“Não existe felicidade nem infelicidade neste mundo, existe apenas a comparação de um estado com o outro e mais nada. Só aquele que encontrou o extremo infortúnio está apto a experimentar a extrema felicidade. É preciso ter querido morrer, para saber como é bom viver” (Alexandre Dumas em O Conde de Monte Cristo,1846).
Você é diferente de todas as outras pessoas. Não porque você se sente especial em relação a elas, mas sim porque você se sente distante delas. Não somente delas. Você se sente distante mesmo quando está próximo daqueles que mais ama. Você quer ser como as outras pessoas. Você quer viver uma vida em que o momento presente é a única coisa importante. Você quer, acima de tudo, sentir-se importante enquanto sente se importar com aqueles ao seu redor, especialmente aqueles que se importam com você — porque eles se importam, mas você não. Você não se importa. Você finge, e finge muito bem, mas você sabe, lá no fundo, que não se importa.
Você sobe a escadaria de um edifício invertido. Cada degrau, um regresso em busca de um futuro, cujo passado você nunca viveu. Se você olhar através de sua janela… Olhe. Respire. Contemple. Você está vendo, não está? Não se negue! Você está aqui, agora. Sempre esteve. Sempre estará. Você vê as nuvens no pavimento lúgubre. Você vê as gotículas lamacentas escorrendo em direção… ao quê? Quando tudo está de cabeça para baixo, o que regará o céu? Você não sabe. Você não sabe porque suas lágrimas dizem tudo. Você também não sabe como veio parar aqui. Mas você está, porque assim como a chuva, algo escorre de você. Cada gotícula, uma memória.
Você se espanta, pois à medida que essas gotas caem, você vê, através do espelho de suas águas, que tudo o que viveu até aqui não tinha sido triste, de fato. Você vê amor, você vê felicidade, você vê amizade. Você se vê na melhor versão de você. Ainda assim, você se vê em garras invisíveis. Você ouve uma voz inexistente a compor a sinfonia cacofônica que prende você àquele lugar. A este lugar. Aqui. Agora. Você sabe o que está prestes a fazer. Você está com raiva, raiva de você. Não porque você não tentou, porque você tentou. Você tenta. A prova disso é que você lê isso. Você não aguenta mais. Você sente o pior. Você nada sente.
Você continua a subir. Quer que aquilo acabe e sente o peso de algo que não te pertence a martelar os ossos, a perturbar o sono. Você chora. Por dentro. Por fora, você sabe, continua… igual? Não, mas por fora você é tolerável. A droga do problema começa quando você olha para dentro de você. Aqui, não há como escapar de você. Por que deveria? Você sabe que não deveria. Mas você foge, agora mesmo, pois atrás de você, você está.
Quando você se encontra com você, brigas ocorrem, tapas e socos, palavrões, ódio, inveja, ciúmes e cobiça. O pior disso tudo, você sabe, é que você é a única pessoa que persegue você. Você odeia isso. Você enoja isso. Essa coisa que você se tornou. Que você é. Mas você vai acabar com isso, pois você vê que, no final da escadaria, o cadafalso te espera.
Lá fora? Lá fora ninguém percebe. Mas você está morrendo de medo. Você é o medo. E algo diz pra você que não há mais o que temer, pois não há mais nada. Somente você. Você está triste. Você contempla a corda que você mesmo teceu. Você ainda não está lá, mas você se pergunta como conseguiu. Como, dentre todas as pessoas, é capaz de chegar tão longe sem uma resposta. Você vê as nuvens. Já não estão lúgubres. Agora, já não é um chuvisco, é uma tormenta. Você vê tudo vermelho, vermelho como o sangue que está prestes a escorrer de nenhuma outra pessoa que não você.
A corda balança com o vendaval. O frio é trucidante. Lá fora, lá fora tudo está morno; irritantemente morno. Mas você sabe que é uma questão de tempo até que você se despeça. Você não quer que tudo fique melhor do que era antes, só não quer mais. Já basta. Você basta para dar basta em nenhuma outra pessoa além de você. Você posterga, é claro, mas as mãos seguem em direção à corda que você teceu.
