá-los, acompanhá-los, cultivá-los.
Benjamim foi seu primeiro experimento. Era difícil ter paciência para acompanhar o seu ritmo, mas o menino aprendia, muito mais do que qualquer um. Pela enésima vez, Ishiguro estava numa semi-final, a primeira de Benjamim. Sua evolução era notável, sua capacidade de aprendizado era incomparável; pela primeira vez em sua vida como treinador, Ishiguro vislumbrava um futuro que poderia ser mais do que medíocre, talvez até muito mais. E envolto em sua animação, ele mordeu os lábios e sorriu.
Quando viu aquele slice, ele se lembrou da primeira vez que ganhou um campeonato e chorou. Mas não deixaria isso transparecer. Ele viu a fotógrafa do evento na lateral da quadra, virando-se rapidamente para encontrá-lo na multidão, e abaixou a cabeça, fugindo até o vestiário.
Samantha, por sua vez, não conseguiu encontrar o lendário técnico daquele misterioso garoto, que havia escalado de forma quase milagrosa a montanha que era aquele campeonato. Mas não importava. Só havia uma coisa em que ela conseguia pensar: seu filho que disputava o campeonato de jiu-jitsu do outro lado do clube esportivo. Era a primeira vez que seu filho chegava a uma final e, novamente, ela estava ali, trabalhando enquanto o menino disputava o que poderia ser o seu campeonato mais importante.
Ela sempre considerou o trabalho a coisa mais importante de sua vida; adorava a fotografia mais do que qualquer outra coisa. Mas, naquele momento, sentia uma estranha tensão apertar o seu peito — razão pela qual levantava a mão várias vezes até o peitoral, buscando massagear a região; para aliviar algo, mas o quê?
As fotos estavam todas ótimas. O berro que Benjamim soltou ficaria ótimo numa impressão A3 pendurada na parede da sala de troféus, com a torcida inteira levantando de seus assentos, aplaudindo o menino. Foi então que ela notou que um grupinho de pessoas invadia a quadra do canto direito, e ela levou logo a câmera aos olhos. Era sempre bom capturar os momentos de barraco, pois esses eram os primeiros a aparecer nos jornais e nas páginas de internet. Muitos memes viriam.
Mas não daquilo.
O grupinho era formado por quatro pessoas que, assim que chegaram perto de Benjamim, o abraçaram e ele correspondeu, rendendo-se às demonstrações de carinho. Eram seus pais e seus irmãos, todos sorridentes, orgulhosos de sua conquista. Automaticamente, ela levou uma mão ao peito, enquanto a outra deixava a câmera cair. O tempo parecia parar ao redor de Samantha por alguns segundos e, imediatamente, ela se virou e saiu correndo do estádio.
Ela precisava ver os momentos finais da competição de jiu-jitsu, precisava invadir o tatame da mesma forma como os pais de Benjamim fizeram; por isso correu, deixando a câmera balançar violentamente contra o seu corpo, presa por uma faixa no seu pescoço. Fazia muito tempo desde que sentira o coração acelerar daquela forma e ainda mais tempo desde que deixou-se levar por toda a adrenalina, paixão, deixando para trás qualquer resquício de cautela ou razão.
Mas não precisava tanto.
Quando chegou na competição de jiu-jitsu, seu filho ainda nem havia subido ao tatame. E ela pôde levar a câmera ao rosto para tirar a foto dele subindo, encarando-a com um sorriso largo no rosto.
Era um sorriso largo de surpresa que Giovanni exibia naquela foto e, por muitos anos ainda, ele olharia para aquela foto lembrando do dia em que finalmente deixara de carregar uma mágoa contra sua mãe por tanto tempo dedicado ao trabalho e tão pouco dedicado a ele. Até mesmo o seu estilo de luta mudou. Naquela tarde, ele venceu todos os seus adversários após árduos minutos se arrastando no tatame, carregando a luta de forma árdua até os momentos finais, como se quisesse vê-los sofrer; como se deixasse extravasar ali toda a mágoa que carregava e que nunca conseguira se livrar até então. Seu coração era pesado e pesado era seu jogo, sempre arrastando seu adversário de um lado para o outro do tatame até derrubá-lo, prendê-lo e isolá-lo, o que o fez ganhar o apelido de “torturador”.