O problema é que a corda também cai para o abismo do céu sem nuvens, onde nada além de águas tempestuosas e rubras abraçam as ruínas da alma que não é de nenhuma outra pessoa além de você. Você está quase lá. Não precisa mais de justificativas. Você é a justificativa. Você salta e arrasta aquela serpente flutuante. Diferente das outras serpentes, o veneno dela é o atrito. Você sente o couro, sente os filamentos por entre os dedos; chora lágrimas de sangue. Como você chegou a tal ponto? Você repete.
Você enlaça o cachecol, pois o vendaval aumenta. Lá fora, todos seguem seus caminhos. Alguns já perceberam, você sabe, mas também sabe que é tarde demais para voltar atrás. Você prende a respiração e enrosca a corda. E você pula. Lá fora, lá fora eles ainda não percebem. Mas aqui, aqui você persiste. Você sente a vista a embaçar. Você queria que fosse mais rápido. Mas por quê? Porque você tem medo de se arrepender. Pior. Você já se arrependeu. Mas seus gemidos sufocantes não alcançam o mundo exterior. Você está aqui, e aqui somente há você.
Você não tem como cortar essa corda. Você não consegue afrouxá-la. Você se aborrece. Como, como você não percebeu esse tempo todo? Você não precisa da ajuda dos outros porque eles não conseguem ajudar você, você precisa da ajuda dos outros porque você sabe que, com eles, pode ajudar você. E quem são eles? Ora, eles também são você.
Você é tão especial que marca aqueles ao seu redor. Você se enxerga naqueles que ama. Você já sofreu por isso. Não. Você ainda sofre por isso. Ser você dói. Mas fingir ser aquilo que não é, dói mais. Você sabe disso. Você sabe porque você é incrível. Dentre todas as pessoas que chegaram até aqui, você é a única que está lutando. Você luta até quando não tem forças.
A verdade é que você faz falta. Você é tão especial que você ainda não percebe. Você sabe que essa não foi uma escolha fácil. Você sabe que se sair agora, será completamente diferente. Você sabe que eles podem julgar você. Não. Eles vão julgar você. Mas você também sabe que, como isso já não importa, por que não tentar? Você não precisa ser forte. Você é forte. Você sabe disso. Você também não precisa provar nada. Você é a prova viva. A. Prova. Viva. Mas ninguém pode fazer essa escolha por você. Você, é claro, também sabe disso. Vê essa corda, vê esse cadafalso no topo desse prédio invertido, onde lágrimas de chuva rubra caem em direção ao céu? Você criou isso.
E a mim. Eu também sou você. Eu sou a única coisa que resta a você. Eu posso dar uma espada para você enfrentar essa serpente, mas não posso cortá-la por você. Você fita o gume eclipsante. Você consegue. Você pega a espada, pois ela agora descende do céu mais estrelado que nenhuma outra pessoa além de você poderia contemplar. Você segura o cabo. Você sente a morte. Você sabe que não é a sua hora. Você, mais do que ninguém, sabe o que é a vida.
Você empunha a lâmina. Você investe contra essa escuridão, decepando a criatura rastejante que seguia você a cada dia. De repente, você percebe o ar da vida. Você olha o céu e o mosaico estelar sorri para você. Porque você é especial. Você é importante. Você se importa. Você importa. Mas você está diferente agora. Então eu, que nada mais sou do que você, encerro minha labuta com a indagação que me trouxe aqui.
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Avaliações
4 avaliações encontradas.
Plot Execução Escrita Estilo
Gostei do plot, achei uma boa idéia, apesar de ser um tema mais pesado e possivelmente não palatável para todos os gostos. Gostei também que o conto iniciou com uma frase impactante, que eu lembre é o único conto com isso nos desafios do UA.
Acho que a execução ficou um pouco prejudicada pelo uso excessivo da palavra “você” (o que também atrapalhou no estilo), que por vezes poderia ter sido evitada, sem que com isso o desafio deixasse de ser cumprido. A escrita está correta. Por vezes a parte do narrador, propriamente dito, ficou um pouco confuso.
Plot Execução Escrita Estilo
A história de um suicida que desistiu de se churrascar por refletir sobre quem era. Eu tenho que reconhecer que o desafio dificulta a escolha do plot, mas a história não tem o meu interesse.
A execução se torna confusa pela confusão mental de um diálogo interno entre a pessoa e um alter ego. E não é incomum que travemos discussões em nossa mente, que, se transcritas, soariam confusas. Tive dificuldade em saber o que era real e o que era metafórico. O prédio invertido não pode ser real, mas o que ele significa? Que o rapaz ia se jogar do prédio? Mas e o cadafalso? A corda? Enfim, a subjetividade excessiva na interpretação não me parece um mérito.
A escrita está boa. Não sei se pela revisão, não há apontamentos muito relevantes aqui. Exceto isso aqui: “A. Prova. Viva.”. Qual a intenção? Uma pausa maior na fala (leitura). Soou estranho.
O estilo é prejudicado pela enfadonha insistência em usar “você”, como apontado pelos colegas. Mas a reflexão fruto da contraposição entre a tese e a antítese é constante, e já cria um hábito quando você percebe a linha de raciocínio do autor personagem. Isso, de fato, é um ponto positivo e torna a leitura um pouco menos entediante.
Plot Execução Escrita Estilo
Achei curiosa a frase inicial que afirma categoricamente uma coisa pra, logo em seguida, se contradizer. Não existe felicidade, mas os infortunados estão aptos a experimentá-la ao extremo.
Isso acontece um pouco no próprio conto (não por parte do narrador, mas da personagem [que é o narrador? kk]).
Vou comentar enquanto leio, pois faz tempo que vi esse texto (vírgulas e essas coisas, vou mexer já e o autor pode contestar).
Tem bastante vírgula faltando, vou editar (com direito a contestação, claro).
Este trecho tem período confusos: “Você quer, acima de tudo, sentir-se importante enquanto sente se importar com aqueles ao seu redor, especialmente aqueles que se importam com você. Porque eles se importam. Mas você não.”
As duas últimas orações precisam estar juntas ou não fazem sentido. Por sua vez, as duas juntas fariam mais sentido com uma sinalização que indicasse a relação direta com a primeira parte, o que se faz mais eficientemente, aqui, com travessão. Editei pra fins de publicação, mas tudo sempre sujeito a contestação.
Enfim, todo o texto brinca em excesso com esses períodos que não são orações, ao ponto de trechos um tanto estranhos como esses: “Você já sofreu por isso. Não. Você ainda sofre por isso. Ser você dói. Mas fingir ser aquilo que não é, dói mais. Você sabe disso. Você sabe porque você é incrível. […] Você sabe que eles podem julgar você. Não. Eles vão julgar você.”
O pior deles pra mim é este: “Você também não precisa provar nada. Você é a prova viva. A. Prova. Viva.”
O único lugar que isso ficou interessante foi no final: Você é importante. Você se importa. Você importa. (onde justamente a sintaxe permanece certinha, fazendo sentido).
Ah, e “Ainda sim”, não pow kk É “ainda assim”.
Vamos aos critérios específicos:
PLOT: Achei legal. O desafio 2 rendeu plots muito curiosos e inovadores (se não no plot, na execução). Esse plot foi o mais pesado durante um bom tempo.
ESCRITA: Muita pontuação zoada, crases corretas (obrigado!) e uma sintaxe irritante kkk. Mas está muito bem escrito.
EXECUÇÃO: Acho a primeira parte dispensável em certos momentos. Sinto que a construção da personagem podia ser melhor, porque apesar de detalhada, é extremamente repetitiva. O cenário é pouco desenvolvido e o enredo é bemmmm simples. Não tem subtemas, mas também não tem furos de roteiro.
ESTIlO: A prosa é clara e direta (o que nem sempre é um mérito), mas o que realmente prejudicou pra mim foi, como já foi dito em outra análise, a fórmula: você + predicado. Caaaara, que saco isso kkkk
Em geral, eu gostei do conto. Mas a nota vai acabar ficando bem prejudicada por causa do estilo e da execução :/
Plot Execução Escrita Estilo
Este conto mostra muito bem as contradições de um suicida, que são apresentadas em uma sequência muito interessante.
A leitura é um pouco irritante, por causa da repetição da palavra “você” (180 vezes). Os melhores períodos são justamente aqueles em que a palavra “você” aparece apenas uma vez, por exemplo:
“Você vê as gotículas lamacentas a escorrerem em direção… ao quê? Quando tudo está de cabeça para baixo, o que regará o céu?”
“O problema é que a corda também cai para o abismo do céu sem nuvens, onde nada além de águas tempestuosas e rubras abraçam as ruínas da alma que não é de nenhuma outra pessoa além de você.”