Mas, naquele momento, o Torturador parecia ter perdido a sua berlinda e, de repente, não hesitou em chamar seu rival para guarda logo nos primeiros momentos da luta. Tão logo chamou para guarda, jogou-se por cima, assumindo a posição dominante. Seu jogo de pressão ganhou passos ágeis, neutralizando a defesa rapidamente; e na primeira oportunidade que teve, aplicou uma ágil finalização. Nunca uma final havia sido tão rápida e todos ficaram surpresos com a agilidade, a leveza e destreza demonstrada pelo Torturador, o qual, a partir dali, precisaria de um novo apelido.
A surpresa levantou a multidão que assistia às lutas, assim como retirou gritos de euforia de cada um deles, exceto de seu adversário, o Machado. O menino, que havia se preparado para aquela luta durante dois meses inteiros, pois sabia que o Torturador era a principal figura a se vencer naquele torneio, saiu do tatame com as bochechas em chamas, extremamente irritado, após receber a maldita medalha de prata.
Quando chegou ao vestiário, chorou como nunca havia chorado em sua vida. Um choro amargo, ardido, de raiva e decepção. E ao sair do chuveiro, ouviu gritos de euforia se aproximando: era a turma do Torturador. Saiu correndo, enrolado na toalha e tudo, com raiva. Vestiu-se no corredor mesmo.
Quando saiu do prédio, já estava anoitecendo. Decidiu ir até a cantina mais distante do clube, onde sabia que não encontraria rostos familiares; e ficou lá, sentado a uma mesa de plástico, remoendo tudo que havia passado, amassando copos de plástico, até que o chapeiro gritou para ele pedir alguma coisa ou ir embora.
— Eu vou embora a hora que eu quiser, seu cuzão!
— Cumequié, muleque?
Se não fosse o pai de Machado, o verdadeiro Machado, chegar e pedir duas latas de Coca-Cola, o tatame não teria sido o local de sua última luta naquele dia.
— O que foi, hein?
O menino não respondeu. Então o pai sentou-se de seu lado, como se nada tivesse acontecido, e começou a falar sobre como ele tinha que aceitar as derrotas, que cada derrota era uma forma de se fortalecer, que o que não mata fortalece e todo esse tipo de argumentação que ele já estava cansado de ouvir, mas não daria ouvidos.
Mas, no fundo, ele sabia que seu pai estava certo. Ele dizia um monte de clichês chatos. Mas o que são os clichês se não verdades que já enjoamos de ouvir? E foi assim que ele respirou profundamente, aceitou a Coca-Cola gelada à sua frente e, com um sorriso tímido, a levantou numa saudação para seu progenitor.
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2 avaliações encontradas.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Achei o enredo razoável, nada além disso, de certa forma ficou um pouco confuso, com parágrafos soltos, enquanto o leitor (que sabe do que se trata o desafio) fica tentando juntar as peças. Acho que o enredo e a execução sofreram mutuamente.
Está bem escrito, narrado e desenvolvido.
Cumpre o desafio, mas cansa um pouco o leitor, que tem que ficar “indo e voltando” para entender tudo.
Plot Execução Escrita Estilo Desafio
Plot: achei confuso.
Execução: personagens bem desenvolvidos; boa ambientação; muita enrolação; os temas não estão conectados.
Escrita: acrescentei muitas vírgulas, ponto e vírgula e travessões; fiz ajustes de palavras pra melhorar a sintaxe; termos repetidos (ver a live).
Estilo: os períodos longos são sofridos; narrador um tanto injustificável; frases aleatórias, tipo “Que poético isso acontecer na final, não é?”. Mas há uma preocupação literária em muitas partes do texto.
Cumprimento: cumpre, mas a gente tem que ficar interpretando BEM pra ter certeza.